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5 de dezembro de 2016

Loucura ...!



LOUCURA OU POPULISMO?
É verdadeiramente ilustrativo do comentário político que temos a leitura dos comentários à eleição do abominável homem do capital Trump. Com poucas excepções.
Não sabemos o que mais admirar, se o confusionismo político, o preconceito ideológico, o simplismo redutor, o reacionarismo militante. Mas compreende-se o desnorte e o dislate. Como pode ter acontecido tal, na tal “grande democracia”, com tanta democracia, que até se vê obrigada a “exportá-la”, nem que seja á bala…E é também uma confissão não assumida da perturbação que causa ver que as políticas que defenderam e defendem tenham produzido tal “anormalidade” política.
Começa por ser admirável a dificuldade em fazer uma leitura simples e rigorosa dos nºs da eleição. Coisas simples como o facto de H Clinton “a rainha do caos” ter tido mais votos! O abominável ter menos votos que os anteriores candidatos republicanos, etc Como nada se diz sobre um sistema eleitoral que produz tais distorções! Um sistema onde o dinheiro dos candidatos continua a ser decisivo! Onde a abstenção ronda os 50% – o que não parece ser problema para os comentadores, desde que seja nos EUA! Um sistema, onde os media, fazem aquilo a que pudemos assistir (1) (É claro, que pôr agora o sistema em causa, significa também o questionamento de anteriores eleições e a natureza democrática do sistema!)

