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18 de janeiro de 2016

Opcões

As actuais políticas na União Europeia são-nos apresentadas como as únicas correctas e possíveis.
Mas, se é assim, porque razão a União Europeia, apesar das baixas taxas de juro, do preço do petróleo e da desvalorização do euro, continua com taxas de crescimento anémicas, e com taxas de desemprego elevadíssimas?
As políticas ditas de austeridade, em que tudo se subordina ao défice orçamental, são, no essencial, políticas de concentração de riqueza. São políticas que impulsionam a centralização e concentração de capitais, a venda ao desbarato de património público e acentuam as desigualdades, como a realidade o comprova.
Vejamos o caso do sistema financeiro.
Hoje já é evidente, ou largamente aceite, que o aumento da dívida pública, que se verificou a partir de 2008, não foi por «despesismo», não foi porque os Estados tivessem aumentado os gastos com a saúde, com a ciência e a investigação, com os vencimentos dos trabalhadores da função pública, mas, no essencial, porque estiveram e têm estado, ao longo destes anos, directa e indirectamente, a transferir recursos públicos para a capitalização e desendividamento do sistema bancário, à custa dos «contribuintes».
Reconhece-se que o sistema bancário procedeu a práticas fraudulentas, que mascarou balanços, que esteve no epicentro da crise. Reconhece-se que, à excepção dos aumentos de capital, a regulamentação bancária continua ou a ser adiada ou a ser contornada, mantendo-se, no essencial, as mesmas práticas que os desacreditados stress tests, só confirmam. Tal como o aumento exponencial da banca sombra e dos produtos derivados, combustível de propagação explosiva através dos ditos bancos sistémicos. Reconhece-se tudo isto mas não se quer dar o passo de nacionalizar, com a participação dos trabalhadores, ou controlar a banca comercial, que cria moeda que é um bem público e que devia estar ao serviço da comunidade e não da acumulação de meia dúzia de famílias de banqueiros e grandes accionistas.
Esta é, na nossa opinião, uma primeira medida, a avançar, mesmo sem pôr em causa o actual sistema económico, a não ser que se queira continuar com a subordinação do poder político ao poder financeiro parasitário, à espera da próxima crise.
A dívida pública é, para vários países da União Europeia, insustentável, é um autêntico garrote que trava o desenvolvimento e pressiona o desmantelamento do «Estado social» e as privatizações de empresas e de serviços públicos.
Creio que é uma evidência que se as medidas de quantitativ easing tivessem sido logo tomadas quando se iniciou a especulação, as dívidas públicas de Portugal, Grécia, Espanha, Irlanda e outros países seriam hoje bem menores, independentemente do que se possa pensar destas politicas 
Não se avançou com o quantitativ easing porque houve países que, por razões eleitoralistas, e não só – como foi o caso da Alemanha – se opuseram e só o vieram a aceitar quando o euro corria o risco de implodir e a deflação era já uma ameaça séria. Durante este significativo período de tempo as dívidas públicas de países como Portugal, Grécia e outros, foram objecto de uma especulação desenfreada. Os juros atingiram níveis nunca vistos, repercutindo-se cumulativamente no aumento da dívida.
Pode fazer-se uma estimativa de quanto os países que foram sujeitos à especulação teriam poupado se a decisão do Sr. Draghi, «de tudo fazer para salvar o euro», tivesse sido tomada na altura pelo Sr. Trichet.
Mas, então, deverão ser os povos e os trabalhadores dos países que viram as suas dívidas públicas sujeitas a especulações, a pagarem com os seus salários, reformas e pensões, com a degradação da escola pública, do serviço público de saúde, os custos do serviço de uma dívida, porque politicamente o Banco Central Europeu (BCE) e alguns países não quiseram que se matasse a especulação no ovo?

