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21 de setembro de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO –30 - ÉTICA - I

Ética define-se como a disciplina da filosofia que se debruça sobre os princípios ou valores que devem conduzir a vida quotidiana; o termo “moral” caracteriza os costumes, as práticas sociais, os comportamentos individuais que decorrem dos princípios ou valores.
Podemos também referir o critério "moralista", isto é, verbalista feito de exclusão e discriminação que é sobretudo repressivo, condenatório e que se integra normalmente nos objectivos dos que pretendem impor um poder social sobre os demais.
A questão é: que forças e que ideologia que determinam os fundamentos éticos. O capitalismo assume-se como o sistema que corresponde à “natureza humana”. Trata-se de um postulado arbitrário, que se pretende assumir como científico, quando não passa de especulação metafísica ou apenas retórica para camuflar o facto de se pretender a defesa dos direitos humanos e a satisfação das necessidades sociais, ao mesmo tempo que se aceita como princípio absoluto a maximização do lucro.
Trata-se de uma contradição irresolúvel. A concretização de direitos e a satisfação de necessidades sociais só puderam ser defendidos e contemplados lutando, limitando, cerceando o poder do capital e dos capitalistas, tal está patente na História dos povos, tal é evidente nos dias de hoje.
Os defensores do sistema e das suas leis afirmam que o desenvolvimento capitalista aumenta a disponibilidade de determinados bens, porém um destes bens é o trabalho humano. O aumento da disponibilidade da força de trabalho tem resultado não em benefício dos próprios – aumento do nível de vida, redução do tempo de trabalho - mas em desemprego. Ou seja, com esta maior disponibilidade, e em consequência das próprias leis do capitalismo e na sua terminologia, decresce a utilidade marginal. Daqui que os valores humanos, para além de declarações piedosas e inócuas para iludir os incautos, sejam os primeiros a ser sacrificados no altar dos valores mercantis.
Para os teólogos a noção de moral era e é dada por Deus e todas as injustiças explicadas pelos princípios da teologia. Fazendo uso destes princípios, os falsos puritanos do neoliberalismo continuam a proclamar a moral individual desligada de compromissos de identificação e integração social.
Falar em elevação espiritual quando as necessidades materiais básicas não estão satisfeitas e não existe segurança na existência, é refinada hipocrisia. Só garantindo às pessoas condições de existência dignas se pode falar em ética. Porém, a fome e a pobreza alastram e não apenas nos países considerados pobres. No entanto: “a moral económica da antipobreza consiste em espremer a classe trabalhadora e depois dar alguma coisa aos pobres”. (1)
Para Aristóteles, na sua “Ética a Nicómano” (seu enteado) a virtude seria um meio entre dois extremos, entre dois vícios: um por excesso outro por defeito. A justa medida tem de ser encontrada entre os extremos sem se deixar dominar por qualquer deles. O excesso de Estado pode ser tão perverso como o contrário, por isso fascismo e neoliberalismo são duas faces da mesma moeda: a imoral extorsão da mais valia criada pela força de trabalho.
O meio a que Aristóteles se refere, seria encontrado procurando em cada circunstância o que mais convém à natureza humana. De que fala o filósofo ao mencionar virtude e natureza humana? Será o objectivo mais elevado da vida a virtude moral? Não, segundo o mestre, pois pode-se ser virtuoso e moral no ócio – voluntário ou não – e na pobreza. O objectivo mais elevado da vida será, pois, a felicidade que não se compadece com aquelas duas situações.
Jeremias Bentham (1748-1832), um clássico do liberalismo, então contra as desigualdades aristocráticas, dizia que o objectivo de um governo virtuoso seria proporcionar a máxima felicidade ao maior número de pessoas. Bentham é um exemplo acabado das contradições éticas do capitalismo: defendendo a felicidade da maioria simultaneamente, defendia que “fazer leis para as fábricas são violações das leis económicas e não benevolência. Na verdade tornará pior a miséria dos pobres” – evidentemente, por obstarem ao “free-trade”. São princípios que aliás  vemos com roupagem variada defendidos diariamente na comunicação social e que fazem parte dos acordos com a “troika” subscritos pelos partidos neoliberais. Marx, em “O Capital” vol. II diz “tivesse eu a ousadia do meu amigo Henrich Heine e chamaria ao sr. Jeremy um génio no percurso da estupidez burguesa”. (2)
Ora, a política de direita, sempre prometendo luzes ao fundo do túnel, cria um máximo de desigualdade e infelicidade para a maioria e um máximo de riqueza para uma minoria. Enquanto o país se afundava na crise, os direitos sociais eram restringidos, o desemprego e a pobreza atingiam números inéditos, em 2010 a riqueza dos 25 mais ricos do país crescia 18%. Políticas “inevitáveis”? Governantes “sérios e responsáveis”?
Como na peça de Becket, (À espera de Godot) para aumentar o riso de uns aumenta o choro de outros. Nos países desenvolvidos, a social-democracia melhorava as condições dos trabalhadores – melhor dizendo cedia às suas lutas – porém aumentava a exploração neocolonialista, a fome, a repressão nos países dominados. J. K. Galbraith em “A Era da Incerteza” escreveu referindo-se ao colonialismo: “Os seus motivos reais eram demasiado bárbaros, egoístas e obscenos para serem expressos. Os colonialistas consideravam-se sempre alfobre de valores morais, espirituais, políticos ou sociais transcendentais”. Para F. D. Rosevelt - segundo consta - o ditador Stroessener podia ser um “son of a bitch”, mas “é o nosso “son of a bitch”. De que os EUA fizeram ampla colecção, diga-se...
Que espécie de ética se pode esperar de uma sociedade que tem como princípio, meio e finalidade o lucro empresarial, financeiro, monopolista e transnacional? Uma sociedade em que o aumento de qualificações e de pessoas qualificadas correspondeu à sua desvalorização social, pois decresceu a sua “utilidade marginal” de cada individuo. Que horizonte, que futuro se pode esperar quando os detentores de capital – não falamos das PME - não exigem apenas lucros, mas que estes tenham crescimentos em percentagem? E quando tal não acontece, despedem, fecham e deslocalizam empresas e pedem – impõem - que o dinheiro dos contribuintes os compense.
A única ética possível é promover o desaparecimento, a superação, deste modelo de sociedade. Como? Lutando por isso. Será possível? Como princípio ético, digamos que para conhecer os nossos limites temos de ter um ideal de perfeição e procurar atingi-lo.

1 - www.counterpunch.org 07.fevereiro.2011 Jane Addams Rockefeller works at a nonprofit in New York. She can be reached at Jane.addams.rockefeller@gmail.com
2 – A Tradição Intelectual do Ocidente - J. Bronowsky – p. 449, 454, 454 – Edições 70-1983.

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