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17 de março de 2012

V IVA O “ESPIRITO POSITIVO”! ABAIXO A REALIDADE!

Esforcem-se mais, srs. comentadores de serviço! Quando todos os indicadores estão em queda é que é preciso mostrar o que valem e porque é que o tempo de antena – tão caro – está à vossa disposição.
O PIB cai em cada previsão, o desemprego aumenta em cada Boletim do INE, as falências crescem, no final da “ajuda externa” vamos estar pior que no início – com amigos destes quem precisa de inimigos…- é pois o momento de se mostrarem à altura do que de vós esperam os quem a gente sabe.
Eis alguns conselhos que a minha experiência como gestor e formador em gestão me permitem dar – gratuitamente, desinteressadamente e com toda a modéstia.
Primeiro que tudo: Espírito positivo: Neguem a realidade!
Quando os senhores apresentadores falarem das dificuldades das pessoas – cai bem, e não ofende – façam um ar preocupado, digam mesmo: “estamos preocupados”. Com ar compungido. Aproveitem, vão aos fados, como diz o Jorge Fernando. Porém, mudem logo de conversa, tem se ser por causa dos compromissos com a troika. E a troika é bom que se saiba, é como o Mistério da Santíssima Trindade ou a infalibilidade do Papa, não se discute: é inquestionável. E os portugueses – sem ninguém lhes perguntar nada do assunto – estão portanto obrigados a votos, quase sacerdotais, de obediência, pobreza e se não de castidade, pelo menos que se cuidem: evitem ter filhos, pois não vão ter condições para cria-los decentemente.
Depois do ar preocupado na circunstância, passem logo ao “espírito positivo”: em 2013, por agora meados, convém remeter as coisas sempre um pouco para mais tarde…Tudo de bom! Já disseram o mesmo em 2000, 2002, 2004, 2006, 2008, 2010, etc., é sempre a mesma “tanga” do sr. Durão Barroso de 2 em 2 anos, mas não tem importância, falem com a autoridade de mestres, que não está lá ninguém para o contraditório.
E quando se chegar a 2013 e continuar tudo a piorar, “espírito positivo", srs, comentadores. O desemprego cresce, ah! mas já aumentou mais, digam: está em “desaceleração”. As falências prosseguem, digam que é “racionalização”. As pessoas passam fome e dificuldades, a pobreza aumenta, o nível de vida desce, considerem que “as pessoas estão a aprender a consumir menos”. O investimento está ao nível de décadas atrás chamem-lhe: “contenção”. Espírito positivo! Se não vão para lá outros.
Além disto, nada de usar expressões que possam levar as pessoas a compreender as verdadeiras causas do que lhes acontece: tudo é culpa dos próprios. Gastaram de mais – embora os salários em 2010 fossem metade da média da UE (1) falta-lhes criatividade e mobilidade, flexibilidade, enfim peguem no arsenal da psicologia, melhor ainda da parapsicologia e zás, atirem para cima deles. Estão desempregados porque não são suficientemente bons, porque não querem trabalhar, peguem em casos isolados, argumentem com exceções  que convence. Digam: conheço mesmo um caso, casos é melhor, de pessoas que… E quanto aos salários, frisem bem: cada um “ganha o valor que produz avaliado pelo mercado.” Claro que isto não se aplica às PPP, aos monopólios, aos consultores do Estado, aos excelentíssimos administradores, etc. Só ao “Zé Ninguém” - na expressão de William Reich.
Nada de falar na saída de lucros e rendimentos do país nem nos impostos não pagos pelo grande capital. Tal como em tempos a Igreja não achava bem que o comum dos fiéis lesse a Bíblia, não é bom que o “bom povo” do neofascismo liberal saiba destas coisas.
Agora, srs. comentadores, palavras e ideias proibidas: greve, sindicatos, descontentamento, manifestações de protesto. Se tal ocorrer por imprevidência do sr(a) apresentador(a) – que não se repita! – fugir do assunto como o diabo da cruz e os vampiros dos dentes de alho e tratar de referir que Portugal é um grande país e já passou por momentos ainda mais difíceis (que grande orgulho ter tido governantes fanáticos e /ou incompetentes!). Dizer que “essas coisas” – com relativo desdém, os bons espíritos entendem – dão má imagem do país aos “mercados” e ser assertivo: “não servem para nada”. Sobretudo, não temer a contradição. Nunca! É tudo pela “boa causa” da especulação, e dos seus queridos lucros sem os quais, convém insistir, talvez nem a Terra não se movesse da mesma forma.
Espírito positivo! Mostrem sempre o lado bom (para quem?). Por exemplo: quando o consumo for zero a Balança de Transações será altamente positiva. Ah! E desta forma, (parafraseando o Chico Buarque) este país ainda vai transformar-se numa imensa Suiça!
Só mais um esforço srs. comentadores: Espírito Positivo! Abaixo a realidade!

1 - A produtividade por pessoa para o total da economia corresponde em Portugal a 77,3% da média da UE 27 (dados Eurostat – 2010). Porém, os “custos salariais”, também para o total da economia eram 59,2% da média da UE 27 (Comissão Europeia – base de dados AMECO – 2011). Sendo os “custos salariais” definidos como a relação entre os salários mais encargos e a produtividade, os salários (com encargos) são apenas 45,6% da média da UE 27!

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