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11 de janeiro de 2019

O aniversário envergonhado de um fracasso mascarado


João Ferreira do Amaral: "A criação da moeda única é um gigantesco fracasso"

Para o professor catedrático e coordenador científico do Institute of Public Policy, nada do que foi prometido com a criação da moeda única foi cumprido. E, mais grave, o euro atingiu as autonomias dos Estados. As perspetivas não são animadoras: João Ferreira do Amaral teme que os próximos 20 anos sejam ‘um pesadelo’ e acha que o país está agora menos preparado para enfrentar nova crise.
ontinua então a defender a saída do euro?
Acho que o euro impede o desenvolvimento económico. E isso tem repercussão no tipo de Orçamentos que temos tido. Não falo em cumprir as regras orçamentais – qualquer que fosse o enquadramento, isso teria de ser respeitado, embora haja um grande exagero por parte da Comissão Europeia. Falo das condicionantes da política, que são tais que o país não tem capacidade de se desenvolver de forma mais rápida para convergir com a média comunitária. Quando a União Europeia optou pela moeda única, optou pela estabilidade contra o desenvolvimento económico. E isso foi grave para as regiões menos desenvolvidas, como é o caso português, mas também também foi muito grave para a própria Europa porque quem tinha mais potencialidade de crescimento eram precisamente as regiões menos desenvolvidas e ao pôr um colete-de-forças muito grande sobre isso, a própria Europa no seu conjunto saiu enfraquecida. 

