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19 de junho de 2019

Não se diga que não se sabia - Berardo

" A Fundação Berardo tinha um historial de solidez e idoneidade ... " Vitor Constâncio.
 E, portanto,diz V.C.
"não havia motivo para o BdPquestionar o seu investimento no BCP. " Fê-lo sem referir o episódio da Lavagem do Cupão em que a Fundação JoséBerardo (FJB) esteve envolvida e chegou a ser visada pela justiça
portuguesa. Em causa estava um processo fiscal. Para evitarem a tributação sobre rendimentos de obrigações,
algumas instituições vendiam obrigações, no final do exercício ou vencimento do prazo, a
entidades isentas de IRC, para as voltar a comprar pouco tempo depois. E foi no que esteve
envolvida a FJB, registada como sendo uma instituição de solidariedade social,

V. Constâncio não teve conhecimento das intervenções do PCP em 2013 sobre a lavagem do Cupão nem dos artigos publicados no Avante de que citamos o saboroso de 2006 

Lavar o Cupão coleccionando Obras de Arte (Avante!08/06/2006) de Manuel Augusto Araujo
ou os posteriores que se podem consultar  no Avante via NET. VER:https://www.avante.pt/pt/1697/argumentos/14662/Lavar-o-cupão%3Cbr%3Ecoleccionando-obras-de-arte-(2).htm
Os andaimes das falcatruas<br> de uma colecção de arte

Quando se adquire uma obra de arte, por maior que seja a paixão o comprador sabe que está a fazer um investimento de valorização garantida.
Hoje, as obras de arte são um nicho do mercado dos objectos de luxo. Museus e galerias são os pilares do sistema de valores. A obra de arte é filtrada através das galerias, coleccionadores, instituições públicas. Sobre a obra de arte escreve-se em meios de comunicação social. Essa massa flutuante de informação acaba fixada na História(s) de Arte. Na arte, a história e a crítica valem dinheiro. Está-se bem perto dos métodos de funcionamento do sistema bancário. 
Os compradores de obras de artes ou o fazem porque se interessam por arte ou o fazem para investimento. Nesses últimos há quem maquilhe o objectivo de extrair mais-valias por um súbito amor à arte, como Jorge Brito (JB), Berardo ou Rendeiro, e quem não se preocupe com esse teatro, como Pais do Amaral. 
Na ordem do dia está a negociação da colecção Berardo e de seis quadros de Viera da Silva que os herdeiros de Brito ameaçam retirar da Fundação Arpad Szenes-Vieira da Silva. Sobre a saga Berardo já aqui se escreveu (*).
As façanhas de JB, coleccionador de arte, homem de negócios, fundador do Banco Intercontinental Português (BIP), são bem descritas por Silva Lopes (Público, 10/09/2008) ministro das Finanças nos primeiros governos provisórios depois da Revolução de Abril, governador do Banco de Portugal de 1975 a 1980. «Agora falamos dessas coisas, (BPN e BPP) mas comparado com que o Brito fazia… (…) O Brito utilizava os depósitos no BIP para os seus negócios pessoais. Tudo o que aí se punha era para os seus negócios pessoais. Não emprestava apenas a si próprio, emprestava também ao jardineiro que era para ele, claro. Comprava de tudo terrenos, palácios, arte, tudo. Depois nas compensações do Banco de Portugal, o BIP estava sempre a descoberto. O BdP aparecia-me quase todos os dias a dizer mais um descoberto do BIP. O BdP teve que adiantar nessa altura 10 milhões de contos que agora correspondem a mais de 100 milhões.» JB continuaria a viver à tripa forra e a coleccionar arte se não tivesse sido preso em Setembro de 1974. Em cinco meses, o Estado tapou os buracos financeiros do BIP a uma média de 20 milhões/mês, ao câmbio actual cerca de 100 milhões euros/mês, que caíam sem se perder um cêntimo nos bolsos de JB, o que faz Silva Lopes afirmar: «Pessoalmente, considero que o Brito foi um dos indivíduos mais fraudulentos do país. O que se está a passar agora (BPN e BPP) não é tão mau, apesar de ser grave, mas o pobre do Alves dos Reis ao pé do Brito…»
Em suma, a célebre colecção de arte JB, uma das melhores e mais extensas em Portugal, foi comprada com o nosso dinheiro. Além de saber que aquilo era um bom negócio, também sabia como a valorizar. O caso mais conhecido é o do Pessoa de Almada Negreiros que comprou por mil contos e ofereceu com aparato e sem inocência ao Museu da Cidade, o que fez disparar o valor da sua colecção de almadas. Um especulador nunca perde a mão. Quando lhe arrestarem os bens como garantia de pagamento das dívidas, as obras de arte tinham-se quase todas evaporado. Uma parte foi apreendida pela polícia espanhola quando era contrabandeada pela fronteira transmontana.
O crime compensa


