O prémio Nobel da Economia de 2008 Paul Krugman, esteve ontem em Lisboa a convite das Universidades Clássica, Técnica e Nova de Lisboa, tendo sido galardoado com as insígnias de Doutor Honoris Causa por estas três universidades públicas.
Do muito que disse na Conferência que se seguiu sobre o tema "Economia na crise" e na entrevista que deu ao Jornal de Negócios, o destaque maior tem sido dado às suas afirmações de que " ...os salários portugueses têm de crescer mais lentamente que os salários no resto da Europa. ....De uma forma ou outra terá de haver um ajuste substancial dos salários."
Estas afirmações de Paul Krugman, algo controversas sem duvida, para um economista que se apresenta a si próprio como um amigo dos trabalhadores, mas que as justifica com a necessidade de Portugal ser um país mais competitivo em relação ao resto da zona euro, levaram-nos a recuar 35 anos e a revisitar os textos da Conferência Internacional sobre a Economia Portuguesa, realizada entre 11 e 13 de Outubro de 1976, pela Fundação Calouste Gulbenkian, com o apoio do German Marshall Fund of the United States.
Nesta conferência um conjunto de economistas do Departamento de Economia do MIT, candidatos ao doutoramento entre os quais se encontrava Paul Krugman, numa avaliação à Economia Portuguesa: evolução recente e situação actual, também defendiam que Portugal tinha perdido nos dois últimos anos (1974 e 1975) competitividade e que tal tinha resultado da subida real dos salários, que se tinha então verificado.
Paul Krugman não se lembrará certamente hoje, das palavras que o Professor Francisco Pereira de Moura então proferiu, convidado pelos organizadores da Conferência para comentar este relatório. Reproduzimos de seguida aqui essas palavras retiradas do volume I dessa Conferência, (pág. 98 e 99).
"..Porque o tempo é pouco, só uma palavra acerca do outro aspecto do tema, a utilização dos recursos. Neste relatório elaborado pelos estagiários do MIT há como que «uma sugestão» de que a maior parte dos inconvenientes, das dificuldades, dos pontos débeis da economia portuguesa actualmente, se devem à subida dos salários. Houve uma explosão de reivindicações de salários, houve a fixação do salário mínimo nacional, pela primeira vez, e daí viriam quase todos os males. Inclusivamente faz-se a referência de que no modelo está inserida a fixação dos preços em termos de se aplicar uma determinada margem sobre os custos salariais, embora não venha a ser indicada essa margem.
Ora o ponto fundamental é este: podemos conceber, seja para a política conjuntural, seja para a política económica e social de mais longo prazo, poderemos conceber o regresso à estrutura de repartição do rendimento tradicional, anterior ao 25 de Abril?
Poderemos basear qualquer hipótese de correcção das nossas estruturas e das nossas dificuldades conjunturais regressando a esse padrão de repartição do rendimento que todos nós criticávamos há tão pouco tempo? Se há coisa positiva depois do 25 de Abril, é precisamente essa conquista de um quinhão maior do rendimento nacional por parte dos trabalhadores. Não vou dizer se serão 70 % como vem aqui ou 65 % como há pouco se dizia, ou 58 % como calculava ― creio que com bem maior verosimilhança ― o Secretariado do Planeamento. É um quinhão maior, substancialmente maior, todos o sabemos, do que acontecia anteriormente ao 25 de Abril; mas esse era precisamente um dos objectivos apontados à política económica, mesmo já antes do 25 de Abril, embora quase nada fosse concretizado. Passa sequer pela cabeça que, por formas directas ou por formas indirectas, seja compatível a democracia política e o roubo aos trabalhadores deste quinhão adicional de rendimento? Não se vê como é inconciliável a democracia política com a repressão? Penso que muita da discussão que tem havido acerca da utilização de recursos tem andado viciada precisamente por ocultar aquilo em que se está a pensar, ou que está implícito nos raciocínios acerca deste ponto. É ou não um objectivo da política económica e da política social portuguesa que a parte do trabalho no rendimento nacional, que andava tradicionalmente na casa dos 45 a 50% e que passou, digamos, para a ordem de grandeza dos 60 %, fique pelo menos por aí?"
Ora o ponto fundamental é este: podemos conceber, seja para a política conjuntural, seja para a política económica e social de mais longo prazo, poderemos conceber o regresso à estrutura de repartição do rendimento tradicional, anterior ao 25 de Abril?
Poderemos basear qualquer hipótese de correcção das nossas estruturas e das nossas dificuldades conjunturais regressando a esse padrão de repartição do rendimento que todos nós criticávamos há tão pouco tempo? Se há coisa positiva depois do 25 de Abril, é precisamente essa conquista de um quinhão maior do rendimento nacional por parte dos trabalhadores. Não vou dizer se serão 70 % como vem aqui ou 65 % como há pouco se dizia, ou 58 % como calculava ― creio que com bem maior verosimilhança ― o Secretariado do Planeamento. É um quinhão maior, substancialmente maior, todos o sabemos, do que acontecia anteriormente ao 25 de Abril; mas esse era precisamente um dos objectivos apontados à política económica, mesmo já antes do 25 de Abril, embora quase nada fosse concretizado. Passa sequer pela cabeça que, por formas directas ou por formas indirectas, seja compatível a democracia política e o roubo aos trabalhadores deste quinhão adicional de rendimento? Não se vê como é inconciliável a democracia política com a repressão? Penso que muita da discussão que tem havido acerca da utilização de recursos tem andado viciada precisamente por ocultar aquilo em que se está a pensar, ou que está implícito nos raciocínios acerca deste ponto. É ou não um objectivo da política económica e da política social portuguesa que a parte do trabalho no rendimento nacional, que andava tradicionalmente na casa dos 45 a 50% e que passou, digamos, para a ordem de grandeza dos 60 %, fique pelo menos por aí?"
35 anos Paul Krugman mostra novamente um grande desconhecimento sobre a realidade portuguesa, nomeadamente o facto de os rendimentos do trabalho terem hoje um peso no rendimento nacional que nos transporta para níveis anteriores ao 25 de Abril e o facto de os salários representarem apenas em média 25% dos custos de produção, peso este que no caso das empresas exportadoras é ainda inferior (15,5%). Desta forma apostar na redução dos salários como forma de aumentar a competitividade é por um lado ineficaz e por outro extremamente injusto para os trabalhadores que já hoje têm um quinhão cada vez menor do rendimento nacional.
Só o desconhecimento da realidade portuguesa pode justificar aquela afirmação de tão ilustre economista, o que não deixa de ser lamentável porque também há 35 anos se defendia a mesma receita e por isso a resposta do professor Francisco Pereira de Moura, eminente economista português profundo conhecedor da nossa realidade económica e social e que se bateu como professor no Instituto Superior de Economia contra o regime fascista.
É certo que o contexto económico é bem diferente hoje, mas tal como ontem, a competitividade de uma economia não depende apenas dos salários, eu diria que ela depende infelizmente cada vez menos dessa variável de custos. Outros factores são cada vez mais determinantes, como os custos energéticos, os custos de transporte, os custos financeiros e a margem de lucros.
Nada disto devia ter sido ignorado por Paul Krugman, um economista que se diz de esquerda, que se diz amigo dos trabalhadores.