Linha de separação


22 de outubro de 2017

Os dominantes não gostam do projecto de OE

Jorge Cordeiro
O OE no tabuleiro dos desesperados


Nem o anúncio da chegada de Belzebu, príncipe dos demónios,  causaria a agitação que a proposta de Orçamento do Estado causou em conhecidos círculos da opinião que por cá levitam.


Seria de um simplismo errado e inocente, lendo o azedume que por aí transborda, levar a sério tudo o que se lhe atribui quanto a um qualquer desvio “esquerdizante” do seu conteúdo. O OE para 2018 é no essencial um orçamento do governo do PS moldado pelos seus compromissos e opções com o que acarreta de sérias limitações e condicionamentos.


Imagine-se o que para aí se veria, entre defenestrações e emalar de trouxas, se o OE atingisse seriamente os interesses que servem. A corte de serviçais  dos centros de dominação monopolista, de analistas a comentadores, vinda a terreiro para zurzir no documento revela uma curiosa noção de democracia. Ou é como está escrito nas estrelas que assim tem de ser – cortar direitos e salários, empobrecer o povo – ou então é o que se vê.


Olha-se para eles e vêm-nos à cabeça aqueles jogadores de xadrez que, prescindindo há muito de pensarem, e optando por abrir com peão de rei, ao terceiro movimento, já se sentem perdidos porque o guião que lhes mandaram empinar se alterou. Ainda que a analogia peque por exactidão, é como não tendo os peões assegurado a estratégica conquista do centro do tabuleiro, essa falta do “centrão” os deixe num vazio. Não os subestimemos que já por aí se mexem peças para o controlo desse centro.  


Beliscados, ainda que tenuemente, interesses julgados intocáveis aí está a chantagem. Movidos pelas razões que se conhecem. Não aceitam qualquer reajuste, por mais limitado que seja, do único caminho que traçaram como possível de intensificação da exploração e empobrecimento. Sobretudo não perdoam ao PCP o seu papel no travar desse caminho e encetar um outro de defesa, reposição e conquista de direitos. Limitado sem dúvida mas fora daquele guião. Entre a esquizofrenia e o delírio é vê-los: o PCP ora manda no Orçamento ora é apresentado como condenado a desaparecer; ora o OE é «pagamento  do governo por ter tido uma vitória tão esmagadora à custa do PCP» ora este está pronto a derreter o OE e o governo do PS devido aos resultados eleitorais.  


Com o Orçamento vem  aí o dilúvio. Uns a bramar do aumento da despesa fixa, tão mais horrenda quanto se consolida. Fosse uma devolução virtual à moda do PSD/CDS como a da sobretaxa que prometida para fins eleitorais acabou a zeros, ainda se tolerava. Outros a lamuriar o ter-se desbaratado a última oportunidade de ter na legislatura um OE de contenção e cortes porque o de 2019 será eleitoralista, logo expansionista. Outros ainda brandindo contra essa «medida inacreditável de repor as 35 horas de horário de trabalho» como se leu em texto da direcção de um conhecido semanário.


Dito isto, convém sublinhar a derrota de duas teses: a que alimentou, com efeitos bem dolorosos, a ideia de que o empobrecimento do País era a primeira e principal condição para o seu crescimento; a outra, ligada a quem defendia a ideia da compatibilização de metas orçamentais com os critérios impostos pela UE e o Euro com a resposta plena aos problemas do  País e à criação das condições para o seu desenvolvimento soberano.


Estamos longe de ter, para os nossos problemas estruturais, uma política com soluções estruturais. Os sinais positivos que aliás estão ligados aos passos na reposição de direitos, não venceram vulnerabilidades e dependências a esse nível.


As opções quanto à dívida ou ao défice avolumam constrangimentos e impedem a mobilização de recursos indispensáveis ao investimento público ou ao reforço do aparelho produtivo e da economia nacional.  É por isso que não se pode separar a intervenção pela resposta mais imediata de solução dos problemas prementes da luta pela exigência de uma política alternativa, patriótica e de esquerda como a que o PCP defende.


Que o  PCP não está a desperdiçar nenhuma oportunidade no OE para novos avanços é uma evidência. Seja pelo aumento extraordinário de pensões que, a par do seu aumento geral, representará uma nova recuperação do poder de compra. Ou com a reposição de direitos dos trabalhadores da Administração Pública, seja o valor do trabalho extraordinário ou o descongelamento da progressão de carreiras. Seja por uma maior justiça fiscal com a criação de dois escalões no IRS, o desagravamento do 2º e 3º e o aumento do mínimo de existência. Seja com o aumento da derrama de 7 para 9% sobre os lucros das empresas com mais de 35 milhões de euros de lucros, garantindo meios para investir no apoio social, na saúde ou na floresta.

Mais do que alguém se pôr em bicos de pés para aparecer no “ecrã” dos avanços o que importa é que o OE corresponda a  reposição de direitos. Sabendo das suas limitações mas percebendo pelo destempero dos que por aí se ouvem que vão ao arrepio do que pretendiam. É na acção para ir mais longe que, com independência política e no compromisso com os trabalhadores e o povo, se fará o juízo final sobre o OE.

Sem comentários: