COMO SÃO BONITOS OS CÍRCULOS UNINOMINAIS
(OU UMA MONSTRUOSIDADE DEMOCRÁTICA, OU AS ELEIÇÕES NO REINO DE SUA MAJESTADE…)
Conhecidos os resultados das eleições legislativas no Reino Unido no passado dia 8 de Maio, o grande tema, entre a “vitória colossal”, ou “retumbante”, ou “esmagadora”, dos conservadores e a “derrota brutal” dos trabalhistas, passando pelo resultado histórico dos independentistas da Escócia ou o falhanço (?) do UKIP, sobressaiu nas notícias e comentários dos media, portugueses: a dissonância, a discordância, a contradição entre as sondagens e os resultados eleitorais verificados. O negócio das sondagens dá que falar! Alguns comentários.
1. A informação completa e objectiva dos resultados, foi coisa que não houve
Quem quisesse reflectir sobre as eleições britânicas a partir dos resultados eleitorais noticiados estava feito! Apenas a 11 de Maio, um periódico português especializado, o Diário Económico, forneceu uma informação mais larga dos resultados, percentagens, mandatos de cada partido e taxa de abstenção, mandatos comparados com a eleição anterior! Mesmo assim: valores absolutos das votações não há! Dezenas de notícias e informações desde a data das eleições e dos resultados, de facto, zero ou quase! Mas, conhecendo-os, percebe-se bem porquê. Não justificam as parangonas feitas – excepto sobre as sondagens – nem suportam as explicações dadas pela generalidade dos comentadores. Mas, fundamentalmente, põem em causa um sistema eleitoral – de círculos uninominais – que muitos apresentam como a salvação nacional!
Quais foram então os resultados em votos, em percentagens eleitorais, em mandatos, e a sua evolução face às eleições de 2010?
Os “Conservadores”, com 36,9% dos votos, pouco mais de um terço dos votos expressos, tiveram uma maioria absoluta de mandatos: 331! 50,9% dos mandatos! Tiveram mais 0,8 pontos percentuais do que em 2010 (36,1%) e mais 25 deputados! Não é por acaso que o PS e o PSD, o querem encomendar…
Os “Trabalhistas”, com 30,4% dos votos, mais 1,4 pontos percentuais que em 2010 (29,0%), alcançam 232 mandatos, menos 26 deputados! Então subiram ou desceram??? Estes Trabalhistas são mesmo encrencas, sobem de votos e descem de deputados! Extraordinário: uma diferença de 6,5 pontos percentuais, entre as percentagens de votos de uns e outros, assegura uma diferença de 99 deputados – mais de 15% do nº total de deputados! É obra!
O UKIP, o tal xenófobo, que os Conservadores vão copiando, com 12,6% dos votos, mais que quadruplica a votação face a 2010, 3,881 milhões de votos, e tem um mandato! Um mandato só? Sim, e “toma que é para aprenderes” as maravilhas do sistema inglês! Num sistema proporcional poderia ter cerca de 80/85 deputados!
O SNP/Escocês, com 4,3% dos votos tem 56 mandatos! Mais 50 deputados que em 2010! Há engano de certeza! Então o UKIP com 12,6% tem um, e o SNP com 4,3% tem 56?! Como é possível? É, e os Liberais–Democratas, que estavam coligados no Governo com os Conservadores, com 7,9% dos votos, têm 8 mandatos e perderam 49 deputados!
Mas a situação torna-se deveras esclarecedora com os valores absolutos dos resultados, aquilo que nenhum órgão da comunicação social deu. Se tivermos em conta esses valores, os que traduzem efectivamente a distribuição das escolhas dos eleitores e a sua evolução face a eleições anteriores, outras conclusões são possíveis. Em valores absolutos, os Trabalhistas cresceram e tiveram mais 740 mil votos face a 2010, isto é, mais 109 mil votos que os Conservadores, que cresceram mas, obtiveram apenas mais 631 mil votos! Mais notável é o facto, sobre o qual se fez silêncio quase absoluto, de os partidos da coligação do governo (Conservadores e Liberais Democratas) perderem juntos cerca de 3,8 milhões de votos (22% dos votos de 2010)! Isto é, a grande vitória dos Conservadores, pode resumir-se a terem captado, no conhecido “abraço de urso”, uma fracção reduzida (14%) dos votos perdidos pelos Liberais Democratas! (ah CDS, que habilidade!). Num balanço mais global, lendo as votações das forças com mais de um milhão de votos (96% dos votos expressos) e dentro de uma classificação esquerda/direita (discutível), poderíamos ainda dizer que a “esquerda” (Trabalhistas+SNP(Escoceses)+Verdes) ganhou 2,6 milhões de votos, o que contrapõe às perdas de 3,8 milhões da “direita” (Conservadores+Liberais Democratas). Mesmo que juntássemos a esta os ganhos do UKIP (3,0 milhões), ainda assim, esta direita mais larga, perdia 800 mil votos!
