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29 de maio de 2023

Levar o país a sério

 Das redes sociais

facebook de Jorge Bateira

Levar o país a sério

Os maus resultados do Podemos em Espanha, e do Syriza na Grécia, mostram que a esquerda radical (não-comunista) precisa de repensar a sua estratégia política, o que também inclui repensar o seu discurso e formas de comunicação com o povo. Sofrer pesadas derrotas e não mudar nada de fundamental conduz ao definhamento político e à desilusão.

Há quem defenda que o BE pode recuperar os votos perdidos através de uma melhor articulação com os sindicatos e movimentos sociais, explorando o impacto da contestação política na rua. Combinando a dimensão de partido-movimento com a inegável competência institucional de Mariana Mortágua na Assembleia da República, os militantes e apoiantes do BE (a grande maioria) sentem que melhores dias virão.

Em meu entender, não creio que isso baste. Para evitar que o cansaço do eleitorado dê uma nova oportunidade à direita, como está a acontecer em Espanha, é preciso formular propostas políticas fundamentadas para robustecer o Estado social, alcançar o pleno emprego e, a partir daí, apresentar a visão de uma sociedade solidária. O eleitorado precisa de entender como é que essas políticas vão ser postas em prática e como vão ser financiadas no actual quadro da UE. O povo já não suporta um discurso feito de slogans, fórmulas simplistas e muita indignação. O clamor da rua só será eficaz se tiver uma tradução política convincente.

Uma "vida boa", como Mariana Mortágua defendeu, exige serviços públicos de qualidade, para todos, e acessíveis em tempo. E exige uma economia que respeite a sustentabilidade do planeta. Tudo isso é desejável. Porém, sem uma palavra clara sobre a forma como o BE se propõe gerir o enorme constrangimento ao investimento público constituído pelas exigências de Bruxelas, no âmbito do Semestre Europeu, o discurso ficou vago, sem espessura política. Faltou-lhe credibilidade.

Na apresentação da nova liderança do BE, o partido varreu para debaixo do tapete o colete de forças neoliberal imposto por Bruxelas. Como conciliar as suas propostas para o desenvolvimento do país sem entrar em conflito grave com o quadro institucional da UE? Algum compromisso melhor do que a actual política do PS terá de haver (e eu entendo que há), mas a ausência de uma alternativa orçamental ao discurso das "contas certas" é um rombo na credibilidade da oposição do BE. E, disso estou certo, não é por falta de competência técnica que o discurso foi assim. Nesta apresentação da nova liderança, o BE não está a levar o país a sério. Lamento.

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