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27 de outubro de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO –34.1 - PARADIGMAS I

Paradigma, isto é, modelo, padrão, tipo de conjugação ou declinação gramatical. Aplica-se também à investigação e mais recentemente à economia.
“Temos de mudar de paradigma”, este o mote das cantigas a várias vozes que ouvimos aos srs. comentadores. É bom que nos entendamos sobre o significado das palavras, senão caímos no jargão do economês - político, uma espécie de linguagem estropiada, uma espécie de latinório para levar o comum das pessoas, à superstição em vez do conhecimento.
Se temos de mudar de paradigma económico então vejamos primeiro qual é o padrão ou o modelo seguido. Temos uma economia de carácter monopolista, livre comércio internacional, predomínio da finança usurária e especuladora, livre transferência de capitais, fiscalidade escamoteada pelos paraísos fiscais. Associado a isto tudo, temos elevados níveis de endividamento, estagnação económica global e elevadas taxas de desemprego, com todas as consequências sociais que isto acarreta.
Portanto, não há dúvida que temos de mudar de paradigma! Serão monopólios e oligopólios bons para a economia. Não. Vejamos o que diz o laureado Paul Samuelsen, absoluto defensor da “economia de mercado” (Uma introdução á Economia V.II – Ed. Gulbenkian): “No monopólio constatamos a divergência entre o preço que as coisas valem para a sociedade e o custo marginal para as produzir significa que os recursos sociais não se repartem do modo mais eficiente. (p.178). “É a divergência entre o preço e o custo marginal que constitui o verdadeiro fardo adicional do monopólio (p.180). Diz o mesmo prof., acerca da decantada eficiência e rendibilidade empresarial obtida pelos grande capital monopolista: “a sociedade estaria mais rica se a totalidade das vantagens da eficiência (das empresas monopolistas) chegasse aos consumidores ou se canalizasse para a investigação e investimento teórico e não para o lucro ou se menos dólares se gastassem em campanhas fúteis e mais em investigação científica básica em detrimento de engenhocas patenteadas (p.189). Quanto aos oligopólios Samuelsen não os põe sob menor suspeita: os oligopolistas estabelecem acordos sobre os preços mesmo que não exista evidente conluio, e refere um acórdão do Supremo Tribunal de Justiça dos EUA (p. 184).
Portanto, parece que para os economistas liberais os monopólios eram uma coisa má e que os seus efeitos só poderiam ser reduzidos pela autoridade (do Estado, obviamente) (p.198) ou declarando-os de utilidade pública (p.178). Contra as tendências monopolistas geradas pelo “laissez-faire”, diz ainda, “deve uma nação lutar e manter perpetuamente uma vigilância incessante” (p.196). Isto, sublinhe-se, trata-se um convicto liberal defensor do mercado! Muitas outras citações com a mesma perspectiva poderíamos incluir da parte de defensores da “economia de mercado”.
Quer dizer, mudar de paradigma no nosso país seria acabar com tudo o que representasse monopólios e oligopólios privados. Será isto que os srs. comentadores e srs. professores referem. Não, nada ouvimos neste sentido.
A livre transferência de capitais parece ser também um problema para o nosso país, aliás muito ligado ao anterior. Nos primeiros 8 meses deste ano as SGPS dos grandes grupos económicos colocaram no estrangeiro 8 mil milhões de euros; 19 das 20 empresas do PSI 20 têm as suas sedes fiscais em paraísos fiscais, Estimativas moderadas apontam para 75 mil milhões de euros parqueados nestes ditos paraísos fiscais (cerca de. 50% do PIB).
Parece portanto que desta maneira os portugueses trabalham, mas a riqueza produzida sai do país e a economia estagna. Tem pois de se mudar de paradigma! Será disto que os srs. professores e comentadores falam. Não, nada…
Nos últimos 15 anos, Portugal transferiu para o exterior, em dividendos, juros e outros rendimentos, 51 mil milhões de euros. Esta situação tem tendência a gravar-se devido à venda de empresas ao estrangeiro, designadamente privatizações, e às regras da UE.. A parcela de riqueza nacional que saiu do país em 2010 foi de 3,3% do PIB e no primeiro semestre de 2011, 5,2%. Isto em tempo de crise e troika Este tema é sistematicamente escamoteado pelos comentadores de serviço. Dá a ideia que não se pode criticar nada que ponha em causa as “liberdades” do grande capital.
Mudar de paradigma seria acabar com os paraísos fiscais. Será isto que pretendem? Não, os paraísos fiscais legalizam o roubo à riqueza dos países produzida por quem trabalha e consagra a ligação entre o crime organizado (máfias) e o capital financeiro. O crime organizado dá lucro e “nesta sociedade qualquer coisa que dê lucro torna-se respeitável” (Graham Greene).
Parece também que a fiscalidade funciona de modo inverso ao que há muito e por muitos liberais e reformistas consideravam desejável: como redistribuição de riqueza. Em 2010, o pais afundou-se na crise, no desemprego, na recessão, porém os “25 magníficos” – os mais ricos – aumentaram a sua riqueza em quase 18%. Temos então de alterar o paradigma. Não, não é de disto que ouvimos falar. A economia estagna, a população perde nível de vida, mas a oligarquia prospera. Estranho? Não…Questão de paradigma.
Parece também não haver dúvidas que não é saudável nem sustentável elevados défices públicos de forma prolongada. Como apareceram então estes défices depois de anos de estagnação ou quase? Bem, então podemos ver não sem espanto face ao que nos dizem, que 88% do aumento do défice de 2009 para 2010 se deveu às garantias dadas pelo Estado à banca. Vemos também que o BCE financiava a banca a 1% e esta emprestava ao Estado a 5, 6, 7, 8 e mais por cento! Eram os abençoados mercados! Parece que este paradigma também não está correcto.
Deve então mudar tudo isto? Não, os srs. comentadores e professores nada dizem sobre isto. Deve-se então mudar o quê, do tal paradigma? Bem, deve terminar a instabilidade financeira e a instabilidade cambial. A deflação cambial é má para todos, dizem-nos. Porém, como? Com ar muito sério, diz-se esperar que o G7, o G8 ou o G20 tome medidas. Ah! Agora percebemos, façamos umas preces a um qualquer dos G, para se lembrar de nós pecadores, mas com fé, muita fé, porque até agora as orações, promessas, sacrifícios, não têm resultado.
Quanto aos monopólios, só são maus de forem do domínio público. Encomendem-se então uns sermões “bem escorchados” – como no dizer de Aquilino Ribeiro – e os monopolistas tornar-se-ão éticos (ver Ética). Afinal o capitalismo actual tornou-se simplesmente superstição…
Mas há ou não há soluções no “novo paradigma”. Claro que há e finalmente deparamos com uma proposta concreta: o mal está todo no Estado Social vigente, ou o que resta dele. Diariamente na TV, rádio, jornais defendem-se as austeridades, dize-se que não é possível manter o Estado Social, tenta-se convencer o povo português a ser cada vez mais pobre e desprotegido A deflação monetária é má, mas a deflação salarial é boa, e espante-se, pelas mesmas razões que a outra é má!
Afinal não há nenhum novo paradigma, Há que levar o actual às últimas consequências: a economia do desemprego, da desigualdade, da ineficiência monopolista, da estagnação económica e regressão social, para garantir que os superlucros dos monopólios e da especulação continuem em alta.

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