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13 de dezembro de 2025

A esquerda e os valores europeus

Em debates para a eleição do PR transpareceu que os "valores europeus" dividem a esquerda ou o que é considerado como tal. A questão não é clara, porque afinal quais são os "valores europeus"? Pode ser "oportuno" e ficar bem visto na fotografia do sistema atual, mas varre-se para debaixo do tapete o colonialismo, o neocolonialismo - que prossegue tanto quanto possível - e a participação em guerras de agressão imperialista por todo o mundo.

Um dos objetivos da antecedente CEE era a manutenção de relações pacíficas entre todos os Estados Europeus, mas isto morreu na Jugoslávia e na sabotagem a todos os acordos sobre a Ucrânia, aplaudindo o golpe Maidan em 2014, que levaria a Ucrânia para a NATO e na sua sequência os Acordos de Minsk. Em 2022, a ex-Chanceler Angela Merkel, uma das mediadoras do acordo, afirmou que esses Acordos foram apenas "uma tentativa de dar tempo à Ucrânia” para fortalecer o seu exército.

A RSS Ucraniana em 1991, com uma população de 0,8% dos habitantes do mundo, produzia 5% da produção mundial. Hoje, a Ucrânia graças aos "valores europeus" caminha para se tornar um dos países mais pobre do mundo.

Os valores atuais da UE são principalmente uma escalada belicista que desvia milhares de milhões para armamento, contrariando as possibilidades de negociações para pôr fim à guerra na Ucrânia, ameaçando o desencadear de um conflito que pode atingir proporções globais.

Há a "solidariedade europeia", mas como comprovado a solidariedade europeia é com a finança, não com os povos. Os valores europeus ficaram evidentes na Grécia com o Syriza: "Desde o primeiro dia do governo Syriza, as instituições europeias não tiveram outro projeto senão garantir que ele caía, como uma punição exemplar que o transformasse numa lição a ser considerada por qualquer governo que tivesse a ideia de simplesmente não capitular, apagando qualquer vestígio de mudança autêntica de poder na Europa" (Frédéric Lordon). Em Portugal, quando o PS fez acordos com o PCP e o BE, a CE tentou aplicar sanções por motivos que vinham aliás do governo da troika (FMI, CE, BCE), isto é, dos próprios.

Os valores da UE foram desde a antecedente CEE definidos pelo liberalismo, em termos atuais o neoliberalismo e a sua "democracia liberal". Certa esquerda preocupada em mostrar a recusa do "estatismo" (o que quer que isto seja) aceita a "democracia liberal", para além de críticas pontuais dentro do sistema. Mas a "democracia liberal" é o domínio das oligarquias em que a democracia é apenas aquela que os trabalhadores conseguirem manter com suas lutas.

Frederic Lordon, um marxista francês, disse que a esquerda se definia pela sua posição relativamente ao sistema financeiro. Isto é: quem controla? A menos que a esquerda se demarque do papel de "leal conselheiro" do bom liberalismo, por mais bonitas que sejam as frases são oxímoros e confusão.

As ilusões europeístas são a forma dos países mais poderosos dominarem os demais, servindo-se do federalismo. Defender os valores europeus pode ser muito "livre", mas são incompatíveis com os desejos de "expansão da soberania e criação de uma democracia transnacional (?!) desenvolvimento do direito internacional e defesa dos direitos humanos."

Do alto da sua arrogância a CE pretende sobrepor-se à determinação dos povos, defendendo um mundo maniqueísta guiado pelas teses dos neocons dos EUA. Qual a posição da CE perante os BRICS? Onde ficam os valores europeus face ao massacre de palestinos em Gaza e ao terror instituído na Cisjordânia?

Será que invocar "valores europeus" não é uma forma de se demarcar do marxismo? O marxismo tem raiz europeia por se aplicar à forma de produção vigente, mas é um valor universal de humanismo e como tal foi assumido por povos em todos os continentes. Valores com raiz no que os materialistas gregos, Espinosa, o iluminismo, foram legando.

Com o argumento de "civilizar" e "democratizar" outros povos, os valores europeus têm sido um disfarce para mais exploração mais opressão. Temos agora o caso da Venezuela, um país em que "a ação governativa ou estatal é crucial na criação de uma economia mista, em geral com três setores (privado, público e associativo/cooperativo)",  porém posto no index pelo império, certa esquerda (que defende aqueles princípios) acha que Maduro deve ser demitido pois é um ditador. Elementos de prova: apenas o que a propaganda controlada direta ou indiretamente pela CIA diz.

A UE no seu indisfarçável declínio, oscila entre um imaginário de "valores" e o belicismo. Compete à esquerda não se deixar embalar pelas ilusões da propaganda. Se há alguma coisa que a esquerda deve considerar numa via de unidade é a na alternativa de substituir conceitos e práticas falhadas para os povos, que levaram e levam a Europa a um inexorável declínio.




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