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23 de fevereiro de 2018

Marx




Uma teoria na força da vida
 Jorge Cordeiro

Duzentos anos depois do seu nascimento, o pensamento e a obra de Marx, nas dimensões científica e filosófica que encerram, ecoam com inteira actualidade.

Muitas das ideias de Marx parecem hoje lugares-comuns. A contestação frontal a elementos fundamentais da sua teoria económica e social é timorata. Não porque quem se lhe opõe a aceite na sua essência, mas porque não podendo negar a realidade objectiva, - tanto nas suas múltiplas manifestações sociais como nas correspondentes categorias económicas, - opta por a desvirtuar e subverter.

O marxismo pode ser ostensivamente ignorado no ensino ou adulterado em meios académicos. Pode deliberadamente optar-se por Sócrates e pelo estoicismo em detrimento de Epicuro e dos sofistas na filosofia antiga,   insistir na formatação ideológica preferindo o imaterialismo de Kant com o regime censitário em que desemboca ao igualitarismo de Thomas More ou, no domínio da economia, privilegiar a cartilha de Keynes ou Friedman à robustez do marxismo. Mas não será por a teoria marxista ser mil vezes lida pelo que não é ou simplesmente ignorada que deixa de se expressar nessa realidade em que todos os dias se tropeça nas relações de produção, no lugar de cada um no sistema produtivo, nas raízes da exploração, nas crises cíclicas que evidenciam a crise estrutural do capitalismo (inseparável da sua própria natureza) e no cortejo de dramáticos problemas que lança sobre a Humanidade.

O marxismo não nasceu do nada nem à margem da civilização. Incorporou o que de mais avançado a ciência produzira, como a teoria da evolução de Darwin, e acomoda os desenvolvimentos posteriores, como a teoria da relatividade de Einstein. Tem os seus alicerces nas  expressões materialista e dialéctica da filosofia alemã, na teoria económica inglesa e no socialismo utópico francês. O marxismo mergulha as suas raízes no avanço do conhecimento humano, nos lampejos que libertaram o pensamento de concepções filosóficas e religiosas obscurantistas, que aplicou o método dialéctico e científico não apenas à natureza, mas também à sociedade, demonstrou conceitos económicos, situou a relação da consciência e do ser enquanto produtos do meio social, evidenciou o conjunto das relações de produção e a super-estrutura política, o Estado e a sua relação com o direito de propriedade. Toda uma nova concepção do mundo, em clara ruptura com o pensamento até então dominante.



Nenhuma teoria social e filosófica exerceu acção tão profunda na consciência humana. A força da evidência não permite negar as suas novas noções sobre a natureza do Estado, o papel das classes sociais na história e no seu desenvolvimento, a criação da mais-valia capitalista. Incapazes de desmentir a realidade, os seus detractores optam por iludir os conceitos e as ilações que deles teriam de extrair. 

Não admira, pois, os tratos de polé a que é sujeito. Seja pelos que o atacam abertamente, seja pelos que dele se reclamando o renegam ao recusarem o que significa de inevitável transformação social.

Atomizando a integridade da sua teoria económica: admitem conceitos como o de mercadoria, lucro ou valor mas não querem ouvir falar do salário enquanto expressão monetária da força do trabalho e, sobretudo, afastam o conceito de mais-valia com o que revela de apropriação pelo capital da parte sobrante do valor total do produto criado pelo trabalhador. Compreende-se: se o não fizessem ruiria o esforço para esconder a incompatibilidade de interesses entre trabalhadores (para eles “colaboradores”) e capital, a falsa teorização de que sem empresas e capital não haveria nem emprego nem produto, e a ter de admitir que são os trabalhadores que criam a riqueza.

Amputando a dimensão dialéctica do materialismo histórico, do desenvolvimento social na sua relação com o modo de produção dominante para  apresentar o capitalismo como o estádio último da sociedade humana e ocultar a contradição insanável deste com o desenvolvimento das forças produtivas que conduzirá à sua superação.

Distorcendo o marxismo naquilo que é central como a natureza e papel do Estado: incapazes de o negar, apresentam-no como uma entidade arbitral, acima do conflito de interesses de classe, para iludir o que representa, em qualquer circunstância ou forma, de instrumento de dominação e opressão.

É por isso que aí vemos, na espuma do superficial e do politicamente correcto, a crítica às desigualdades mas verberando a socialização da propriedade; as loas à “sociedade civil” contrapondo-a ao Estado, mas iludindo o que aquela é enquanto mera expressão e premissa deste;  apelos à coesão social, mas a recusa de leis laborais que defendam os direitos dos trabalhadores na balança desigual em que se contrapõem aos do capital no modo de produção capitalista.

A Conferência que o PCP organiza este fim-de-semana, sobre o II centenário do nascimento de Marx é um momento para tornar mais vívido e presente  um legado que, por mais silenciado e deturpado que seja, se impõe com redobrada actualidade.


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