Linha de separação


11 de dezembro de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO –38.2 – MERCADOS II

Os povos semitas adoravam o deus Baal, também designado por Moloch, ao qual eram feitos sacrifícios humanos. No ventre do colosso de metal com cabeça de touro, ardia então uma fogueira para onde eram lançadas crianças e adolescentes para obter os seus favores. Conta-se que estando Cartago cercada pelos romanos de Cipião, na cidade-estado se faziam sacrifícios a Baal: o monstro reverberava, com o metal em brasa, mas sem sucesso.
Vivemos o tempo de um novo deus que domina a Humanidade e ao qual são oferecidos sacrifícios humanos: dão-lhe o nome de “mercados”.
Fome, pobreza, devastação ambiental. Por razões derivadas da pobreza extrema morrem cada dia 50 000 seres humanos, 18 milhões por ano, a maioria dos quais crianças, segundo a OMS. A Unicef atribui a morte de 5 milhões de crianças por ano apenas a causas derivadas da subalimentação São os sacrifícios que os povos fazem na vã tentativa de atingirem aquela espécie de paraíso que seria o “mercado perfeito”.
Os teólogos da designada “economia de mercado” dizem que a criação e a repartição de riqueza é feita de modo eficiente pelo mercado, contudo como a vida mostra o mercado a que se referem tem sido o grande gerador de desigualdades e crises económicas, sociais, ambientais. Os que detêm maior poder de mercado orientam esta repartição no seu interesse.
Tal como noutras religiões, a do mercado promete recompensas para os fieis seguidores, ameaça com castigos para os incumpridores. São assim postos em prática “Planos de Ajustamento Estrutural”: que consistem em privatizações, inclusive de serviços sociais criando monopólios privados; na forçada integração no mercado mundial, com a tónica posta nas exportações, desprezando o mercado interno, liquidando a produção nacional em vastas áreas. Este fator destrutivo do tecido económico e social está hoje à vista de todos não só nos países ditos em desenvolvimento, mas atingindo as economias Europeias mais frágeis.
Por meio destes esquemas e da dogmática que assiste a doutrina neoliberal da “economia de mercado”, monopólios e oligopólios (forma mitigada de monopólio) actuam livremente (é esse o objetivo) com a concorrência subvertida por acordos tácitos ou não. Verdadeiramente o mercado concorrencial apenas existe para as PME, mas o que estas vêem não é o mercado como os teólogos do mercado dizem: é uma simulação organizada pelos oligopólios que controlam tecnologia, crédito, fornecedores e consumidores, determinando os preços e a procura.
Cerca de 200 gigantescas transnacionais dirigem o essencial da economia em praticamente todo planeta. Estas empresas pertencem a seis países: Estados Unidos, Japão, Alemanha, França, Reino Unido e Suíça. O seu volume de negócios era superior ao PIB de todos os países fora da OCDE; 147 grandes transnacionais controlam direta ou indiretamente 40% da riqueza mundial. Um punhado de oligarcas comanda efectivamente os destinos do mundo e das pessoas, são escassas centenas de homens, em conluio, tal como os patrícios romanos. E no entanto, vão-nos dizendo que o mercado é como o ácido que decapa e corrói as rendas e os monopólios...
Podemos assim compreender o que significa a palavra “mercados”: trata-se do planeamento feito por oligopólios que se determinam com apoio dos governos apenas em função dos seus estritos interesses, porque nem na teoria nem na prática reconhecem outros. Salários, preços, distribuição de rendimento, condicionamento dos consumidores e dos governos, tudo é estabelecido em conformidade com o que mais lhes convenha. As tecnologias mais avançadas e mais lucrativas são eles que as dominam, pois só eles dispõem dos capitais para o efeito.
Que racionalidade e eficiência trouxe o mercado? Que racionalidade existe para quem vive na pobreza, sem meios e sem emprego? Uma economia que não assegura a subsistência e a segurança para os indivíduos e as famílias poderá falar em valores e remeter o assunto para escolhas ou culpabilizar as pessoas quando o desemprego, a miséria, a fome alastram pelo mundo?
Os teólogos do neoliberalismo falam como se o mercado fosse uma abstracção metafísica, um conceito fora da matéria social e dos interesses particulares. Os mercados financeiros, paradigma do mercado livre, tornaram-se no exemplo mais evidente da falta de racionalidade e da ineficiência.
Eis um exemplo da eficiência da “economia de mercado”. É relatado que se vai proceder ao despedimento de cerca de duas centenas de trabalhadores de uma fábrica que fecha. A empresa deslocaliza-se para um país onde os “custos salariais” são inferiores e, obviamente, os lucros maiores. O comentador  faz um ar desolado (estará?), mas diz que são “as duras leis do mercado”. O mercado da política de direita é isto: dureza para uns, mais lucros para outros.
A “economia de mercado” não passa, pois, de um esquema económico que não existe na realidade, dominado por empresas gigantes que controlam os mercados tanto do lado da oferta como da procura. Os economistas ao serviço desta ideologia ganharam a arrogância intelectual que o poder do dinheiro lhes facultou impondo as suas teorias na política e no ensino. Afinal sabiam tudo, não previram nada. Ou temos de considerá-los ignorantes ou coniventes com as fraudes e as mentiras que desencadearam as crises Os economistas do sistema pretendem apenas justificar a ordem existente ou nem isso, apenas convencer as pessoas a não pensar, a conformarem-se na base de inevitabilidades.
A economia de mercado é a economia que resulta do processo de manipulação e condicionamento dos desejos das pessoas, pela sedução ou pela força; ora através de técnicas da psicologia aplicada atribuindo-se isso à sua livre escolha, ora pela repressão. Nos países mais ricos, a compulsão não se faz directa e abertamente, faz-se ao nível do subconsciente. É como um vírus insidioso que adormece e destrói o pensamento crítico.
A partir do momento que o Estado se torna uma entidade que não deve interferir no mercado os interesses colectivos e as necessidades sociais são subvertidos pelos interesses privados mais poderosos.

Sem comentários: