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1 de novembro de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO –34.2 - PARADIGMAS I I

Sair da crise capitalista, ou sair do capitalismo em crise?
Na 1ª Parte deste tema abordámos o que seria necessário para um novo paradigma: uma estratégia política, económica e social contra os monopólios e a especulação financeira. Porém com espanto – ou talvez não – verificamos que quem muito clama por novos paradigmas nada disto quer mudar.
Mudar de paradigma seria reconhecer que as privatizações foram um factor de degradação económica e social. Quanto mais se privatizou menos o país cresceu, maiores dificuldades se sentiram, mais aumentou o défice do Estado. As privatizações realizadas entre 1987/2008, deram uma receita ao Estado que atingiu, a preços correntes, 28.039,6 milhões de euros. Não esqueçamos que o principal argumento era a redução do défice do Estado, além de manipulação ideológica como a “vocação do Estado”, etc. Ora, durante aquele período, a Divida Pública passou de 19.094,4 milhões de euros para 110.346,6 milhões de euros também apreços correntes, ou seja, cresceu 5,8 vezes. (1) Contudo, mudar o paradigma é continuar a privatizar! Afinal privatizar – já tem sido dito – é alienar património público acumulado durante gerações em benefício exclusivo da camada monopolista.
Diz-se também que se deve mudar de paradigma porque o Estado devido aos seus défices absorve todo o crédito disponível. A nível internacional diga-se que o défice do Estado português, é pouco mais que uma gota de água no pântano das dívidas e necessidades de financiamento público e privado por esse mundo fora (por ex. é cerca de 1% de dívida pública dos EUA e de 1,6% da UE). A nível nacional se verificarmos que o Estado se endividou devido aos apoios ao sistema financeiro, aos casos BPN e BPP, às verbas transferidas para as famigeradas PPP e similares no sector dos transportes, no pagamento de juros usurários devido à forma como o BCE é gerido com o acordo da seita neoliberal a nível europeu, compreendemos donde veem os défices e o que seria “um novo paradigma”.
Mudar de paradigma seria também reconhecer que não é possível o país subsistir em termos de mercado aberto à livre concorrência internacional com a mesma unidade monetária que a Alemanha, que se situou cerca de 40% acima do dólar dos EUA. Desde a adesão ao euro, entre 2000 e 2010 o crescimento médio do PIB foi de apenas de 0,93%, isto é, uma grave situação de estagnação que se aprofunda com as previsões para 2011 e 2012 caindo para cerca de 0,4% ao ano em termos médios desde 2000.
Porém, parece que ter outra moeda seria uma espécie de apocalipse. A pergunta então a fazer seria: mas se sabem tanto como não previram nada quando aderiram ao euro…e no entanto houve quem os avisasse que seria um desastre. Era o pelotão da frente – diziam monetaristas e seguidistas. Veja-se onde estamos. Será que os homens do novo paradigma podem dizer de que forma podemos ser competitivos e equilibrar a Balança de Transacções – é por aí que nos endividamos -  com esta moeda? Seria bom que o explicassem, mas com números. Qual o nível de salários que pretendem – no seu paradigma – para sermos “competitivos”?
O novo paradigma tem de facto uma proposta, a única, concreta e parece resumir-se a: o modelo social acabou! É insustentável, não há maneira de o manter. Depois são lançadas questões perturbantes, sem resposta direta, para as pessoas se habituarem à perda de direitos, como se eles já não soubessem de antemão o que pretendem. Questionam, meio angustiados: qual será a dimensão da saúde, da educação, das pensões de reforma que vamos ter? Solução proposta: os cidadãos têm de deixar que os políticos definam e proponham o que virá a seguir. Isto é, ditadura disfarçada a bem dos monopolistas…
Os apoios sociais são estigmatizados pelos senhores do neoliberalismo, no entanto foram no passado e são hoje, justificados não apenas por serem direitos, não apenas por representarem solidariedade, mas por serem o que se designa por estabilizadores económicos: 17,9% da população, ou seja, cerca de 1,9 milhões de portugueses viviam com rendimentos abaixo do limiar da pobreza. Isto depois das transferências sociais. Se essas transferências forem eliminadas ou reduzidas, como este governo pretende, a taxa de risco de pobreza subiria para 43,4%. (2)