Acrescente-se que, com um sistema proporcional (espelhando minimamente a vontade dos eleitores), os Conservadores, mesmo novamente aliados aos Liberais Democratas, ficariam bastante longe da maioria absoluta de mandatos. Para a obterem, teriam de juntar os deputados do UKIP! Isto é, os Conservadores só vão formar um Governo com o apoio de uma maioria absoluta no Parlamento, pela completa distorção do sistema eleitoral na transformação de votos em mandatos!
2. A maravilha dos círculos uninominais
Haja aí um adepto ferrenho dos círculos uninominais para explicar isto tudo, e as maravilhas que podem fazer à democracia portuguesa. Já sabemos que alguns virão com um tal círculo nacional compensatório, que nunca mas nunca, travará a dinâmica eleitoral local e regional da votação uninominal, personalizada, antes a reproduzirá a nível nacional, submergindo a compensação de proporcionalidade, que em teoria devia produzir…
Já agora também ninguém comentou (nem o seu valor foi em geral referido) a enorme capacidade mobilizadora deste sistema no combate à abstenção – que foi 33,9%6 (34,9% em 2010)! Muito próxima da abstenção real em Portugal, sem círculos uninominais! Um terço do eleitorado, mesmo com os tais círculos maravilha, e os tais deputados “bem conhecidos, bem ligados aos eleitores”, não votou – o que significa que o Cameron tem uma maioria absoluta com 24% dos eleitores, menos de um quarto!
Esperava-se outra reflexão, face à centralidade que o tema do regime eleitoral português (e sobretudo a questão dos ditos “círculos uninominais”) tem assumido nos últimos tempos no debate político. Porque tem sido dado como culpado de tudo e mais alguma coisa, na má representação dos eleitores, no mau funcionamento da Assembleia da República, na desresponsabilização e afastamento dos eleitos dos eleitores, e sobretudo na situação de desastre a que o País chegou e em que vive. De facto um óptimo e oportuno bode expiatório para a direita, e também para gente que se diz de esquerda, ocultarem as opções e as políticas de direita do PS, PSD e CDS, que nos conduziram ao buraco que todos conhecemos! Esperavam-se toneladas de artigos e comentários sobre a monstruosidade eleitoral e democrática evidenciada pelo regime eleitoral britânico, e nada! Esperava-se, pelo menos, um comentariozinho dos adeptos dos círculos uninominais que vêem neste regime eleitoral a varinha mágica para a solução de todos os problemas nacionais…Mas nada!
Havia pelo menos a esperança que o correspondente do Canal Público da Televisão a acompanhar as eleições (que descobriu, calcule-se, que nas eleições britânicas a campanha eleitoral se faz porta-a-porta… pois nunca disto houvera visto… em Portugal) fizesse qualquer comentário crítico sobre o mostrengo do mecanismo eleitoral inglês, que transforma votos em mandatos… e nada!
3. Justificações do sistema eleitoral e explicações dos resultados
Tivemos afloramentos justificatórios, quando não a defesa do sistema! Rui Tavares fala de “um sistema eleitoral enviesado por tradição”, e pronto…Manuel Caldeira Cabral fala de que “O sistema eleitoral maioritário permite estas discrepâncias”. Só? A Teresa de Sousa (TdS), de que “tem defeitos de representação? Tem mas já tinha antes.”, e logo…nada a fazer. Para TdS há “um aspecto saudável no sistema britânico, que é a responsabilidade directa de cada eleito perante o seu círculo eleitoral”. “Saudável”, mesmo que subverta de forma quase absoluta a vontade dos eleitores expressa pelo nº de votos? Se o círculo não for uninominal, não há responsabilidade directa dos eleitos? Então de quem é? O Paulo Rangel (PR), acha que o sistema é “altamente desproporcional e conduz a distorções da representatividade” mas… o amor dos britânicos pela “estabilidade política”, que em geral produz “maiorias absolutas” (mesmo que em contrapé das votações), leva tudo de vencida…o que não andará longe de uma paz dos cemitérios que tão bem conhecemos, onde a estabilidade é absoluta…Não esclarece contudo a grande instabilidade dos sistemas proporcionais…ou o facto de as eleições de 2010 no Reino Unido não terem produzido nenhuma maioria absoluta, e ter “havido” estabilidade até 2015…Para outros, este problema nem sequer é um problema!
Mas compreende-se bem a empenhada defesa ou a subestimação do seu importante e grave significado político. Não pôr em causa o iníquo, do ponto de vista eleitoral e democrático, sistema britânico, significa não querer tirar conclusões do que aconteceria com um sistema proporcional que transformasse, de forma verdadeira, a vontade dos eleitores expressa nas urnas em mandatos e, logo, em correspondente composição do Parlamento. Tal significaria que nem trabalhistas nem conservadores teriam a maioria absoluta, e seriam obrigados, para governar, a fazer alianças e a revelar as suas reais opções políticas. Ou a constituírem coligações de bloco central, conservadores/sociais-democratas, como sucede na Alemanha e noutros países europeus, pondo a nu a fraude da pretensa oposição/distinção entre os programas políticos de uns e outros! Evidenciaria que não são de facto alternativa uns aos outros, mas apenas alternância “no poleiro” para executarem a mesma política.
