Linha de separação


7 de fevereiro de 2020

Capital infectado


Agostinho Lopes
A propósito dos Luanda Leaks e dos negócios de Isabel dos Santos vieram alguns, preocupados, lembrar a existência da importação de “capitais infectados” e dos graves problemas que daí decorriam para o país, transformado em lavandaria de dinheiro sujo. Tais capitais, pelos vistos, não deviam entrar no país sem a devida avaliação da conformidade com as normas da higiene financeira ou, pelo menos, só após devida pré-lavagem em paraíso fiscal de confiança, daqueles que estão na lista branca da UE. E juntaram ao rol dos capitais infectados, a par dos de Angola, os originários da China e da Venezuela. De  países com «regimes cleptocráticos», dizia um preocupado. Ora isto é absolutamente risível. 
A fila dos preocupados é interminável. Vai do chefe do Chega a inefáveis comentadores e jornalistas da nossa praça. Com uma marca distintiva comum: todos comungando da doutrina neoliberal e reverentes e obrigados da globalização financeira.
Os doutrinadores da livre circulação de capitais – porque nela está a salvação do país -, os silenciosos adeptos dos paraísos fiscais, os que não dizem uma palavra sobre  o monstro glutão da “Banca Sombra”, os entusiastas dos acordos de livre comércio, os defensores intransigentes das entidades reguladoras, das supervisoras, das auditoras, públicas e privadas, de toda a tralha do instrumental neoliberal para fazer de conta que regulam, supervisionam, auditam, fiscalizam segundo o interesse público e não para cobrir a exploração, o roubo, a extorsão do grande capital transnacional e financeiro,  descobrem agora, “espantados”, que tudo isso falhou e que há capital cuja bondade precisa de ser avaliada. 
Os ferozes pregadores das privatizações, concessões, liberalizações e leilão dos activos públicos estratégicos, descobriram que há capital e capital, e que há capital a quem não podemos confiar a nossa filha... Mas nunca sem explicar devidamente como fazem a filtragem, a separação, a escolha. Quem e com que critério se definem «regimes cleptocráticos»? Os que não obedecem aos EUA? Os que não abanam com a cabeça à UE? O bom capital é o que sai dos amigos da UE e dos EUA, como a Arábia Saudita e o Dubai? Devemos interrogar-nos sobre o capital chegado do Brasil??? Do que chegou via Oi e Camargo Correia para comprar e liquidar a PT e a Cimpor? Devemos questionar o dinheirinho que chega do Luxemburgo, este Estado-membro da UE, que teve como 1º Ministro um facilitador e lavador fiscal de fortunas que foi Presidente da Comissão Europeia? É mesmo garantido que o dinheiro que vem da Suíça, onde estacionava o «Monte Branco», e tinham (e têm) contas secretas Ricardo Salgado (há quatro anos que as autoridades portuguesas aguardam por informações!)  e outros ilustres compatriotas, é limpinho, limpinho? Serão capazes de explicar a cor, o cheiro e o rasto, dos investimentos da Black Rock e da Lone Star, entre outros? Tem selo branco de fiscalização e lavagem do Delaware?! Sacripantas!
Os ferrenhos promotores dos Vistos Gold (oh o ruído que aí vai por possíveis restrições…) , que não só não exigem um atestado de bom comportamento ao visado, nem um atestado de lavagem ao portador, que já vão nos 4.992 milhões de euros entre 2012/2019, assim pagando autorizações de residência a 8.207 impolutos cidadãos do mundo, que gostam de viver em Portugal,  julgam que há capitais bons e capitais maus…
É pena que, tão preocupados com a lavagem, se tivessem lembrado de permitir, e até obrigar, que os diferendos legais com investimentos “importados” no quadro do livre comércio fossem julgados em tribunais arbitrais, à margem das ordens jurídicas e sistemas judiciais nacionais...Tarde piaram!
E que dizer dos que agora se lembraram de que a «ética» deve estar presente nos negócios!?
Em qualquer lugar deste e do outro mundo deve haver uns milhares de capitalistas, amarrados à barriguinha, a rir-se. 

Registo: o texto não é uma qualquer bênção abonatória ou absolvição dos negócios de Isabel dos Santos. 
  
    

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