O BCE e as instituições europeias são também responsáveis por decisões arbitrárias quanto à resolução de bancos falidos com enormes custos para os Estados e, portanto, para os contribuintes, como aconteceu,recentemente, em Portugal com o caso BANIF, em que foi recusada a inclusão deste banco na esfera de um banco público.
O ex-conselheiro de Durão Barroso, Philippe Legrain, afirmou, num jornal português (Público, 11 de Maio de 2014) que «os governos puseram os interesses dos bancos à frente do interesse dos cidadãos», e que os resgates a Portugal e à Grécia foram sobretudo «resgates disfarçados aos bancos alemães e franceses«!
O BCE, a Comissão e os países do Directório das grandes potências não podem continuar a fazer de conta que não têm responsabilidades sobre o que se passou, designadamente no período que decorreu entre o início da especulação até à tomada de medidas pelo Sr. Draghi.
Na nossa opinião, a resolução das dívidas públicas tem de ser encarada de frente, e resolvida, se se quer evitar novas crises e o aumento das desigualdades entre países.
Os proclamados princípios da «solidariedade», da «coesão económica e social», do «nivelamento por cima», mostraram na prática que não passaram de adornos de discursos de circunstância.
Mesmo no auge da crise, o BCE, sustentado nos seus estatutos, foi o único banco central que não financiou directamente os Estados. O financiamento assimétrico, isto é, o financiamento indirecto por intermédio da banca, traduziu-se, e continua a traduzir-se, em elevados custos orçamentais pagos pelos contribuintes. Isto é inaceitável.
Argumenta-se que este é um problema muito sensível para a Alemanha, pelo seu trauma histórico com a inflação. Será. Mas a verdade é que taxas de inflação demasiado baixas em países desenvolvidos, dão muito jeito às classes dominantes, pois transferem para o capital um volumoso «rendimento» e facilitam as políticas ditas de conciliação de classes, a «paz social», já que a punção nos salários é muito mais imperceptível do que com taxas de inflação elevadas.
Mas, seja como for, um banco central pode financiar directamente os Estados e manter controlada a inflação com critérios específicos.
O que não faz sentido é os Estados ficarem nas mãos dos ditos «mercados». É colocar a raposa no galinheiro.
Na nossa opinião, é praticamente impossível, para países que atingiram uma elevada dívida pública, conseguirem taxas significativas de crescimento económico e social e a manutenção do Estado social, com os garrotes do serviço da dívida, do Tratado Orçamental, de um euro valorizado, em relação à estrutura produtiva e à produtividade de muitas economias da União Europeia.
A exigência de défices inferiores a 3%, e praticamente nulos, não tem qualquer racionalidade ou sustentação na teoria económica, embora estejamos convencidos que tal só virá a ser reconhecido quando alguém das instituições europeias o vier afirmar, tal como aconteceu com os critérios de Maastricht, que vieram a ser classificados de estúpidos por um comissário europeu.
Do que se trata é de consagrar a «austeridade permanente», a desvalorização dos salários e o aumento da procura interna pelo endividamento das famílias, como política da União Europeia e instituir a arbitrariedade na análise das políticas nacionais. Uma política para os países que pesam, como se vê no caso da França, e outra para os pequenos países, sobretudo para os submissos e ditos «bons alunos».
Pode fazer-se como a avestruz, ou pensar nas fugas para a frente, acentuando o federalismo, mas, na nossa opinião, são apenas ilusões que poderão ganhar tempo, mas que acabarão por semear novas tempestades. É certo, por exemplo, que a União Europeia avançou no federalismo e que os países e as classes que dele beneficiaram nem sequer o quiseram pagar, através de um «Orçamento Comunitário» que procedesse a alguma compensação em relação aos países e regiões mais desfavorecidos, o que teria sido justo. Pelo contrário, o Orçamento ainda foi reduzido. Mas também seria uma ilusão pensar que é através do aprofundamento do federalismo e de um orçamento mais robusto, ou de uma pseudo «União Política» que se resolvem os problemas ou se superam as contradições em que esta União Europeia está envolvida.
Creio que há algumas grandes questões que exigem opções claras e urgentes: deve continuar-se com as imposições supra-nacionais e o domínio do «Directório das Grandes Potências», ou tomar a opção por uma Europa de cooperação entre Estados soberanos, livres e iguais em direitos; deve manter-se tudo como está em relação às dívidas públicas ou avançar na sua resolução em relação aos países mais endividados através, designadamente, de uma renegociação que inclua prazos, juros e montantes; deve continuar-se com um euro com igual cotação para economias extremamente diferenciadas, ou encarar soluções, mesmo dentro do sistema, como por exemplo a proposta de uma moeda comum; deve continuar-se com uma política de investimentos (estilo Junker) ao serviço dos grandes grupos económicos e dos países com maior capacidade orçamental, ou com um plano de investimento que dinamize as pequenas e médias empresas, a criação de emprego e a coesão económica e social. Qual a opção: continuar com as políticas desreguladoras e liberalizadoras do comércio mundial, ou tomar medidas face a exportações agressivas com base no dumping social oriundas de países terceiros; continuar com as políticas ditas de desvalorização interna, redução dos salários, com a subutilização das capacidades produtivas europeias e com cada país a tentar sair da crise pelas exportações, ou com uma política de aumento generalizado dos salários e de despesas sociais em toda a União Europeia e de forma mais elevada nos países excedentários; continuar com a liquidação de direitos laborais e a desregulação, ou com a valorização e dignificação do trabalho e a perspectiva da redução generalizada dos tempos de trabalho, dando resposta aos anseios da juventude e combatendo, também desta forma o envelhecimento das nossas sociedades. Devemos continuar com a ficção do princípio da concorrência livre e não falseada e com o espartilho de um Tratado Orçamental, sobretudo para os pequenos países, ou levar à prática uma política de efectiva coesão económica e social e de solidariedade entre Estados; continuar com as políticas de hipocrisia e do salve-se quem puder, ou efectivar uma política de imigração humanista e realista, juntamente com a cooperação e a ajuda em relação aos países de origem; continuar com políticas imperialistas, de ingerência, invasão e rapina de recursos, a velha política de canhoneira agora rebaptizada de intervenção humanitária ou de defesa dos direitos humanos, ou desenvolver com os países terceiros políticas mutuamente vantajosas, com respeito pela independência e soberania de cada Estado?

Estas algumas opções, sem preocupação de ordenação, que deixamos à vossa consideração para se dar resposta à «crise existencial» da integração europeia, e ao descrédito quanto à sua utilidade para promover o progresso social, a defesa do ambiente e o bem estar dos povos.
CC

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