Trump está no meio de um conflito existencial, tem uma frente inimiga doméstica resoluta, mergulhada na ideologia do "estado profundo" centrada na preservação do poder global dos EUA em vez de transformar a economia.
A questão não é só a política externa, mas como reequilibrar estruturalmente um sistema económico disfuncional. Trump sempre deixou claro que esse é o seu objetivo geral. A sua coligação de apoiantes está fixada na necessidade de reviver a base industrial dos Estados Unidos.
Um perigo extremo o espera – e não apenas do "estado profundo" e do lobby de Israel - a bomba da dívida deixada por Biden é a ameaça mais existencial. A dívida de curto prazo de mais de 9 milhões de milhões de dólares, prestes a expirar, precisa ser transferida para o longo prazo sem recorrer a taxas de juros altíssimas.
As divisões dentro da equipe de Trump manifestam-se nos detalhes: como reequilibrar a economia, como lidar com a "bomba da dívida" e até onde o DOGE precisa ir em seus cortes orçamentais. Isto agita uma falange de oponentes: os que beneficiaram amplamente da era da criação de dinheiro, aparentemente ilimitada; os que enriqueceram, precisamente pelas políticas que escravizaram a América à "bomba da dívida".
Para complicar ainda mais, dois dos elementos-chave do "reequilíbrio" e da "solução" da dívida de Trump: trata-se de desvalorizar "o dólar que você tem no bolso" e muitos perderão seus empregos. O "choque tarifário" teria a intenção de lançar uma reestruturação das relações comerciais internacionais – como um primeiro passo para um realinhamento geral dos valores das principais moedas. No entanto, a China não acreditou nessa "coisa" de tarifas e restrições comerciais, e as coisas rapidamente se agravaram. Pareceu por um momento que a "coligação" de Trump poderia ter-se fraturado sobre a pressão da crise no mercado de títulos e da crise tarifária que abalou a confiança.
Na verdade, a coligação manteve-se firme, os mercados se acalmaram, mas depois fraturou-se por causa de uma questão de política externa – a vontade de Trump de normalizar relações com a Rússia, em preparação para uma grande reinicialização global.
Os neoconservadores e apoiantes de Israel constituem uma das principais correntes da coligação de Trump (além dos populistas do MAGA). Por outras palavras, a coligação que Trump achava que precisava para vencer a eleição e reequilibrar a economia inclui dois pilares da política externa: primeiro, a redefinição com Moscovo – acabar com as "guerras eternas", odiadas pela base populista. O segundo pilar é a neutralização do Irão como potência militar e fonte de resistência, na qual os apoiantes de Israel insistem.
As aspirações de "pacificador" de Trump, sem dúvida, aumentaram seu apelo eleitoral, mas não foram a verdadeira força motriz por trás da sua vitória. O que ficou claro é que essas várias agendas – externa e doméstica – são interdependentes: um recuo numa ou noutra funciona como um dominó que empurra ou atrasa as outras agendas. Simplificando: Trump depende de "vitórias", mesmo que isso signifique correr em direção a uma potencial "vitória fácil" sem considerar a existência de uma estratégia sólida (e a capacidade) de lá chegar.
Acontece que os três objetivos da agenda de Trump são mais complicados do que ele esperava. Ele e sua equipe parecem cativados por preconceitos ocidentais como: a guerra geralmente acontece "lá fora"; a guerra na era pós-Guerra Fria não é, de fato, uma "guerra" no sentido tradicional de guerra total, mas sim a aplicação limitada de uma força ocidental esmagadora contra um inimigo incapaz de ameaçar da mesma maneira; e, finalmente, que o escopo e a duração de uma guerra são decididos por Washington e seu "gémeo" no "estado profundo", Londres.
Assim, aqueles que falam em acabar com a guerra na Ucrânia por meio de um cessar-fogo imposto unilateralmente (a fação de Walz, Rubio e Hegseth, liderada por Kellogg) parecem assumir alegremente que os termos e o momento do fim da guerra podem ser decididos em Washington e impostos a Moscovo por meio da aplicação limitada de pressões e ameaças assimétricas.
Assim como a China não adere aos "truques" das restrições tarifárias e comerciais, Putin também não adere aos "truques" do ultimato: ("Moscovo tem semanas, não meses, para concordar com um cessar-fogo"). Putin tentou explicar a Witkoff, o enviado de Trump, que a presunção americana de que o escopo e a duração de qualquer guerra dependem em principalmente do Ocidente não corresponde mais à realidade atual.
Fonte: Um "acordo Trump"? Malabarismo com a guerra, "guerra fácil" e negociação
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