16 de outubro de 2025

Agora que a poeira começa a ...Três textos que vale a pena ler

1) De Emídio Ribeiro.

Como verifico tanto argumento falso, seja por desconhecimento ou por manifesta má fé na análise dos resultados eleitorais da CDU vou voltar pela última vez a este assunto. Coloquei na postagem  anterior um mapa com os resultados eleitorais na cidade de Lisboa, onde na minha opinião é fácil verificar que a derrota da A. Leitão nada teve a ver com a CDU e que a treta "voto útil" só serviu para por 12 votos(!!!) a CDU perder um vereador para o Chega. Aos que a cegueira não permite fazer contas, eu resumo-as acrescentando um outro dado, assim: Coligação Moedas teve mais 17.185 votos que nas anteriores, Coligação A. Leitão teve menos 12.460 votos, João Ferreira/CDU teve mais 1.249 votos, estas votações foram para a Câmara. Para a Ass. Municipal a CDU teve 30.087 votos, ou seja, mais 3.318 votos que para a Câmara(!!) só por má fé se pode dizer que não houve voto útil e que a A.Leitão perdeu por causa do  João Ferreira. 
. A talhe de foice para aqueles que dizem foi uma hecatombe o resultado da CDU, lembro-lhes que as eleições Legislativas foram há 5 meses. A CDU sempre teve resultados ligeiramente melhores nas autárquicas, mas tal como o que se passa com os outros partidos, em geral os resultados das legislativas e autárquicas, salvo raras excepções, são relativamente semelhantes. Nas recentes Legislativas a CDU, como todos se lembram, e nos lembram, teve um péssimo resultado 183,741 votos (2,91%), agora teve 344.248 votos (6,24%). Perdeu 7 Câmaras. É verdade. Foi Mau, mesmo tendo dobrado a votação em relação há 5 meses. Foi uma hecatombe dizem! E o que dizer do Chega que de cerca de 1.400.000 votos ficou com 700.000, e da IL que ficou com 1/3 dos votos, e do PAN, BE, Livre que ficaram com resultados residuais. Chamar hecatombe a isto não seria mais correcto?. Se não fosse acusado de transformar derrotas em vitórias, até diria que face a este panorama até não foi tão mau como isso.
Mais uma vez é bom lembrar que as tv´s e C.ia são pagas para desinformar. Não há almoços de borla.

2 De Hugo Ferreira .
 Não é que tenha sido inventado por Daniel Oliveira, nem é propriamente um fenómeno recente. A análise, séria e rigorosa, dos resultados conta pouco, aliás, cada vez menos. O que importa verdadeiramente é conseguir que a narrativa sobre os resultados que nos é mais conveniente se torne hegemónica e se converta num senso comum replicado pela maioria. Este artigo de Daniel Oliveira é um exemplo esforçado desse modus operandi (ou será modus vivendi?).

As perdas eleitorais da CDU eram previsíveis, como, aliás, os resultados globais de todos os partidos o eram. Regra geral, as tendências confirmaram-se, mas, no caso da CDU, pese embora os resultados sejam globalmente negativos, não atingiram as proporções apocalípticas sugeridas, por exemplo, pelo Expresso, que não colocava de parte a possibilidade de a CDU perder todas presidências de câmara. 

Há, no entanto, um elemento que fere de morte a estrutura argumentativa de Daniel Oliveira: os resultados no concelho de Lisboa. Em boa verdade, percebemos que, fossem quais fossem os resultados em Lisboa, este artigo seria exactamente o mesmo. Os epítetos seriam os habituais (e já gastos), as citações, pensadas há muito, já estavam anotadas e as comparações incomparáveis com 1989 seriam mobilizadas com a mesma selectividade factual de sempre.

Mas os resultados, mais do que as narrativas que sobre eles incidem, contam. E este artigo escamoteia deliberadamente um facto fundamental sobre os resultados: em 2025, num contexto de redução da abstenção, a coligação liderada pelo PS teve menos votos do que a soma dos votos da coligação PS-L, do BE e do PAN, em 2021. Mais: em 2025, a coligação liderada pelo PS foi a única a perder votos de entre as principais candidaturas à Câmara Municipal de Lisboa. 

E que conclusão podemos extrair destes factos? 

A coligação liderada pelo PS mobilizou apenas as respetivas bolhas partidárias, do comentariado e do jet set, não conseguindo entusiasmar as bases eleitorais dos partidos que a compunham, nem alargar-se a independentes.

E porquê?

Porque, em política, há somas que subtraem. Porque uma coligação mobilizadora se faz em torno de um projecto político e não apenas de um projecto de poder. Porque uma avaliação crítica sobre a gestão camarária do PS vale mais do que uma oferta de um lugar na Vice-Presidência da Câmara.

