Pregar a virtude e a ética é a solução para quem não tem nada para dizer ou quiser esconder o que verdadeiramente pensa ou pretende, de facto, tal como se diz, “presunção e água benta cada um toma a que quer”.
Assim, quem nada quer mudar de essencial no que ocorre, fala em “capitalismo ético”, mas nunca se diz nem como se faria, nem em que consiste. Pelos vistos, são necessários mais sermões. Pensávamos que os do Novo Testamento bastariam, mas com as taxas obscenas de desemprego e exploração que prosseguem, com a pobreza que cresce na mesma medida que o enriquecimento das oligarquias, o neoliberalismo vai buscar o que de mais reaccionário o liberalismo do século XIX produziu para informar a sua ética. Vejam-se os argumentos usados para alterar leis laborais e as indemnizações por despedimento.
Não há capitalismo ético. Pensávamos que para a ética capitalista já chegaria a maçonaria, a Opus Dei – e equivalentes. Em Itália nos anos 70 do século XX estiveram todos juntos e unidos com a Máfia e a CIA no escândalo da loja maçónica P2.
Aliás, vemos que a boa ética da “governança” tem consistido em arranjar argumentos para encobrir corrupção, isenções de impostos às oligarquias e suas clientelas, aumento das desigualdades e dos mecanismos de exploração. Sempre protestando os seus almejos éticos, apoiam os acordos de empobrecimento, submissão e falta de ética como os consagrados com a “troika” imperialista. A moral social-democrata parece então resumir-se a uma palavra: conformismo.
Não deixa de ser curioso ver repetido nos inócuos votos do “capitalismo ético” as palavras de Marx. Em “Miséria da Filosofia” refere a escola humanitária que propõe, por descargo de consciência, paliativos para as contradições capitalistas. Lamentando os excessos do capitalismo, acabam dando bons conselhos aos trabalhadores para serem sóbrios e trabalharem bem, etc. Refere também a escola filantrópica, como um aperfeiçoamento da anterior. Negando os antagonismos que se estabelecem na sociedade, quer todos se tornem burgueses. “Imaginam que combatem seriamente a prática burguesa e são mais burgueses que os outros”. Em ambos os casos, o capitalismo é apresentado como uma emanação “natural” das relações humanas, que não deve por isso ser posto em causa. Porém, querer “as instituições capitalistas como instituições naturais é levar a política para o campo da teologia”.
Ao contrário do que nos querem fazer crer o capitalismo não é um sistema político. O capitalismo é um sistema económico, um modo de produção, que pode assumir diferentes formas políticas e sociais, do fascismo à social-democracia (que actualmente se tornou um travesti para o neoliberalismo). Porém, todas estas formas obedecem à lei fundamental, citemos mais uma vez: a maximização dos lucros, a apropriação da mais valia criada pela força de trabalho.
A política é que tem de ser conduzida por princípios éticos e o desempenho da governação tem de ser avaliado segundo critérios da ética. Porém, não passam de votos piedosos ou hipócritas pretender aplicar princípios éticos a modelos económicos cujas leis se sobrepõem e os contradizem em absoluto. As crises económica, social e ambiental, provocadas pelo modo de produção capitalista, não são questões de moral individual, isto é a ilusão passada para o público (ver “Economia de Sucesso” - junho.2011), embora dependam da participação dos indivíduos; são questões sociais, portanto de políticas. Só podem ser combatidas eliminando as causas que lhes dão origem: o funcionamento do sistema capitalista.
No capitalismo, uma classe social pretende conduzir as sociedades em conformidade com os seus interesses particulares, privados. Faz das tecnologias e do mercado valores absolutos em relação aos quais os demais se definem, quando na realidade apenas exprimem transitórias relações sociais, não podendo portanto constituir um sistema de valores, pois eles próprios têm de se definir em relação a estes. O neoliberalismo, tal como o fascismo, leva ao extremo aqueles critérios, conduzindo as sociedades para o caos.
E que caos é este? Um caos provocado por uma avidez sem princípios, determinada pela competição, pela continuada pressão para formas extremas de rendibilidade em que os direitos humanos, como o direito á subsistência digna, são subalternizados em relação à maximização do lucro e todos os processos daí decorrentes, que se reflectem de forma muito diferente conforme o poder de mercado de cada interveniente.
Os objectivos mais elevados da vida não podem portanto ser alcançados com um sistema que produz desemprego e miséria. Não há capitalismo ético.
Há quem pretenda a via da moral individual para resolver os problemas sociais e económicos. O mal estaria em que as pessoas seriam – maioritariamente? – vulgares, com falta de carácter, ignorantes, mandriões, aldrabões, em vez de excelentes, honestos, trabalhadores, sérios e exigentes.
A quem se referem? Aos operários? Aos engenheiros? Aos economistas? Aos gestores? Aos financeiros? Aos ministros? Aos deputados? Aos intelectuais? Pelos vistos a todos menos a eles próprios e aos amigos. Este género de discurso de intenção moralizadora que vai do insulto ao desprezo por quem trabalha ou está por razões alheias impedido de o fazer, limita-se a tocar a superfície das coisas. É como se não houvesse nada a que chamamos sociedade – base da ética neoliberal - e esta não estivesse organizada de determinada forma e com determinados princípios. Não perceber isto, é não compreender que “A consciência (individual) é já de antemão um produto social” (Marx – A Ideologia Alemã- cap.1).
O fundamento moral desta organização social é um humanismo abstracto que ignora a estrutura material existente: o modo de produção e o correspondente modo de sobrevivência das pessoas. (1) Desta forma, nega-se a exploração de que são objecto. Na retórica, a democracia e os direitos humanos são incensados, mas mau grado as palavras bonitas e os discursos filantrópicos, refúgio da hipocrisia política, na prática o Homem que esta sociedade reconhece foi descrito por Brecht:
“O que é ao certo um homem? / Um homem, será que eu sei? / Haverá alguém que o saiba?
Um homem: eu não sei o que seja / Não conheço senão o seu preço”
Podemos também recordar Marx, nos Manuscritos de 1844, acerca do liberalismo: “as únicas rodas que o economista nacional põe em movimento são a cupidez, a guerra entre os cúpidos, a concorrência”.
1 – Obviamente, falamos de comportamentos sociais predominantes, dos quais excluimos as exceções individuais que, conscientemente ou não, não seguem ou recusam o padrão geral. Repare-se também que o que se designa por caridade é uma falsa ética, perversa: se não for acompanhada de uma tomada de consciência social, apenas colabora na manutenção das situações de injustiça.
Sem comentários:
Enviar um comentário