E depois assistiu-se a resgates em Portugal, na Grécia…
Porque enfraqueceu o sul da Europa. Tudo isto da moeda única foi um disparate pegado. E houve muitos alertas contra, mesmo de economistas de renome mundial, mas na altura, foram descartados porque alegavam que os economistas americanos não queriam a moeda única. Não era esse o caso, houve coisas que de facto se verificaram e ainda hoje estou para perceber como é que políticos experimentados entraram neste caminho de desastre.
Mas não há essa sensibilidade de reconhecer o erro e muito menos de abandonar a moeda única...
Podia haver, mas não há. Podia-se arranjar um esquema razoável – porque uma saída destas nunca seria inteiramente segura. Por exemplo, admitir que o euro fosse compatível com moedas nacionais de recurso obrigatório. Uma solução que foi vetada antes da moeda única, mas agora seria uma forma possível de eventualmente potenciar saídas de uma forma equilibrada e sem o drama que existiria se fosse uma saída unilateral. 
Portugal regressaria ao escudo ou criaria outra moeda?
Não me interessa o nome da moeda. Interessa-me é que o Estado português tenha o poder de emissão monetária porque é o poder necessário para que um Estado exerça as suas funções de Estado. Ou se arranja um Estado europeu e ninguém está interessado nisso ou não havendo um Estado Europeu então os Estados nacionais deveriam ter os poderes necessários para poderem funcionar enquanto Estados. Não podem ser uma junta de freguesia gigantesca.
Mas só os partidos de esquerda é que falam na saída do euro…
É muito difícil para um político admitir isso, porque no dia em que um partido com funções governamentais diga isso, a sua carreira política está posta em xeque. E mesmo políticos de outros partidos que pensem assim nunca poderão fazer declarações nesse sentido porque sabem que imediatamente perdem a sua capacidade política. É algo que teria de se fazer em conjunto com todos os países e não é admitir o fim da moeda única, é reconhecer que um país possa não se dar bem na moeda única e, nessa altura, ter outras soluções. E uma dessas hipóteses seria a possibilidade de emitir moeda nacional de recurso obrigatório.
É a tal saída controlada? 
Sim. Houve vários estudos sobre a matéria, principalmente em relação à Grécia quando estava numa fase mais difícil. A questão de ser controlada ou não é uma questão que estará relacionada com a existência de um acordo político mais largo ou não. É evidente que se um país decidir isso unilateralmente será sempre uma saída descontrolada. Se houver um sistema previsto nos tratados então será uma saída controlada. 
O receio em relação às consequências poderá travar uma decisão dessas?
No contexto do atual enquadramento até percebo que haja esse medo porque nada está preparado para isso. Aliás, uma das coisas que devia estar preparada desde o início era a saída da moeda única. Se no Tratado de Lisboa passou a estar previsto o direito de secessão a toda a União Europeia, como é o caso do Brexit, então também devia ter estado previsto a possibilidade de um país poder sair da moeda única, embora não saindo da União Europeia. Isso é o que seria mais racional e sensato. Criou-se um enquadramento em que os países que estão mal dentro da moeda única têm de estar mal para todo o sempre. A criação da moeda única é um gigantesco fracasso porque não cumpriu o que foi prometido: tinha-se prometido mais crescimento e a Europa cresceu muito menos, principalmente a zona Euro que ainda cresceu menos que o resto da Europa; tinha-se previsto estabilidade e quase todos os dias está-se a falar do fim da moeda única, em que a instabilidade tem sido permanente; tinha-se previsto que era uma forma de convergência com os países mais desenvolvidos e assim que foi criada a moeda única começaram a surgir as divergências entre os países mais ricos e os menos ricos. Ou seja, nada funcionou como se pretendia. E Portugal não só aumentou brutalmente o seu nível de endividamento como teve uma estagnação económica. Portanto dizer que isto tudo está bem é um disparate completo. 
E que é um caso de sucesso…
Então isso ultrapassa tudo. Dizer que é um caso de sucesso não sei se é ironia, se é cinismo ou se é brincar com coisas muito sérias. 
Os portugueses nem tiveram voto na matéria... 
Não tiveram e nem houve um debate sério. O PS e o PSD bloquearam todos os referendos. Nessa altura, na Europa era preciso mudar a constituição porque não estava contemplada a realização de referendos sobre tratados internacionais, mas os dois partidos bloquearam sempre os referendos quer para a criação da moeda única quer para o Tratado de Lisboa. O Governo da altura até prometeu a pé juntos fazer um referendo sobre o Tratado de Lisboa, mas depois não fez e deu uma desculpa esfarrapada. A nossa adesão à CEE e depois à União Europeia, nomeadamente à moeda única, foi algo que a grande generalidade dos portugueses não foi chamada sequer a informar-se. Estou convencido de que se tivesse existido, na altura, um referendo sobre a moeda única ganhava o sim, mas mesmo assim teria sido importante nem que fosse para alertar para os riscos.
Os portugueses acabaram por ser apanhados de surpresa?
Acordámos para a realidade em 2011 quando tivemos um programa estupidamente duro e incompetente por parte da troika. A troika não percebeu nada e quis fazer um programa de equilíbrio orçamental numa economia em que as famílias estavam muito endividadas e onde o desemprego tinha custos elevadíssimos para o Estado, pois estava mais alto do que era normal. Fazer uma política de austeridade brutal para reduzir o défice orçamental foi um disparate porque só agravou o défice. Mas a troika com os disparates que fez terá percebido finalmente o erro que eram as suas políticas de austeridade, mas nessa altura, o mal já estava feito.
E os Prosélitos do Euro , do grande Capital e da Charlatanisse económica:
“Acho que o euro foi um sucesso. O meu balanço é francamente positivo”, considera Ricardo Ferreira Reis, professor da Católica Lisbon School of Business & Economics, sobre os 20 anos de euro que se assinalam no próximo dia 01 de janeiro.
Para Ricardo Ferreira Reis ,o balanço é triplamente positivo. Em primeiro lugar, numa dimensão global, “estou convencido de que a existência do euro permite uma afirmação da economia europeia face ao crescimento de blocos, como o chinês, que ainda não tem uma divisa forte no contexto internacional”, afirmou.
Em segundo lugar, disse, “a introdução de uma divisa europeia que cada vez mais se afirma no espaço dos mercados financeiros globais é muito importante para a dimensão europeia, fortaleceu imenso aquilo que é a aventura da União Europeia (UE)”.
Para o professor da Católica, a moeda única “é um patamar de integração bastante ambicioso porque, de facto, tirou muito do que era a liberdade de política monetária aos vários países”, criando “uma exigência de integração muito grande”.
E a terceira dimensão é a nacional. “Também aqui daria uma nota positiva, no sentido em que temos cumprido o que são as obrigações da moeda única. Mas aqui a nota não é tão lisonjeira porque isto é uma espécie de puxão de orelhas contínuo de disciplina imposta aos governos portugueses, que acho que não existiria se estivéssemos fora do euro”, declarou o professor.
Também para Rui Bernardes Serra, economista-chefe do Montepio, “o balanço é positivo” e “a principal conquista foi a estabilidade de preços e a pertença a uma região com uma moeda forte e única, gozando de taxas de juro bem mais baixas do que as observadas antes de se iniciar o ajustamento”.
Rui Bernardes Serra considera que “fazer parte do euro permitiu, ainda, reduzir os custos de transação e de incerteza relacionados com a volatilidade do mercado cambial”, tornando mais fácil a comparação de preços e permitindo uma maior concorrência entre o espaço europeu que aderiu ao euro.
Já para António Afonso, professor do ISEG, uma das grandes vantagens da existência da moeda única tem sido “a redução dos custos de financiamento que os países membros têm obtido”, e “não só os países membros como também os próprios cidadãos, porque as taxas de juro convergiram de forma bastante significativa, desde o início da moeda única”.
O professor do ISEG aponta também outra mais-valia: “o aumento da sincronização do ciclo económico”, ou seja, “algum alinhamento da forma como os países se posicionaram no crescimento económico, em termos de recessões”, o que, de alguma forma, ajuda na condução da política económica.

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