E há quem afirme que o modelo social é uma anomalia da História com 60 anos, comparados com 10 000 anos de civilização (desde o neolítico!). Acho que para serem coerentes estes senhores não deveriam fazer uso da medicina destes últimos 60 anos, é sem dúvida uma anomalia da História, tratem-se com Hipócrates ou Paracelso – e já é um grande progresso. E quando se sentirem mal, peçam que lhes façam uma sangria, tratem-se com a teoria dos “humores”. O mais adequado seria não utilizarem nenhum dos avanços da civilização dos últimos 60 anos (ou dos últimos 10 000?!). Parece assim que a solução capitalista para a crise que os sábios do sistema propõem é mandar o povo de volta para a idade da pedra…polida.
Mas não há dúvida que os srs. comentadores estão nervosos. (ver “Os comentadores no seu labirinto – agosto 2011). A angústia dos senhores do novo paradigma é como o povo vai reagir. O que pretendem é uma regressão de séculos na história das lutas e conquistas do povo trabalhador. Voltar ao tempo dos 3 Estados: clero, nobreza e povo. Agora: oligarcas (monopolistas e financeiros); burocratas (políticos neoliberais, tecnocratas e comentadores ao seu serviço); povo (os demais, com direito a votar de 4 em 4 anos). Votando tantas vezes até satisfazer a oligarquia – caso da Irlanda no Tratado de Lisboa – ou deixando de votar como no caso da França, etc. Com estas más experiências o sistema agora é fazer as coisas à sorrelfa – caso do Mecanismo Europeu de Estabilidade. (3)
Não se diga no entanto que além de se voltar ao tempo, para certas pessoas saudoso, do pé descalço e da miséria pelas esquinas, não há soluções para o futuro: diz-se então ser preciso que as pessoas mudem, deixem de ser vulgares, preguiçosas, golpistas, ignorantes e mentirosas.
Que profunda descoberta! Porém, de quem se fala? Parece que se trata dos “portugueses” que são tudo isto, daí a razão do país estar como está. Os portugueses, mas todos? Também os seus amigos e conhecidos? Os que tal afirmam? Não – dirão – a maioria. A maioria? Qual maioria? Quantifiquem. Difícil quantificar, mas são muitos. Muitos? Então quantos? Dado não se dizer um número, deduzimos que serão alguns. A recomendação a fazer a estes senhores é que procurem conhecer e relacionar-se com gente de melhor qualidade.
O que é espantoso é querer resolver a crise financeira que assola os países da UE à custa do roubo a quem trabalha ou trabalhou, sob a designação genérica de austeridade quando se sabe que para restabelecer a rentabilidade do capital e o funcionamento normal do sistema bancário europeu seriam necessários fundos que se calcula serem da ordem do 3,5 a 4,5 biliões de euros.
Mas há outra condição para que o “novo” paradigma possa funcionar: é que os espoliados da riqueza que produzem, as dezenas de milhões de desempregados, os precários em números crescente se mantenham desunidos (4) tal como as vítimas da redução ou do final dos apoios sociais.
Afinal a que se resume o “novo” paradigma: teoria do conformismo, da superstição, da desigualdade, da arbitrariedade ao sabor dos interesses dos mais poderosos, tudo isto, como ordem natura e “inevitável”. Uma ordem que, parafraseando Bertholt Brecht em Mahagonny, se resume a não pecar contra as leis que tornam os ricos, mais ricos e mais felizes.
A única questão que se coloca quanto a “mudar de paradigma” “não é como sair da crise capitalista, mas sim como sair do capitalismo em crise. (4)

1 - Os falsos argumentos para privatizar Empresas Públicas por Eugénio Rosa 14/Abril/2010 http://resistir.info
2 - Está em curso em Portugal uma gigantesca redistribuição do rendimento em benefício dos que já mais têm por Eugénio Rosa  22/Julho/2011 http://resistir.info/
3 – “MEE, o novo ditador europeu” e “MEE, Um golpe de estado em 17 países” por Rudo de Ruijter http://resistir.info/ -
4 – www.legrandsoir.info/Crise-Le-capitalisme-d-oligopoles.html - 12-Maio-2009 Entrevista de Samir Amim (Professeur agrégé de sciences économiques) a Pascale Fourrier.

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