Linha de separação


25 de novembro de 2014

Sócrates e as morais da história

Tenho um tio (por afinidade) que foi carpinteiro naval no Arsenal. Perante a miséria que lhe pagavam (muitos dos modelos de barcos do museu da Marinha foram feitos por ele) emigrou para o Canadá. Devido ao clima acabou na Flórida, estabelecendo-se numa marina com uma pequena oficina para trabalhos em iates.
Um dia dois cavalheiros procuram-no para realizar trabalhos nos interiores de uns barcos. Percebeu logo de quem se tratava, mafiosos, e o que pretendiam: espaços suficientemente bem escondidos e disfarçados nos fundos e na estrutura para esconder droga sem ser detetada.
Recusou, desculpando-se como pode: muito trabalho, sozinho, só com um ajudante, ainda por cima com muitas encomendas de modelos que tinha de fazer à noite. Os “bons rapazes” puseram-no à vontade. Não fosse esse o problema, sabiam como era competente, pessoa de confiança, e poderiam ajuda-lo a arranjar mais funcionários e crédito para expandir o negócio. Desculpou-se ainda com a saúde da mulher, etc., etc.
A coisa ficou por aqui. Se tivesse aceitado, contou-me, ficaria nas mãos deles e ou acabaria por fazer tudo o que queriam ou…
Pois é. Há gente com quem não se pode transigir e depois, nem que seja a fingir, querer voltar atrás. Quem se lembra do Sócrates dos PEC? Das privatizações? Da revisão da lei laboral, piorando o que já vinha do anterior PSD-CDS e da precariedade? De ter praticamente liquidado, com Teixeira dos Santos, uma importante fonte de financiamento do Estado, os certificados de aforro, para as poupanças serem capturadas pela banca privada e postas nos circuitos especulativos? Da “nacionalização” dos prejuízos do BPN deixando de fora os ativos? Dos benefícios fiscais à banca e às SGPS? Dos escândalos e sorvedouro de dinheiro das PPP?
Mais envolvido e comprometido com a máfia financeira só o atual governo de direita /extrema-direita. O que os “wise guys” lhe vieram agora dizer foi: és uma carta fora do baralho, não queiras evidenciar-te na TV contra a direita. E fica também o recado: consensos no PS é só com o PSD-CDS e a austeridade é para manter, como obedientemente este governo assegura.
Pois é, quando se porprociona a convergência fascista entre grande capital e governo, é isto que acontece.
Quanto à questão da moral é assim: falamos de estórias que vamos ouvindo até nas ruas ou falamos de História? O tempo, grande mestre, o dirá.

19 de novembro de 2014

“Nós não discutimos a dívida, não discutimos o euro, não discutimos a banca”

Foi o que se passou na AR perante as propostas do PCP, sobre renegociação da dívida, debate sobre a saída do euro, controlo público da banca. O PS votou contra todas ao lado do PSD e do CDS; PCP, PEV, a favor; BE a favor, exceto na questão do euro em que se absteve. A posição do PS é reveladora das suas ambiguidades, aliado no essencial à sua direita.
Portanto, para a”troika interna” o chamado “arco da governação” neoliberal a dívida não se discute, pois isso perturbaria os mercados; o euro não se discute pois seria a catástrofe (como se catástrofe não fosse o que está acontecer com o euro), o controlo da banca não se discute pois isso prejudicaria a fraude, a especulação a agiotagem: é preferível o país afundar-se na austeridade…
A postura dos três partidos, faz lembrar o famigerado discurso da “Sala do risco” em 1933, que definiu o clerical-fascismo salazarista: “nós não discutimos Deus, não discutimos a Pátria, não discutimos a família”.
Mas não tem sido dito que o neoliberalismo era o fascismo atual?
Alguns dados:
Em 1999, antes do euro, o défice público era 3,1% do PIB; a dívida 49,4%; os juros 2,9% do PIB.
Em 2010, o défice passa a 9,8% do PIB; a dívida 94%; os juros 2,8% do PIB.
Vem então a troika “salvar” o país, isto é os banqueiros, que é quem conta, e:
Em 2014 vamos ter algo como: o défice será 5% do PIB (segundo o FMI), sem receitas extraordinárias seria 9 ou 10%; a dívida atinge 134%; os juros 4,7% do PIB.
Desde 2009, o rácio dívida pública/PIB Português foi aumentando a uma taxa média de um ponto percentual (1% pt) por mês.
Ora quando a despesa de juros em percentagem do PIB excede a taxa de crescimento nominal do PIB, o fardo da dívida torna-se insustentável.
No fantasioso OE para 2015, os juros serão cerca de 4,6 ou 4,7% do PIB, mas  na hipótese otimista e triunfalista do governo o crescimento será  apenas 1,5%, isto após uma recessão acumulada superior a 6%.
A regra de ouro, não é a que o PS, PSD e CDS aceitam pelo Tratado Orçamental é a de que se as taxas de empréstimos excederem as taxas de crescimento nominal, dívida/PIB vão em direção ao infinito, sem um primário excedente que o compense, à custa do investimento e rendimento distribuído aos cidadãos, isto é, ao desenvolvimento da país.
POtanto com juros (sem amortizações...) 4,6 ou 4,7% do PIB, um défice que ninguém acredita ser inferior a 3%, para a economia ser sustentável nestas condições, o crescimento do PIB teria de atingir valores absurdos.
Conclusão, não discutir a dívida, o euro, o controlo da banca. Eis como se exprime o neoliberalismo: a fusão fascista de grandes negócios e governo. Tudo isto com o PS a fazer de conta que esta é a democracia que convém. Mas a quem?

