Dívida Pública: Causas, consequências e soluções
A análise da evolução da nossa dívida pública e do nosso endividamento externo líquido ao longo das últimas duas décadas é indissociável da nossa adesão à União Económica e Monetária e ao Euro.
Desde que o euro entrou em circulação, a taxa de crescimento médio anual do PIB português foi nula, o nosso país produz hoje a mesma riqueza do que em 2002, o investimento caiu a pique, a dívida pública apesar das dezenas e dezenas de privatizações efectuadas aumentou continuamente, o nosso endividamento externo líquido quase duplicou, a taxa de desemprego em sentido lato mais do que triplicou, a destruição de emprego atingiu os 11,5%, meio milhão de portugueses viram-se forçados a emigrar e mais de ¼ dos portugueses são pobres.
Estes treze anos perdidos não são apenas consequência do euro, mas também das privatizações e consequente liquidação e dominação do aparelho produtivo pelo estrangeiro e da distorção da estrutura produtiva entre sectores de bens transacionáveis e não-transacionáveis.
É certo, também, que ao longo deste período se verificou o alargamento da União Europeia (EU) a países com estruturas produtivas concorrentes das nossas e sem que o Orçamento Comunitário fosse reforçado, diminuindo ainda mais o seu já limitado efeito compensador ou redistributivo.
Todos estes acontecimentos, uma política neoliberal e uma moeda muito valorizada, colocaram-nos em permanente perda de competitividade.
Nos primeiros tempos após a adesão ao euro foi também difundida a crendice de que a partir da integração no euro a questão do endividamento e do financiamento da economia deixavam de ser problema.
Sempre contestámos esta simplificação e desde sempre afirmámos que, com o agravamento da dívida, os credores externos se iriam assenhorear dos principais activos da nossa economia. Foi aquilo a que assistimos nos últimos anos com quase todos os grandes grupos económicos do sector financeiro, energético, cimenteiro, de telecomunicações, de transportes e infraestruturas rodoviárias e aeroportuárias, a passarem para as mãos de capitais estrangeiros. A agora tão falada e temida espanholização do nosso sector financeiro encontra a suas raízes nas políticas prosseguidas desde a adesão à UEM e ao euro.
Com a crise do subprime que rebentou no sistema bancário dos Estados Unidos em Agosto de 2007 e rapidamente atravessou o Atlântico, o sistema bancário europeu seria fortemente afectado e os Estados, sempre argumentando com o chamado risco sistémico, viriam a assumir grande parte destas dívidas, transformando-as de privadas em dívidas públicas.
Os desastres do BPN, BES e agora do BANIF e um conjunto de outras intervenções públicas de apoios públicos ao sector financeiro representaram um esforço financeiro bruto de ajudas do Estado Português à Banca, entre 2008 e 2015, de pelo menos 11,2% do PIB (mais de 20 mil milhões de euros).
O nosso país viu neste período disparar os seus défices públicos, a sua dívida pública e a sua dívida externa e entrou num período de forte recessão, com o PIB a cair em quatro dos últimos 7 anos e a situar-se hoje cerca de 5,5% abaixo do valor atingido em 2008.
Sem moeda própria, sem possibilidade de emitir moeda para financiar os seus défices cada vez maiores, como resultado da estagnação económica e das intervenções em salvação da banca, Portugal passou a estar tal como no século XIX, dependente exclusivamente dos mercados para se financiar.
Apesar da nossa iniciativa de 5 de Abril de 2011, em que pela 1ª vez foi apresentada uma proposta de imediata renegociação da dívida, nos seus prazos, juros e montantes, o Governo de então no dia 6 de abril capitularia e com o apoio de todos os grandes banqueiros e dos partidos da direita (PSD/CDS), solicitaria o apoio da Troica para o seu financiamento nos três anos seguintes.
As contrapartidas
exigidas pela Troica são de todos conhecidas, ataques aos direitos laborais, ataques
à autonomia do poder local, redução das despesas de saúde, educação e
prestações sociais, redução do prazo e montante do subsídio de desemprego, congelamentos
e cortes salariais na Administração Pública, cortes nas reformas e pensões e
aumento da idade de reforma, enormes cortes no investimento público, enorme
aumento de impostos sobre os trabalhadores e suas famílias, privatização das
poucas grandes empresas públicas que ainda restavam (EDP, REN, FIDELIDADE,
CIMPOR, ANA, TAP, CTT).
Cinco anos volvidos,
não só a situação do país é pior, mas também a dívida pública – em nome da qual
se chamou a troica - é substancialmente maior, tendo crescido mais de 55 mil
milhões de euros, representando no final de 2015, 128,8% do PIB e o
endividamento externo líquido continuou a agravar-se atingindo os 109,4% do
PIB.
O país teria sido
poupado a muitos sacrifícios e sofrimento, se a proposta do PCP de renegociação
da dívida tivesse sido adoptada.
Mas o país pode perder
ainda mais, se se mantiver amarrado a uma dívida e um serviço da dívida, que
impede o seu desenvolvimento e crescimento económicos, a criação de emprego e
investimento público, que limita a afirmação de um Portugal livre e soberano.
