Linha de separação


30 de setembro de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO –31 – Produtividade I

É tarefa deste pequeno dicionário contribuir para limpar o lixo ideológico por aí difundido – não recorrendo no entanto aos processos do budismo zen ou do yoga.
Dadas as intenções do actual governo de impor a iníqua lei dos despedimentos arbitrários sob o sofisma da “produtividade” decidimos antecipar o tratamento deste tema.
Ouvindo as intelectualmente paupérrimas justificações de alguns deputados e ministros, somos levados a supor que diariamente façam as suas devoções perante as “sagradas escrituras” do memorando da troika e já que não têm outros argumentos se prostrem, clamando “credo quia absurdum” (acredito porque é absurdo).
Com vistas ao aumento da “produtividade”, segundo a proposta de lei, seria causa para despedimento os “casos em que o trabalhador tenha acordado com o empregador determinados objectivos e não os cumpra”. Este texto configura por um lado má fé, por outro, indigência mental. Vejamos.
A desigualdade de posições entre as duas partes torna ridículo falar em acordos ou negociação. O lado empresarial poderá sempre impor com ou sem argumentos o que melhor lhe parecer. A concorrência e a crise servem para tudo. Além disto, basta transpor objectivos porventura irrealistas dadas as condições de trabalho, que a empresa tenha acordado com terceiros. O executante poderá então ser penalizado! Absurdo.
Ora, excetuando os casos de micro e em parte pequenas empresas, em que o contexto laboral e as próprias relações humanas são bastante diferentes, o trabalho – salvo raras exceções – é sempre trabalho de equipa. Em termos de gestão não faz sentido falar em objectivos individuais. Em comportamento individual, sim, mas não em objectivos. Aliás, para que isto fique claro, podemos considerar que cada trabalhador poderá sempre argumentar que a montante não lhe foram dadas condições para cumprir os objectivos! Uma miríade de possíveis razões que veremos em parte analisadas na continuação, ao tratarmos do que é e em que consiste a produtividade. Isto, sem falar das utilizadas pelas empresas, para não cumprirem objectivos contratuais e não pagarem penalidades…
No passado, foi consensual que a acção sindical em muito contribuiu para o desenvolvimento económico e o progresso social dos países mais evoluídos. Pelo contrário, esta lei mostra indisfarçável repulsa pela intervenção sindical - considerada nefasta pela actual coligação. São sintomas do processo de acelerada decadência económica e social que a UE atingiu.
Com esta lei (de orientações objectivamente neofascistas) é cada vez mais relativo falar-se em democracia e em Estado de direito no nosso país. Na formal democracia vigente seria legalmente instaurada a ditadura ao nível das empresas.
Lamentavelmente, aqui chegamos com a prestimosa colaboração do PS.
A questão salarial e a pretendida flexibilidade já foram abordadas em temas como “Altos custos salariais”, “Salário de Subsistência” e “Flexibilidade” (em Abril e Junho passados).
Por memória, transcrevemos de “Salário de Subsistência II”:
O” que está subjacente nas declarações de responsáveis políticos (como as da sra. Merklel) e de representantes do grande patronato, configura a mensagem que o convicto aristocrata grego Teógnis deixou para os fascismos e neofascismos através dos séculos: “Esmaga com teu tacão esse estúpido povo, faz-lhe sentir a vara, põe-lhe sobre a nuca um jugo penoso e pesado”.
E de “Flexibilidade I”:
“Nesta visão, os seres humanos dividem-se assim em duas espécies distintas: os puros, detentores do capital e dos meios de produção, perfeitamente racionais e indefectíveis patriotas, e a corja que apenas dispõe das suas capacidades físicas e intelectuais para sobreviver. A corja tem de se submeter à arbitrariedade e ao julgamento discricionário dos primeiros, que seriam juízes isentos em causa própria e acima de toda a suspeita. Uma questão surge: o que é que isto que ver com a “herren volk”, a “raça dos senhores” do nazi-fascismo? Ou com o “homem superior” do sr. Nietzche?
Flexibilizar o emprego é no fundo, flexibilizar o desemprego. É esta a cobertura – não lhe chamemos ideologia – da demagogia neoliberal. É isso que se pretende, de forma expedita e barata ao critério da arbitrariedade que o próprio sistema impõe independentemente das pessoas. Dizia Marx, que o capitalista pode ser um cidadão exemplar, talvez membro de uma associação para a abolição dos maus tratos aos animais e, ainda por cima, ter fama de santidade, mas enquanto capitalista ele é apenas capital personificado e neste sentido, obedece e procede segundo a lógica do sistema.
Vale a pena lembrar o que o pessimista Schopenhauer perante a sociedade do seu tempo, que se pretende aceleradamente ressuscitar, escreveu: “Faz pouca diferença essencialmente ser dono do camponês ou da terra que ele trabalha, da ave ou do seu alimento, do fruto ou da árvore; como diz Shylock: “tirais-me a vida quando tomais os meios que me permitem viver” (Shakespeare - O Mercador de Veneza, Acto IV). “A pobreza e a escravatura são, pois, apenas duas formas – talvez pudesse dizer duas palavras - da mesma coisa, cuja essência é que as energias de um homem se gastam na sua maior parte, não em seu favor mas em favor dos outros; o resultado é em grande parte ele ficar sobrecarregado de trabalho e, em parte, as suas necessidades serem inadequadamente satisfeitas”.
Se o objectivo é a “produtividade” vamos então a seguir falar de “produtividade”.

Sem comentários: