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29 de setembro de 2011

Portugal, da recessão à depressão

Numa linguagem comum costuma dizer-se que estamos em recessão quando o nosso vizinho perde o emprego e entramos em depressão quando somos nós a perdê-lo.
Ora o que se passa hoje com a nossa economia e aquilo a que as políticas prosseguidas por este Governo de direita nos irão conduzir é exactamente isso.
Portugal corre hoje um risco muito sério de caminhar de uma profunda recessão, com as previstas quedas do PIB para 2011 e 2012, para uma fase de grande depressão, com o prolongamento da queda do PIB pelos anos seguintes.  
O texto seguinte em que analiso o cenário macroeconómico que o actual Governo apresentou no início deste mês para o período de 2011 a 2015, justifica as preocupações que acima referi.
   
Os dados recentemente divulgados pelo INE sobre a evolução da economia portuguesa até ao 1º semestre do corrente ano, são extremamente preocupantes e exigem medidas urgentes que invertam a situação económica e social que vivemos, sob pena de o nosso país se afundar ainda mais nos próximos anos numa profunda recessão, com impactos negativos sobre a vida das famílias e das empresas, nunca antes verificados.
Até ao final do 2º trimestre do ano, com excepção das exportações que beneficiaram do bom comportamento das economias dos países nossos principais clientes, o consumo público (-4,5%), o consumo privado (-3,4%), o investimento (-12,5%) e as importações (-5,2%) registaram fortes quedas, em termos homólogos.
Ao mesmo tempo que tudo isto acontece, os lucros, dividendos e juros pagos ao exterior atingiram no 1º semestre de 2011 o valor mais elevado de sempre (10 379,4 milhões de euros, +17,1% do que no 1º semestre de 2010), fazendo com que seja cada vez maior a diferença entre o PIB e o PNB.
As políticas seguidas pelos vários governos, de destruição do nosso aparelho produtivo, levaram a que os níveis de investimento e produção industrial sejam hoje, os de há 14 anos atrás e que a produção do sector agrícola e do sector da construção, sejam inferiores à produção de 1995.
Com tão baixos níveis de produção agrícola e industrial e com quedas tão acentuadas no investimento privado e público, não surpreende que o nível de emprego existente hoje na nossa economia seja o de há 11 anos atrás (1999) e que na última década, em termos líquidos, os empregos criados tenham sido inferiores aos empregos destruídos, fazendo com que o desemprego seja a saída natural de quem neste período chegou à vida activa.
É por esta razão que o desemprego não pára de crescer e atinge hoje em termos efectivos cerca de um milhão de portugueses, em especial mulheres e jovens.
As previsões macroeconómicas apresentadas pelo Governo no documento de estratégia orçamental 2011-2015 do início deste mês, acentuam ainda mais as nossas preocupações em relação à situação económica e social que irá ser enfrentada pelos trabalhadores e pelo povo nos próximos anos.
Os cortes brutais que este Governo pretende fazer na Despesa Pública reflectem-se na evolução prevista para o Consumo Público e o Investimento Público não só do corrente ano, como dos próximos anos. A dimensão do corte é tal que o Governo prevê que Consumo Público em termos reais caía entre 2011 e 2015 cerca de 16% e que o Investimento Público caía no mesmo período 50%. Estes cortes irão ter automaticamente impacto no Consumo Privado (consumo das famílias), que com cortes nos salários, nas pensões e reformas e nas prestações sociais, cairá neste mesmo período cerca de 7%.
Para que se tenha uma ideia da dimensão destes cortes vale a pena uma vez mais referir que nunca o nosso país se viu abraços com cortes desta dimensão.
O Consumo Público desde 1954 apenas caiu em termos reais em 4 anos (1955, 1956, 1959 e 2006) e essa queda acumulada foi de 2,5%, agora em 5 anos seguidos pretende-se cortar 16% nessas despesas, enquanto o Consumo Privado que caiu em 1969, em 1975, em 1983, em 2003 e 2009, irá enfrentar agora pelo menos três anos seguidos de queda acumulada, situação nunca antes verificada, o que irá atirar para o desemprego milhares de trabalhadores e para a pobreza milhares e milhares de famílias.     
Com este cenário recessivo permanente para os próximos anos não admira que o Fundo Monetário Internacional preveja para 2012 e 2013 uma taxa de desemprego em sentido restrito de 13,5%, o que corresponde a mais de 750 milhão de desempregados em sentido restrito e a mais de 1 milhão de desempregados em sentido lato.
Nos últimos dias vieram a público declarações do Primeiro Ministro e do Ministro das Finanças em que revêem em baixa a previsões atrás referidas. As razões apontadas para esta revisão prendem-se com as últimas previsões de Outono apresentadas pela OCDE e pelo FMI, as quais assinalam um desaceleração no crescimento económico mundial, fruto de um pior comportamento previsto para a economia americana e em especial para as economias da União Europeia.
Ora parece-me que as previsões daqueles organismos internacionais serviram apenas neste caso de pretexto para as correcções das previsões macroeconómicas, que a evolução já registada no 1º semestre e as medidas fortemente restritivas aprovadas por este Governo no início do 2º semestre permitiam antever.
É claro que a economia portuguesa está neste momento em queda forte, mas mesmo assim para se verificar uma queda no PIB no corrente ano de 2,2%, como previsto no documento de estratégia orçamental a queda no 2º semestre teria de ser de 3,7%, o que é manifestamente exagerado, não porque as medidas tomadas não sejam suficientemente graves, mas porque o seu impacto real ir-se-á sentir lá mais para a frente em 2012 e anos seguintes.
É por esta razão que o governo avança já com a hipótese de no próximo ano a queda não ser de 1,8%, mas de 2,2%, 2,3% ou até mesmo de 2,5%.
Quanto ao impacto que o agravamento da envolvente externa terá sobre a nossa economia nos próximos anos ele tem ainda contornos pouco definidos. A verificar-se o abrandamento ou a entrada em recessão das principais economias europeias e americanas, ele será certamente muito superior e não apenas da ordem das décimas de ponto percentual mas da ordem dos pontos percentuais.  
A confirmar-se um abrandamento no crescimento económico da Alemanha, da Espanha, da França, da Itália e do Reino Unido, isso terá um impacto imediato na evolução das nossas exportações que note-se, é a única variável macroeconómica que tem evoluído nos últimos meses de forma positiva e que se entrar em queda, não tenhamos duvidas significará a falência completa desta política e a entrada em profunda depressão da nossa economia.    
A suprema hipocrisia deste Governo leva-o a defender uma melhoria da Procura Interna dos países nossos principais parceiros comerciais, o que no limite significa uma melhoria do poder de compra das classes trabalhadores desses países, ao mesmo tempo que para Portugal defendem e aprovam medidas de política económica que visam a sua redução, através de cortes no Consumo Privado, Público e Investimento.
Não temos dúvidas de que por trás do ataque às chamadas dívidas soberanas nos países da zona euro, se esconde o maior ataque das últimas décadas contra os direitos dos trabalhadores e das povos, se esconde o objectivo de aumentar a exploração do trabalho e de desequilibrar ainda mais a distribuição do rendimento a favor do capital e espreita a tentativa de obter um retrocesso social que nos conduza às condições existentes na Europa no final do século XIX.  

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