2 de novembro de 2025

O colapso da diplomacia dos EUA

 Steve Witkoff, apresentou em Moscovo uma proposta dos EUA. Putin considerou a proposta aceitável como base para negociações sobre o conflito na Ucrânia. No Alasca Trump hesitou e disse que precisava consultar Washington e seus aliados europeus antes de responder. Lavrov disse, ironizando, que Moscovo “esperava uma resposta americana a uma proposta americana”.

Trump mudou a posição sobre haver um acordo de paz amplo, e não apenas um cessar-fogo, ser necessário para acabar com o conflito, para depois exigir um cessar-fogo completo. Ao mesmo tempo, aprovou sanções económicas contra duas grandes empresas petrolíferas russas, a Rosneft e a Lukoil, um ato hostil para Moscovo.

Esses acontecimentos sinalizam uma desintegração institucional. Uma superpotência mostra-se incapaz de definir agendas, executar acordos e cambaleia de crise em crise por meio de intermediários sem mandato. A política externa de Trump transformou-se em fanfarronice, sanções e intimidação, desprovida de clareza estratégica, continuidade ou respeito pela diplomacia como uma arte disciplinada.

O declínio é gritante. A abordagem de Trump é caracterizada por desordem, contradições e políticas conduzidas por confidentes pessoais. Witkoff, é um investidor imobiliário sem experiência diplomática. A proposta de Witkoff, era uma retirada ucraniana de Donetsk em troca do congelamento dos combates ao longo das linhas atuais em Zaporizhzhia e Kherson, concreta o suficiente para que Putin a aceitasse como base para negociações, embora não tenha havido confirmação oficial do lado russo sobre o que Putin aceitou antes da reunião no Alasca.

A mensagem para Moscovo e para o mundo foi clara: os Estados Unidos não falam mais a uma só voz. Um emissário entrega propostas que o presidente não assumirá. O Departamento de Estado marginalizado não desempenha nenhum papel visível. Confusão e paralisia são a antítese da diplomacia.

Mesmo com objetivos controversos e mesmo condenáveis os EUA mantinham uma coerência interna. Agora a coerência deu lugar à improvisação, oscilações entre o isolacionismo e a bravata militarizada, declarações de paz acompanhadas de ameaças de aniquilação. As propostas são apresentadas, retiradas e negadas.

A decadência do Departamento de Estado é evidente. Diplomatas de carreira com experiência foram marginalizados ou expulsos, a formulação de políticas migrou para o Conselho de Segurança Nacional ou para o círculo pessoal do presidente. O corpo diplomático foi reduzido à irrelevância burocrática.

Com Hillary Clinton, o intervencionismo, visível na Líbia, mostrou que Washington preferia a mudança de regime pela força a negociações, corroendo a confiança nas promessas dos EUA e no planeamento pós-guerra. Com Antony Blinken, mudou-se ainda mais da negociação para a punição, implicando sanções, retórica moralizante sobre “valores” sem saídas exequíveis e mensagens que alienaram grande parte do Sul Global. Marco Rubio simboliza priorizar a escalada de ferramentas coercivas em detrimento da diplomacia, estreitando o espaço político para negociações.

O Irão foi bombardeado, líderes políticos do Hamas foram mortos no Catar, Rússia objeto de sanções, tudo isto enquanto decorriam ou se perspetivam negociações. Quanto às sanções, punem sem resolver e alienam sem convencer. Seu uso excessivo exibe o esgotamento não só da imaginação, mas da impotência estratégica.

O efeito é uma mistura de incompetência, arrogância e belicismo que causou mais danos à credibilidade e ao prestígio dos Estados Unidos do que qualquer outro erro. Os aliados duvidam do julgamento dos EUA, os Estados não alinhados duvidam de sua neutralidade e os adversários desconsideram seus apelos ou ameaças.

A incoerência dos EUA abre espaço para Rússia, China, Índia e Irão se expandirem diplomaticamente enquanto Washington improvisa. Os aliados na Europa procuram uma “autonomia estratégica” - sem direção nem sentido - os BRICS desafiam o dólar e os fóruns asiáticos são uma resposta à falta de confiança nos EUA.

O recente cancelamento da cúpula de Budapeste ressalta a relutância de Washington e sua aparente incapacidade, em fazer o trabalho de base que cimeiras sérias exigem. A abordagem ad hoc de hoje reduz as cimeiras a um teatro. A abortada reunião de Budapeste é a prova do colapso mais amplo do processo diplomático, demonstrando que os EUA não estão equipados para negociar.

Putin após o cancelamento da cimeira, disse que o trabalho preparatório para qualquer reunião de chefes de Estado deve ser minucioso para que resultados substanciais possam ser alcançados; caso contrário, tais encontros são uma perda de tempo.

Cancelar Budapeste não apenas desperdiçou uma oportunidade, corroeu ativamente a limitada arquitetura de pacificação que ainda existia. O que antes se baseava na preparação, nas instituições e na previsão tornou-se teatro. A tragédia, para os EUA e "aliados" (vassalos) é que o problema transcende esta administração.

Fonte: https://substack.com/home/post/p-177389990

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