O espectro do aprofundamento da crise
As deflagrações bolsistas que se verificaram desde o início deste ano vieram mostrar que a recuperação da crise dita de 2007/2008 tinha pés de barro, e que as políticas utilizadas parar a ultrapassar criaram novos factores explosivos, podendo tornar uma nova «crise» muito mais violenta e de controlo muito mais difícil.
Razão parece ter o Royal Bank of Scotland quando, em 15 de Janeiro deste ano, anunciou que 2016 será «um ano de cataclismo».
A inquietação e as dúvidas estão instaladas, e agora, como alguns preveem, só basta aparecerem os famosos «cisnes pretos» – acontecimentos imprevisíveis que desencadeiam movimentos de pânico de grande envergadura para se verificarem afundamentos globais com repetição certa e de difícil controlo.
As dúvidas e inquietações repousam sobre a evolução e os efeitos da continuação dos baixos preços do petróleo, da real situação de muitos bancos, alguns considerados «sistémicos», como o Deutsch Bank, e da «shadow bank», banca paralela; do crescimento mundial, da saúde das economias americana, chinesa, japonesa, da União Europeia, e das repercussões da situação dos países ditos emergentes.
Alguns vão mesmo ao ponto de apontarem similitudes com o que se verificou em 2007, com a falência de dois fundos especulativos e do banco americano, Bear Stearns, e o pânico que levou numerosos detentores de títulos a procurarem, ao mesmo tempo, desfazerem-se deles, designadamente dos assentes em hipotecas imobiliárias, desencadeando um forte movimento de desconfiança, atingindo as bolsas mundiais, o rastilho da grande crise.
Do outro lado do Atlântico, em Dezembro de 2015, os fundos especulativos, como o New York Third Avenue, ou ainda o Stone Lion, faliram, incapazes de fazer face à retirada massiva de fundos, o que, conjuntamente com as já verificadas fortes tensões nas bolsas, designadamente na China, criaram de novo o receio geral, tanto mais que os acontecimentos de 2007/2008 estão ainda bem presentes.
Outros chamam a atenção para o paralelo entre 2001/2006 com o que se verificou entre 2012/2015 – explosão da valorização de certas empresas start ups, novas «bolhas», e o acentuado crescimento de «derivados de base duvidosa» e, designadamente, a estagnação dos salários, e mesmo a sua diminuição em termos reais verificada em vários países durante estes últimos anos.
Citamos estas referências ao paralelismo só para chamar a atenção para o clima de receio e de intranquilidade que está instalado nos investidores/especuladores.
Por que é que esta crise poderá ser mais violenta que a de 2007/2008, e com características e acontecimentos diferentes?
Porque, para acudir ao sistema financeiro, todos os bancos centrais, sendo o BCE o último, lançaram-se, na política designada de «quantitativ easing» (QE), injecções de liquidez, com o objectivo de, através da política monetária, isto é, da abundância de dinheiro e barato, impulsionarem a actividade económica e a capitalização e desendividamento da banca.
Se, no quadro do sistema e em termos de classe (valorização do património), estas políticas têm racionalidade, o seu prolongamento cria e criou novas contradições.
Como não houve um QE – quantitativ easing para os povos – «helicopter money» para os trabalhadores, a estagnação salarial e o baixo investimento público por parte dos Estados a braços com elevadas dívidas públicas, não houve impulso significativo da procura.
Perante a abundância de liquidez a banca não a canalizou para a chamada economia real por não encontrar aí rentabilidade mas, sobretudo, para a especulação, com novos títulos, criando «novo lixo tóxico» especulativo, capital fictício e, portanto, novas «bolhas». Teoricamente o excesso de moeda deveria aumentar a inflação. Tal não se verifica porque ela não chega às massas.
A liquidez dada pelos Bancos Centrais constitui hoje o material explosivo pronto a deflagrar, e o fazer cessar ou reverter as injecções de liquidez é muito difícil pois todo o sistema está ligado à máquina do quantitativ easing, como a economia americana o está a demonstrar.
Na Zona Euro, o BCE, ao contrário dos outros Bancos Centrais, não concedeu nem concede empréstimos directamente aos Estados, alimentando, assim, mais que os outros, as «bolhas especulativas» fabricadas pela banca.
Mesmo a fraca retoma da Zona Euro está ameaçada e a operação «Bail in» engendrada para tentar calar a opinião pública indignada com os auxílios à banca recairem sobre os contribuintes, tem alimentado ainda mais a desconfiança.
Com a «resolução» «Bail in» em caso de falência de um banco, os accionistas serão chamados a pagar o resgate (em parte), bem como os detentores de certas obrigações (cocos) e os grandes depositantes.
Mas, neste quadro de inquietação e pânico, o que aconteceu, por exemplo, aos quatro bancos italianos que faliram e em que numerosos pequenos accionistas tudo perderam, criou ainda mais receios na a opinião pública . Em caso de falência de um banco, não há certeza nenhuma do que acontecerá às poupanças de numerosos depositantes!