Não tem, pois, qualquer suporte factual a tese segundo a qual a reeleição de Carlos Moedas se ficou a dever à ausência da CDU da coligação liderada pelo PS. Está por demonstrar que essa grande coligação, a existir, tivesse os mesmos ou mais votos do que tiveram separadas. Aliás, os dados da coligação PS, Livre, BE e PAN apontam em sentido contrário. 

A culpa é da geringonça?

Certamente, a romantização que Daniel Oliveira e outros correligionários fazem da geringonça é um problema. Porquê? Porque está dissociada da realidade. Não gera o entusiasmo popular, nem o saudosismo que os seus defensores indefetíveis gostavam que gerasse. Não chegou sequer a ser “um sonho lindo que já passou”. Foi importante em muito do que era circunstancial e acessório, mas falhou em tudo que era essencial e estrutural. E, também por isso, as classes populares se foram virando, gradualmente, para o outro lado em busca das respostas que não encontraram à esquerda.

Claro que a responsabilidade não é todos, muito menos em igual proporção. Mas a geringonça ensina-nos que uma solução de governo não é, necessariamente, um projecto político mobilizador e transformador (reformador, se preferirem). Pelo contrário.

O que tem isto que ver com as eleições autárquicas em Lisboa? Tudo.

3 ) De Zé Neves.
Hesito em continuar a discussão sobre os resultados eleitorais de Lisboa. A agressividade entre quem votou na candidatura do PS e quem votou na candidatura da CDU recomendaria que o não fizesse. Mas a discussão é importante para o futuro. E também eu vou tentar manter um tom cordato. Começo pela questão da aritmética. Obedecendo a esta, há quem conclua que uma coligação entre o PS e o PCP teria derrotado Moedas, uma vez que a soma dos votos em Leitão e em Ferreira a tal conduziria. Isto é tudo menos certo. Todos nós somos mais do que as partes de uma soma e a dinâmica política não é uma experiência laboratorial. O desenvolvimento da própria dinâmica afeta e modifica os componentes e dados de partida. 

Deixo dois grãos de areia na engrenagem aritmética. Primeiro, uma aliança entre PCP e PS teria provavelmente implicado uma aliança entre o Chega e o PSD. Teria certamente significado que o voto útil à direita seria ainda maior (veja-se a diferença de votos do Chega para a presidência da câmara e para a assembleia municipal). Segundo, a votação que a CDU obteve deve-se menos à disciplina partidária dos seus eleitores do que ao facto de a sua campanha se ter orientado pelo apelo a uma alternativa estrutural ao estado da cidade, alternativa essa que implicou criticar Moedas, mas também criticar a Lisboa de Costa-Medina-Salgado. Uma candidatura liderada pelo PS, por mais que o quisesse (e não quis), não o teria podido fazer (não o fez). Seria porventura diferente uma candidatura de esquerda liderada por um independente de esquerda, e até havia um ou outro nome interessante no horizonte, mas o PS e o seu aparelho jamais admitiriam tal hipótese.  

O que é que tudo isto interessa para o futuro? É que a única esquerda que cresceu eleitoralmente em Lisboa foi a que teve o discurso mais crítico e ousado sobre o estado da cidade. É verdade que foi um discurso a um tempo crítico e propositivo, ousado e informado, mas certamente crítico e ousado. Qualquer discussão sobre frentes de esquerda que prescinda do sentido crítico e da ousadia que João Ferreira soube exemplarmente exprimir está provavelmente condenada a não resultar e, diria eu, não vale a pena sequer o esforço cívico ou militante de a tentarmos construir. Se é simplesmente para ganharem "os nossos", chamem-se Lourosa ou Associação Recreativa da Esquerda Unida, vamos mas é todos ao futebol.
 
Não quer isto dizer, é claro, que o sentido crítico seja suficiente, mas vale a pena ver o que ele conseguiu nesta campanha: num cenário de retração generalizada do voto comunista, que não é de hoje e que não vai ser revertido tão cedo, soube criar pontes entre a esquerda e outro eleitorado (e eu diria que de várias proveniências político-partidárias) e isso é uma boa notícia para os comunistas, mas também para a esquerda e para a democracia. 

Permitam-me, finalmente, uma palavra mais acintosa, a contrariar o tom cordato. Tenho lido ataques à candidatura da CDU que são estúpidos, nomeadamente dirigidos ao João Ferreira, que teria imposto o seu brilhantismo individual ao interesse geral da esquerda. Tenho um comentário a fazer a isto: o João Ferreira terá certamente o seu brio, mas, se a esquerda é uma feira de vaidades, não é certamente devido ao João Ferreira, a quem agradeço a entrega e o voluntarismo que - é uma lapalissada comunista mas vale ouro - foi o de todo um coletivo.


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