Não são melhores as explicações para os resultados, que começam por ser subvertidos por leituras no mínimo superficiais, em geral, preconceituosas e capciosas! Basta atentar nos adjectivos classificatórios dos resultados de Conservadores e Trabalhistas.
Para João Carlos Espada (JCE), “ o erro clamoroso”, pelos vistos mortal para o Ed Milliban, foi o “de se avistar com um tal Russel Brand”, conhecido humorista – “autor de um livro chamado Revolution” (Cruzes! Canhoto!) – “que ataca as democracias parlamentares, o Estado-nação e a desigualdade capitalista”! Encontro que depois foi propagandeado nas redes sociais… e daí o desastre trabalhista, apesar de ter tido mais 740 mil votos…
Para TdS foi a “viragem à esquerda” dos Trabalhistas com este Ed Milliban, “que trouxe de novo o espectro que tantas vezes impediu o Labour de ganhar eleições: a falta de credibilidade para gerir a economia”. Exatamente como diz Francisco Assis (FA), “Renegou à herança blairiana e reposicionou o partido substancialmente à esquerda (…)”, e logo, “soçobrou por um problema de credibilidade”. (António Costa, já sabes como é…) Estranho, porque essa viragem não lhe fez perder votos, mas sim, registe-se mais uma vez, ganhar mais 740 mil votos, que não foram, é certo, suficientes…(FA esqueceu-se foi de falar do êxito em Portugal desta “herança blairiana” com A. Guterres)! Já na Escócia, “o trabalhismo” do SNP mais à esquerda que o “trabalhismo” do Ed Miliband, deu o resultado contrário…mas então aqui é apenas o nacionalismo que explica… Mas qual era o conteúdo da viragem à esquerda do Ed Miliban? Não explicam…
Para PR, foi o amor à estabilidade dos britânicos, que odeiam coligações, e o sucesso económico das políticas do Governo Cameron/Clegg (causa partilhada por JCE e TdS). Pelos vistos tais êxitos não impediram o afundamento do parceiro de coligação, Liberais-democráticos, com menos 4,420 milhões de votos! Ora isto não casa com as políticas que PR apoia em Portugal…. E se o “êxito” de Cameron tem algum sentido em matéria de emprego – “assente na criação de empregos com baixas qualificações, baixa produtividade e salários baixos”, segundo o Banco (central) de Inglaterra - no resto, está bem abelha… não tem nada a ver com o cenário-ficção, dos nossos comentadores. Talvez seja a influência dos oásis de Coelho e Portas. Sobretudo, porque não tem em conta a situação diferente do Reino Unido, com moeda própria, fora do euro, e com a praça financeira (City) que se sabe, a gerir um QE (Quantitative Easing) à americana desde o início da crise. E mesmo assim, sem o cumprimento das metas do PEC/Tratado Orçamental, que a ferro e fogo o PSD/CDS, e também o PS, conforme as ordens da CE e FMI, querem que Portugal realize: o défice orçamental vai em 6% do PIB, e a dívida pública cresceu de 2010 a 2015 e está nos 90%! É claro que JCE e outros, aplaudem as privatizações e ataques que o Governo de Conservador/Liberal Democrata faz ao SNS, à Escola Pública, aos apoios sociais…o que não é uma novidade, já os governos trabalhistas os tinham iniciado…
Acrescentem-se os considerandos de Luís Reis, de que “Os eleitores rejeitaram (…), sem apelo nem agravo, o populismo, os Beppe Grillo mais polidos e fleumáticos (como Nigel Farage)”. É uma rejeição estranha, quando lhes deram 3,881 milhões de votos, transformando-os na 3.ª força política!.
Mas, para lá das explicações, há uma conclusão fundamental. Uma coisa que sabemos de ciência certa: é que um tal sistema maioritário com círculos uninominais, assegura a continuidade, continuidade, ou a continuidade alternância, e põe o capital, e as forças político-partidárias que o defendem, a seguro de sobressaltos eleitorais…e é por isso tão querido de PSs e PSDs…
E, é claro, a polémica das sondagens, evitou que se desse visibilidade à monstruosidade eleitoral e política do sistema britânico dos círculos uninominais… e a um debate centrado nas reais escolhas políticas dos partidos e dos cidadãos do Reino Unido! A começar por esta questão: qual é a diferença política substancial entre Trabalhistas e Conservadores? O valor da factura a pagar pela União Europeia a sua Majestade?
AL/18MAI15
1 comentário:
usei: http://ocastendo.blogs.sapo.pt/a-democracia-dos-dominantes-1909868
Enviar um comentário