11 de novembro de 2014

Os 25 anos do derrube do “muro de Berlim”

Durante uma semana, foram passadas imagens e contada a história oficial do chamado “muro de Berlim”. A indiferença do público contrastou com a excitação dos propagandistas do costume. Tal não foi assim há 25 anos. Então muitos exultaram e foram na conversa de que “eramos todos berlinenses”. Foi mais uma cena da “pedagogia anticomunista” que junta a direita, extrema-direita, e a social-democracia/socialismo reformista.
Vale a pena recordar o final de um livro de Sartre, “Le Sourcis” quando Daladier, primeiro-ministro da França, regressa de Munique, após a assinatura do respetivo Tratado com Hitler, Mussolini e Chamberlain. Daladier é recebido com uma manifestação de regozijo: “a paz foi salva”. Pára na escada do avião e comenta: “Les cons!” – Os idiotas!
Pois bem, foi isto que aconteceu em 1989. Os “idiotas úteis” necessários à política de direita que festejavam o fim da RDA, mal sabiam para o que estavam guardados: desemprego, empobrecimento, aumento das desigualdades, trabalho cada vez mais precário, jovens qualificados com salários de miséria, despedimentos massivos de trabalhadores experientes. Hoje na UE, é voz corrente, a começar pelo sr. Draghi, que o “modelo social europeu” está esgotado, não pode ser mantido. “Comentadores” repetem-no com ar compenetrado, como se falassem de alguma praga a que urge pôr fim.
A exploração dos países mais pobres aumentou mais 35% de 1990 para 2012. (PNUD). Segundo a OIT as diferenças entre o aumento da produtividade e dos salários são cada vez mais importantes.
Em 2013, 0,7% da população mundial, os multimilionários, detinham 41% da riqueza mundial e não cessa de aumentar a proporção. Para isso a pobreza aumenta na UE, nos EUA, nos países dominados. Nos EUA há 30 anos 1% da população detinha 12% do rendimento, atualmente quase de 35%. Em dia e meio, 0,1% dos mais ricos ganha mais que 90% da população num ano inteiro. É fácil ver os que tinham e têm razões para festejar.
Egon Krenz foi o último primeiro-ministro da RDA, foi preso pelo revanchismo alemão, os mesmos que lhe prestavam honras de Estado meses antes. Vive hoje retirado, isolado, não está ao abrigo das provocações e insultos da direita. Mas, é estimado pelos operários que o reconhecem. Krenz reconhece erros na condução da RDA e que ele próprio falhou, mas sente vergonha quando o comparam a Gorbatchov. Fiel aos seus ideais afirma : A ideia socialista, os valores socialistas, vivem e viverão. Continuo convencido de que o futuro será o socialismo ou a barbárie. (ver entrevista em http://www.legrandsoir.info/la-chute-du-mur-de-berlin-la-version-d-egon-krenz.html).
Será obrigatório ler em http://www.hist-socialismo.net/ as “Notas da prisão” e “Honecker acusa”, relato do seu testemunho perante o tribunal após o fim da RDA. Pensavam encontrar um homem debilitado, vergado ao peso da derrota, subjugado pelo capitalismo triunfante. Da prisão onde já tinha estado no tempos do nazismo, Honecker transforma-se em acusador, não renegando os seus ideais desde a adolescência. Os acusadores preferiram silencia-lo e anulam o julgamento, alegando motivos de doença do réu, como se tal não fosse evidente desde o início. Honecker morreu no Chile na companhia da esposa, da filha e do genro, um chileno.
Entretanto, lembremos as vítimas dos muros do ghetto de Gaza, dos EUA-México em que perecem por ano mais vítimas que em quase três décadas em Berlim. Ou ainda os muros da UE perante os povos levados à miséria pelo imperialismo e neocolonialismo.