Depois, a incompreensão de como a “grande democracia” americana (que sempre nos fascinou” diz Teresa de Sousa) produziu tal resultado. Nada se anota sobre o golpe da Direcção do PD, que afastou Sanders nas Primárias! Nada se diz sobre o facto decisivo de um dos partidos do Sistema ter nomeado o abominável, como o seu candidato! Era obrigatório? Pergunta Stiglitz: “Porque é que o PR dos EUA nomeou um candidato que até mesmo os seus líderes rejeitaram?” Pergunta sem resposta.
Mas onde o chorrilho dos comentários mais se despenca é certamente nas explicações. Entre outras destacam-se três.
A “Loucura dos povos” atacou os norte-americanos e não só, Miguel de Sousa Tavares (MST) dixit”, na “Noite da América”. Sim, diz duas vezes, Vicente Jorge da Silva no “Pesadelo americano”: “a perigosa e contagiante (cuidado!) esquizofrenia revelada pelo eleitorado americano”; “Eis-nos perante a esquizofrenia de um eleitorado frustrado (…)”. E agora? Assobiem-lhes às botas. “Que os deuses protejam os povos da sua loucura! Que nos protejam da democracia!” Rezem ou façam figas (MST)!
Outra notável explicação é a ignorância e o atraso civilizacional de parte significativa (50% pelo menos) do eleitorado americano. Clara Ferreira Alves (CFA): é o ”Voto desta gente branca enraivecida” que “Não querem políticas, querem o candidato do avião, da televisão, o patrão, o milionário malcriado. O ódio chega-lhes.” “É a desconfiança nascida da ignorância”! Teresa de Sousa: “(…) no Midwest agrícola e conservador e nos homens brancos pouco instruídos que elegeram Trump não é aceitável.” “A eleição de uma mulher (…)”! Miguel Sousa Tavares: “A outra é uma América onde a incultura e a mais larvar ignorância são vistas quase como uma virtude. É a América que elege George W. Bush e que aplaude Donald Trump.”! Leonel Moura: “Os brancos pobres, embrutecidos pela estupidez e pela religião, que garantiram a vitória de Trump (…)”!
Espantoso. Nunca se tinha dado conta do papel da ignorância e da incultura nos actos eleitorais, mesmo em Portugal…mesmo se já tinha havido uns ameaços no referendo do Brexit…
Mas verdadeiramente, a razão explicativa e justificativa (de Trump com o Brexit à mistura) é a “lengalenga do populismo” (como lhe chamou M Loff). Uma verdadeira epidemia! Adjectivada, teorizada. “Populismo ignaro” (TS); “a viragem populista” (de Carlos Gaspar) “(…) onde as clivagens entre as democracias pluralistas e as forças autoritárias é substituída por uma polarização entre as correntes populistas e o consenso internacionalista liberal.”; “(…) os populismos inquietantemente crescentes” de Ana Catarina Mendes; para Pedro Adão e Silva é “A internacional populista”; Miguel Poiares Maduro, descobre “os populistas perigosamente ideológicos (como Le Pen) e os populistas do oportunismo (como Trump)” (que afinal não será tão perigoso como isso); ; Luís Cabral “O resultado eleitoral surpreende mas não deixa de ser apenas mais um
caso de populismo”; P Rangel “(…) a eleição de Trump significará um enorme incentivo e encorajamento a todos os populismos que ali pululam e despontam (…)”. Para CFA é revolução populista que “nem se pode dizer que seja de esquerda ou de direita”. “Chamam-lhe populismo” e “Nenhuma ideologia preside a esta revolução. Nenhum propósito exceto o da disrupção do sistema, qualquer sistema, e das odiadas elites.”. A estes e muitos outros, junta-se agora também Jorge Sampaio para “evitar o alastramento dos populismos de toda a sorte“!
Mas o que é que explica o “populismo”? Mistério…
Como sempre, estes espíritos bem pensantes gostam de instrumentalizar o “populismo” em defesa da sua dama política. E como a melhor defesa é o ataque, sem qualquer pejo ou seriedade fazem a habitual amálgama dos ditos extremos “radicais”, “nacionalistas”…uma confusão oportunista com claros objectivos políticos e ideológicos. A mistificação da equidistância dos extremos serve para afirmar a sua “virtude (que) está no meio”. O intencional confusionismo de má-fé, entre quem defende a superação do capitalismo e os que defendem o sistema capitalista, com as suas chagas e desigualdades, e nele vêm plasmada a sociedade dos seus sonhos, como sucede com Trump e os que acusam o “populismo” de o eleger. Os que, certamente apenas por acaso, suportaram e suportam, defenderam e defendem o grande consenso universal da social-democracia/socialistas e dos conservadores de todas as espécies, incluindo dos dois partidos do sistema nos EUA. Ou seja os autores e promotores das políticas do capitalismo neoliberal e do consenso de Washington; do federalismo imperial da UE, comandado por Berlim, e de completa subversão da democracia e dos direitos soberanos e iguais dos povos – por exemplo o completo desrespeito pelos referendos nacionais; do militarismo da e intervenção imperialista descarada. E que, não por acaso, são as causas e razões profundas do populismo, explorado por Trump e outros demagogos do grande capital.
O chamar da eleição de Hitler e Mussolini à colação da argumentação populista e dos perigos de Trump é uma fraude, se simultaneamente for esquecido o papel central no processo da traição da socialdemocracia e da conspiração do grande capital alemão!
Os perigos são reais. Nos EUA, na Europa e no mundo. As lições da história devem ser lembradas. Mas não misturem alhos com bugalhos. E a primeira obrigação dos homens e mulheres livres é identificar com rigor os inimigos da paz, do desenvolvimento e progresso social, da liberdade e democracia. E não inventar fantasmas ideológicos, bodes expiatórios políticos, manobras de diversão, que ocultam a verdadeira natureza de um sistema de poder contrário aos interesses dos trabalhadores e dos povos. Nos EUA e no mundo.
(1) A registar as seguintes anotações sobre o jornalismo com a esperança de que tais preocupações tenham tradução caseira:
-“Trump baseou a sua candidatura num chorrilho de mentiras que foi alegremente repetido pelas grandes cadeias televisivas (e não só), ávidas de audiências prontas a devorar o discurso politicamente incorrecto. O resultado foi que o discurso repetido se tornou mais uma verdade em competição com as outras.”, Diogo Q. Andrade, Editorial Público de 08NOV16;
-“(…) lembro-me do formidável jornalismo americano que me faz ter orgulho de dizer a palavra jornalista num tempo em que ela secou e se tornou instrumento político de destruição e reabilitação.”, CFA, Expresso de 12NOV16;
Jornalismo Público e CFA: em que se tornou… Agostinho Lopes

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