Não estamos como em 2000 (bolha das novas tecnologias), nem como em 2007 (imobiliário), com um único material explosivo, mas no conjunto o cocktail está formado; derivados, crédito mal parado, dívida privada (famílias, empresas) elevadíssima, pressão deflacionária e, na Zona Euro, a crise dos refugiados, a possibilidade de um «Brexit», a incerteza política em Espanha, o agravamento da situação na Grécia e a difícil situação de vários bancos.
Os grandes bancos ditos sistémicos estão hoje mais vigiados, embora tenham contornado ou evitado grande parte da regulamentação, mas o que é certo é que a banca sombra ainda está menos vigiada e regulamentada do que estava o sistema financeiro em 2007.
Segundo o Finantial Stability Board a «shadow bank» detinha, no fim deste ano, mais de 50% dos activos financeiros, cerca de 120% do PIB mundial (201.580.000 milhares de milhão de dólares, contra 50.000 milhares de milhão em 2007).
Como se vê, material explosivo não falta.
Três anos após a falência da Lehman Brothers e da difusão da teoria do «too big to fail», o G20 reconheceu a existência de 28 bancos ditos sistémicos. Estes 28 bancos, como afirma o economista francês François Morin, constituem um oligopólio «que é tudo salvo o interesse público». A sua posição dominante confere-lhe poderes análogos às grandes instituições públicas, designadamente a capacidade de fixar o preço do dinheiro, e têm um poder que domina o poder político.
Segundo Morin, a «bolha» actual das dívidas públicas foi alimentada directamente pelos efeitos da crise financeira.
A capitalização e o desendividamento da banca foram feitos, no essencial, à custa das dívidas públicas, que cresceram exponencialmente. Como já alguém disse: ou a questão da dívida pública se resolve a frio ou ela rebentará a quente» pela falência de um Estado ou de um banco do «oligopólio».
A globalização dos mercados financeiros, permitida pela grande conquista do capitalque foi a livre circulação de capitais verificou-se sobretudo a meio dos anos 90 e, com ela , acentuou-se a financeirização da economia e a repetição, com prazos relativamente curtos, das chamadas crises sistémicas financeiras. Cada uma das crises teve a respectiva montanha de «produtos financeiros derivados» que são, no essencial, apostas. Estes produtos praticamente não existiam antes de 1970. Desenvolveram-se sobretudo nos anos 90, atingindo hoje um valor (real) várias vezes superior ao Produto mundial. A montanha do capital fictício é gigantesca. Está constituída uma autêntica pirâmide D. Branca, ou de Ponzi!
Os mesmos que em 2007 disseram que a crise era passageira e que a banca estava regulada são os mesmos que agora dizem que estas explosões bolsistas não atingem os grandes bancos mas apenas pequenos fundos e pequenos especuladores, e que, por isso, não se corre o perigo de 2007!
Na nossa opinião será muito difícil evitar novas explosões, embora com contornos diferentes:
a) A explosão pode verificar-se em várias áreas e não só numa (imobiliário), como em 2007, embora a especulação com títulos de divida pública seja já preocupante.
b) O volume de capitais que se desloca é incomensuravelmente maior, portanto muito mais devastador e de difícil controlo, podendo gerar em períodos curtos crises bolsistas significativas que acabarão por reflectir-se na chamada economia real.
c) A saída de capitais dos países emergentes, a especulação em relação à bolsa e a moeda chinesa, em relação à moeda japonesa, franco suíço, mostram também que os factores de instabilidade são muito mais numerosos, e que a chamada guerra das moedas atinge novas amplitudes.
d) Os Bancos Centrais, que têm desempenhado sempre o papel de último recurso, estão a ficar sem munições para responder a uma próxima crise. As armas de liquidez e das taxas de juro têm limites. Liquidez há em excesso, e a utilização de taxa de juro aos níveis em que se encontra já pouco efeito terá. Haverá a tentação da política das taxas de juro negativas por parte da FED. E não é certo que não voltem ao QE.
e) Acresce que continua a haver sobre-acumulação, capacidade produtiva instalada não utilizada, que o progresso tecnológico liberta muitos mais empregos do que os que cria e em em vez da redução das jornadas de trabalho ainda as prolongam , que o poder aquisitivo das massas não aumenta e a concentração de riqueza, que continua a acentuar-se, ainda agrava mais a insuficiência do consumo global.
f) Por outro lado, as economias não só não arrancam como abrandam, e a pressão deflacionista mantém-se.
g) Com a crise e a tentativa de aumentar o consumo, não pelos salários mas pelo crédito, faz aumentar o crédito mal parado, em muitos bancos, que é uma ameaça real.
Esta congregação de factores não promete grande futuro. Iremos certamente assistir a grandes movimentos pendulares, com crises bolsistas mais frequentes e, sem querermos ser Cassandra, não excluímos , pelo contrário, uma nova , mas mais devastadora recessão global.( ver poster aqui ontem publicado por G. Fonseca)