10 de novembro de 2014

As habilidades de Cavaco

A propósito da PT Cavaco sempre a pensar em safar a sua imagem interrogava-se : O que é que estiveram gestores e accionistas a fazer na PT ? 
 Lembrou ainda que escreveu um artigo em que  
"avisou" que as empresas nacionais que ficavam nas mãos do estrangeiro não beneficiavam o país !
Mas não era uma evidência como o PCP afirmou e reafirmou na altura , que com as privatizações estas  grandes empresas cairiam nas mãos do estrangeiro ?
A pergunta a fazer   : aonde é que estava Cavaco  e muitos daqueles que agora defenderam um resgate da PT quando esta empresa foi privatizada ?

PS - O partido - Low Cost

O PS é um partido da alternância , não um partido de alternativa ! Desde o 25 de Abril a direita dos negócios e personalidades comprometidas com o governo fascista sempre o viram como um seguro de vida !
 A sua ala um pouco mais à esquerda ou foi perdendo peso ou se converteu às delicias do poder e do dinheiro e , salvo raras excepções ,  alinhou  com os outros . É vê-los  nos bancos nos seguros na bolsa , nas grandes empresas...
O PS com Costa ou sem Costa é hoje a Esquerda da Direita e para os grandes senhores do dinheiro é um partido LOW COST , pois serve os seus interesses no essencial e é baratinho....
Assim quando PSD e CDS estão queimados o grande Capital diz alto e bom som : venha o partido Low Cost , agora... é este que nos serve !

5 de novembro de 2014

Que taxa de desemprego ?


Nota sobre Inquérito ao Emprego do 3º trimestre de 2014

Os dados hoje divulgados pelo INE não permitem a leitura optimista que Governo e partidos da maioria têm vindo a fazer, sobre a evolução do emprego e do desemprego nos últimos trimestres. Bom seria que assim fosse!
Continua a não se verificar consonância entre a redução do desemprego e a evolução do emprego. Os inquéritos trimestrais ao emprego realizados pelo INE, mostram o desemprego a baixar, o emprego a crescer a um ritmo bem inferior e a emigração a ser a principal válvula de escape do mercado de trabalho. A verdade nua e crua é que o emprego não só não cresce por forma a conseguir absorver a redução do desemprego, como o crescimento do emprego resulta na sua quase totalidade da colocação de trabalhadores desempregados em estágios e cursos de formação pagos pelo Estado, através das chamadas políticas activas de emprego, onde o Governo enterra centenas e centenas de milhões de euros. A economia e em particular os seus sectores produtivos continuam a não criar ou a criar muito poucos empregos.
Algumas notas sobre os resultados hoje divulgados pelo INE:
1. Não há correspondência entre a redução do número de desempregados e o número de empregos criados entre os terceiros trimestres de 2013 e 2014. Enquanto o desemprego se reduziu em 130 100, a criação líquida de emprego foi de 95 700, ou seja, 34 400 trabalhadores portugueses deixaram de ser considerados desempregados, mas nem por isso encontraram emprego. Como neste período, também de acordo com o INE, a população residente com idade entre os 25 e os 44 anos baixou em 61 800, não é difícil perceber que a esmagadora maioria destes trabalhadores terá emigrado. Se assim não fosse, eles manter-se-iam desempregados e o desemprego subiria para pelo menos 13,8%.
2. Por outro lado a taxa de desemprego calculada pelo INE não é imune aos chamados ocupados do IEFP (trabalhadores desempregados em estágios e cursos de formação), a que este Governo tem recorrido como nenhum antes. Só no 3º trimestre deste ano eram 155 429 os trabalhadores nesta situação,
mais 43.509 trabalhadores que há um ano. Se não se subtraíssem das estatísticas do desemprego estes e aqueles que deixaram de ser desempregados mas que não encontraram emprego, isso bastaria para que a taxa de desemprego fosse já de 16,7%.
3. O que estes dados não deixam de demonstrar é que a taxa de desemprego jovem é de 32,2%, que o trabalho precário representa 29,3% do trabalho por conta de outrem, que há 302 300 inactivos disponíveis para trabalhar mas que não estão no mercado de trabalho, que há 232 100 trabalhadores que não conseguem um trabalho a tempo completo e são obrigados a trabalhar a tempo parcial, que há 624 100 trabalhadores isolados a trabalhar a recibo verde e que a esmagadora maioria do emprego criado é precário (+ 17% em termos homólogos) e de salários muito baixos. Por todas estas razões a taxa de desemprego real é ainda muito superior aos 13,1% agora apresentados e atinge de acordo com estes dados os 22,0%. Ou seja, cerca de 1 223 300 trabalhadores estavam efectivamente desempregados no 3º trimestre de 2014, o que constitui um autêntico flagelo nacional, que a manipulação e propaganda deste Governo não consegue apagar.
4. Um desenvolvimento económico sustentado capaz de dinamizar um mercado interno e de criar emprego qualificado e com direitos é, do nosso ponto de vista, incompatível com a nefasta acção deste Governo e com uma política subordinada aos critérios da troika e da actual união europeia.
CAE, 5 de Novembro de 2014
José Alberto Lourenço