Muito tem sido dito e
escrito sobre as razões deste tão grande endividamento do país. A tese que mais
amplamente tem sido difundida por parte do grande capital e das grandes
potenciais, procura responsabilizar o povo português, os seus direitos e
condições de vida, os serviços e empresas públicas, os salários, as reformas e
pensões da população e a própria Constituição da República por esta dramática
realidade. A ideia ofensiva para o povo português de que andou a “viver acima
das suas possibilidades” gastando mais do que aquilo que podia. A ideia de um
país com fracos recursos que não tem meios para garantir direitos como o da
saúde, da educação ou da habitação. A ideia de uma nação que em vez de
trabalhar, prefere andar de mão estendida perante a Alemanha e outras potências,
entregando-se à preguiça típica dos povos do sul da Europa. A ideia de que quem
defende a renegociação da dívida, não honra os seus compromissos e quer a
política do calote (como aliás dizia um anterior Primeiro Ministro).
Todo este arsenal
ideológico visou, branquear a política de direita, responsabilizar o povo pelo excessivo
endividamento, justificar toda uma política dita de austeridade, mas que não
foi mais do que uma política de empobrecimento do povo e dos trabalhadores e de
concentração de riqueza em alguns grandes capitalistas e, barrar o caminho à
legítima, necessária e inevitável renegociação da dívida.
É importante voltar
esclarecer, que as causas e razões do endividamento público, são inseparáveis e
têm a sua raiz primeira na política de destruição do aparelho produtivo levando
a que quanto menos se produza mais se deva ao exterior.
Uma dívida que cresceu
também por conta dos gigantescos apoios públicos dados à banca em situações tão
diversas como as do BPN, do BES ou agora do BANIF, transformando dívida privada
de então, naquilo que é agora dívida pública.
Com estas dívidas,
pública e externa de grande dimensão, ganham os setores exportadores dos
principais países europeus, ganham os banqueiros, ganham os especuladores,
ganham os grandes grupos económicos e financeiros, ganha o grande capital
nacional e transnacional; perdem no entanto os trabalhadores, os reformados e o
povo português, perdem a economia nacional e o País.
No decurso deste ano,
só para o pagamento de juros da dívida serão mobilizados cerca de 8,5 mil
milhões de euros. Um valor que é superior àquele que está orçamentado para o
Ministério da Educação ou para o Serviço Nacional de Saúde, um valor que é mais
do dobro do investimento público previsto para o ano.
Sem renegociação da nossa
dívida pública as perspectivas para os próximos anos não são melhores. Até ao
ano de 2020 os encargos com a dívida ascenderão a 60 mil milhões de euros, quase
três vezes mais do que os fundos disponibilizados pelo actual quadro
comunitário de apoio, confirmando assim, que Portugal é hoje um contribuinte
líquido das grandes potências no plano da União Europeia.
Vale pena lembrar aqui
que apesar de após a intervenção do BCE iniciada no verão de 2012, a taxa de
juro implícita dos empréstimos da dívida pública ter baixado ligeiramente, a
verdade é que Portugal é entre os países da União Europeia aquele cujo peso dos
juros da dívida pública em percentagem do PIB é mais elevado. Os últimos dados
divulgados pela Comissão Europeia dizem-nos que o nosso país gastou em 2015 em
pagamentos com juros da nossa dívida pública 4,7% do PIB, bem mais do que a
Grécia (4,1%) e a Itália (4,2%) e o dobro da média comunitária.
Sem renegociação da
dívida aquilo que espera ao povo português é a austeridade perpétua. É o
definhamento e o declínio nacional.
Qualquer política que
se apresente como alternativa ao rumo de desastre nacional que está a ser imposto
ao povo português não pode passar ao lado deste constrangimento, que tem aliás
outras duas faces e que são a necessidade de preparar o país para a libertação
da submissão ao Euro, bem como a recuperação do controlo público sobre a banca.
Trata-se de um
objectivo exigente e difícil, mas não impossível. O PCP não só não está sozinho
nesta luta, como se alargou neste período, a consciência por parte de muitos
sectores, organizações e personalidades democráticas quanto à
insustentabilidade da situação actual e a urgência da renegociação da dívida.
Um percurso que assume
de forma clara, o direito soberano do povo português ao desenvolvimento, um
direito que é inseparável da ruptura com a política de direita e os
instrumentos e mecanismos impostos pela União Europeia. Um percurso que procura
também promover, no plano internacional, a articulação e convergência com
outros povos que também estão confrontados com medidas de agressão às suas
condições de vida e que levou o PCP a apresentar recentemente a proposta da
realização de uma conferência inter-governamental sobre esta matéria.
A necessária
renegociação da dívida pública deve ser assumida como uma iniciativa do Estado
português com o objectivo de assegurar o direito a um desenvolvimento soberano
e sustentável e garantir um serviço da dívida que se coadune com o crescimento
económico e a promoção do investimento e do emprego.
Uma renegociação que é
um eixo central da política patriótica e de esquerda que propomos ao país e que
deve garantir para a dívida directa do Estado, em particular a correspondente
ao empréstimo da troica, uma redução dos montantes não inferior a 50%, que, em
conjunto com a diminuição das taxas de juro e o alargamento dos prazos de
pagamento, assegure uma redução de, pelo menos, 75% dos seus encargos anuais.
Recusar a renegociação da dívida ou fazê-la mais tarde, em benefício dos
credores, significa amarrar o País a uma dívida impagável.
Este não é nem será um
caminho fácil, isento de pressões, ameaças e chantagens. Mas é seguramente um
caminho que, pela força do povo, será concretizado mais cedo do que tarde.
06 de Abril de 2016
José Alberto Lourenço
(CAE/PCP)
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