João Gomes
OS INCOMPETENTES COMENTADORES RUSSÓFOBOS
Durante
quase quatro anos, os comentadores portugueses - aqueles mesmos que
aparecem religiosamente entre as oito e as onze da noite, com gravata
escolhida a dedo e uma “expertise” que ninguém sabe bem de onde veio -
garantiram-nos que a Rússia estava em colapso iminente, que a Ucrânia
desfilava rumo à vitória e que Zelensky era, basicamente, uma mistura de
Churchill com Mandela, mas com t-shirt verde.
E
nós, humildes espectadores, assistimos dia após dia a esta catedral de
certezas: que o exército russo estava prestes a desertar, que Putin
governava um país em ruínas, que a NATO jamais vacilaria, e que a
Ucrânia . oh, doce Ucrânia . estava apenas a preparar o ataque final
que, a julgar pelas descrições, faria Napoleão corar de inveja.
Mas eis que, de repente, cai a máscara.
A
notícia de que o “braço direito” de Zelensky pediu a demissão devido a
suspeitas de corrupção deixou os nossos comentadores numa espécie de
torpor existencial.
A
expressão deles não engana: é a mesma de um aluno que estudou por
apontamentos errados e descobre, no dia do exame, que a matéria afinal
não era “propaganda geopolítica para totós”.
A seguir, chega a bomba:
Trump prepara-se para reconhecer o Donbass e a Crimeia como territórios russos.
As câmaras apanharam tudo - o engolir em seco, o piscar de olhos acelerado, o rearranjar da coluna vertebral.
O
comentário habitual, outrora robusto e cheio de testosterona
atlântico-centrada, tornou-se um lamento quase poético: Isto muda tudo… É
preocupante…Quem diria que a realidade era afinal… real?
Quem diria, de facto.
Aqueles
que nos garantiram durante anos que “a Rússia vai perder amanhã”, agora
declaram com um ar de funeral que “é preciso repensar estratégias.” Os
mesmos que juravam que Zelensky era o líder mais íntegro da Europa
descobrem, num súbito ato de revelação divina, que afinal a Ucrânia
sempre teve um pequeno problema chamado… corrupção sistémica. Pequeno,
claro, do tamanho de cinco ou seis ministérios inteiros.
E
é aqui que começa a verdadeira ironia: Depois de quatro anos a fabricar
análises que fariam corar um aluno de geopolítica do 1.º semestre, os
comentadores televisivos autoproclamados especialistas estão agora a
olhar para o ecrã como crianças a quem tiraram o brinquedo novo.
Resta-lhes o pião de madeira - aquele objeto humilde que não precisa de
baterias, guerras por procuração ou delírios narrativos.
O
pião e a corda. A única ferramenta que lhes sobra para tentar girar a
narrativa estilhaçada, como quem tenta animar um cadáver discursivo. E
há, de facto, algo quase comovente nesta súbita “conversão”: os mesmos
que chamavam “putinistas”, “extremistas” ou “inocentes úteis” a quem
ousasse questionar a narrativa oficial, agora dizem - com ar muito sério
- que o Ocidente talvez tenha “interpretado mal a realidade no
terreno”.
Oh, brilhantes profetas. A crónica da
guerra sempre foi mais complexa do que o conto de fadas que nos
venderam. A Rússia não colapsou. A Ucrânia não era uma democracia
nórdica enxertada em terra eslava. O apoio ocidental não era infinito. E
Zelensky não governava um país-modelo, mas sim um Estado capturado por
oligarquias, interesses privados e redes de corrupção que vêm desde
1991. Nada disto era propriamente segredo. Era apenas inconveniente.
Agora,
confrontados com uma viragem real - e não a desejada - os comentadores
tentam reinventar-se em direto. Não é bonito de ver, mas é revelador:
quando a narrativa cai, não sobra análise; sobra desconforto. E talvez -
só talvez - um pouco de vergonha.
Mas não
esperemos milagres. Dentro de dias, os “incompetentes comentadores
russófobos” voltarão com novas certezas, novos slogans, novas ficções
polidas. Afinal, a televisão precisa de ruído. E eles precisam de
trabalho. A realidade? Essa, como sempre, fica para quem a quer ver.
João Gomes
Sem comentários:
Enviar um comentário