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9 de janeiro de 2021

Histórias

 Agostinho Lopes


Registando as palavras de Deputados do PSD no comentário à polémica dos vencimentos do Conselho de Administração da TAP, «É mais um episódio opaco, errático e lesivo do interesse público», o Expresso de 31DEZ20 atribui-lhes o «Prémio diz o Partido que ajudou a que  a companhia chegasse a este estado». É também digno de realce este registo, esta constatação de um órgão da comunicação social!  

Quando um problema emerge e sobressalta a vida do país, particularmente quando vai custar milhares de milhões de euros ao Orçamento do Estado, quando exige uma comissão de inquérito parlamentar, impondo-se na agenda mediática, absorvendo o espaço noticioso e o comentariado, o percurso, a trajectória, a história da causa ou causas, em geral não consta, dificilmente vê a luz do dia, ou só tem débeis afloramentos.     

O que sistematicamente acontece é os media ditos de referência, esquecerem a história, o percurso de decisões e medidas que conduziram uma empresa, um sector económico, um serviço público a um beco sem saída ou a necessitarem de uma resposta do Estado com custos elevadíssimos para o erário público. Decisões e medidas tomadas ao longo de décadas por sucessivos e diversos governos, de diferentes maiorias partidárias,  integradas em políticas semelhantes. E assim, também com a regularidade de um relógio suíço, se produzem notícias e comentários que ocultam a generalizada co-responsabilidade de PS e PSD em muitos dos graves e grandes problemas que o país e os portugueses enfrentam. Aliás, também de forma generalizada, o partido no Governo sempre conta com o apoio do outro na oposição. Basta lembrar as muitas e cruciais questões da integração europeia, onde nunca faltou o acordo na opinião e voto desses partidos.  

É possível olhar hoje para os problemas que tocam a TAP e esquecer as decisões do desmembramento da empresa de transporte aéreo nacional, separando a infraestrutura aeroportuária, serviços de handling e o serviço de aviação? A liberalização de serviços e actividades? A privatização destes segmentos empresariais e a sua subordinação a lógicas do capital privado, liquidando articulações e sinergias? Os negócios desastrosos da compra da VEM à Varig no Brasil ou da Portugália ao BES? A tomada maioritária de capital pelo Estado, deixando os accionistas privados no comando e gestão da empresa?   

É possível olhar hoje para os custos elevadíssimos do Novo Banco para o Estado, sem relembrar a liberalização e privatizações do sector financeiro levadas a cabo por PS e PSD, a privatização do BES e a reconstituição do Grupo Espírito Santo, apadrinhada por sucessivos governos, e o seu crescimento como um polvo tentacular sobre a economia e a sociedade portuguesas, que os fez «donos disto tudo»? A cumplicidade das entidades a quem em teoria cabia a supervisão e fiscalização – Banco de Portugal, CMVM, etc. – com os seus negócios e negociatas? Sem olhar para o processo de falência do BES e a sua transformação em Banco Mau e Novo Banco? Sem ter em conta a gestão ruinosa e a venda calamitosa do Novo Banco?  

É possível discorrer sobre a carência de recursos profissionais no SNS sem lembrar décadas de «numerus clausus» nas Faculdades de Medicina, a «exportação de centenas de enfermeiros», as políticas de restrições orçamentais e o deliberado caminho para fazer da saúde dos portugueses um bom «negócio», como confirma a responsável da Luz Saúde, SA?

É possível falar do flagelo dos incêndios florestais sem lembrar décadas de criminosas políticas agro-florestais de PS, PSD e da PAC? Ou do estado lamentável dos transportes ferroviários sem rever as criminosas políticas ferroviárias da política de direita de sucessivos governos PS, PSD?

E etc., etc…

Mas esta falta de memórias, estas amnésias, continuadas e persistentes, tem uma utilidade política imensa: são o elemento central que alimenta, suporta, conforta a «alternância» PS/PSD em todos os governos desde1976. Governos do Bloco Central, explicitamente assumidos no conteúdo e na forma por PS e PSD, teriam evidentes vantagens: não haveria  passa-culpas pelas desgraças acontecidas...       


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