As alterações políticas em Portugal, favorecem-no. Os governos, mostrando a sua natureza de classe e sem ruga de vergonha, deram passos para ele reaver o património adquirido em sucessivos golpes de contrafacção. Em 1979 o governo de Mota Pinto publica um decreto-lei em que se determinava que JB podia reaver os bens se ninguém se opusesse. O BdP, o seu governador, opuseram-se. O tribunal decidiu em conformidade, mas os ventos eram favoráveis ao esbulho. Em 1982, o governo AD assina um acordo com JB. Arquiva todos os processos judiciais. Devolve-lhe os bens congelados. O mundo da cultura respirou de alívio. O tesouro em arte acumulado por JB regressava ao País. Todo não, porque, entretanto, JB tinha vendido uma boa parte. As cenas patéticas do amor à arte dessa gente que só se apazigua com maços de notas. Nos anos 60, quando JB começou a comprar obras de arte, o mercado era quase inexistente o que possibilitou comprar barato, muitas vezes por atacado. Comprou exposições inteiras antes de as ver e de abrirem ao público. O dinheiro jorrava facilmente para os bolsos dele, abrindo buracos gigantescos no BIP que o pronto socorro do BdP ia a correr tapar com o nosso dinheiro. Caminhos tão tortuosos que ninguém sabe ao certo a dimensão da sua colecção de arte e quantas obras alienou. Em 1983, negoceia com a Fundação Calouste Gulbenkian um conjunto importantíssimo de pintura e desenho com que o Centro de Arte Moderna é inaugurado. Fez algumas doações. Negócio é também oferecer uns trocos. O Alves dos Reis não foi só um vigarista, também foi benemérito.
Anos mais tarde, a colecção de Jorge Brito é fundamental para a constituição da Fundação Arpad-Szenes Vieira da Silva. Em 1994 acerta com Sommer Ribeiro um empréstimo à FASVS. JB movia-se com grande liberdade na FAVS. Ia lá buscar uns quadros, depositava outros. Nesse vai e vem uns voltavam outros desapareciam como conta a directora do Museu da FASVS, Marina Bairrão Ruivo, «queria umas em casa e depositava outras (…) houve alturas em que se percebia que era para fazer um negócio (…) Parece-me que até nisso Jorge Brito foi muito inteligente, porque vendia, mas ficava sempre com o melhor para ele». JB era fino como um alho. Aos princípios éticos dizia nada, como se vê no modo como usava os dinheiros dos depositantes no BIP em proveito próprio. 
Em 2006 a morte de Sommer Ribeiro e de Jorge de Brito coloca um problema à FASVS, ambos eram os garantes do acordo de empréstimo. Em curso estão as negociações desse espólio. Seis quadros, seis milhões de euros. É pegar ou largar. Os quadros estão classificados. Não poderão sair de Portugal a não ser violando a Lei de Bases do Património Cultural. Os herdeiros de JB fazem ultimatos. O anterior ministro da Cultura, João Soares, propunha adquiri-los por troca com terrenos no valor de seis milhões de euros. Não se sabe onde os ia desencantar.
É uma indignidade, uma vergonha que o Estado Português ceda às ameaças dos herdeiros de Jorge de Brito, conhecendo-se, como Silva Lopes explica, os métodos usados pelo banqueiro para, com o dinheiro dos contribuintes, organizar a sua colecção de arte.
Ninguém terá decência e coragem para acabar de vez com esta farsa?! O crime, se for tapado pelo manto esburacado do amor à arte, é permitido e compensa!
(*) A Colecção, o Bimbo, o Primeiro-Ministro e o seu Assessor (Avante! 22/06/2006)
Lavar o Cupão coleccionando Obras de Arte (Avante!08/06/2006)
As Negociatas da Fundação Berardo (Avante!22/04/2010)
Palhaçadas sem Arte (Avante!13/10/2011)


Colecção Berardo 8/6 /2006
Lavar o cupão<br>coleccionando obras de arte (2)
A colecção Berardo tem a particularidade curiosa do número de obras que a integram variar conforme as fontes de informação, não haverá um inventário? Também não há coincidências entre o número de obras que se consideram significativas. Os números, entre setecentas e novecentas, variam conforme os informantes, sendo acreditável que esse número seja dependente dos critérios pessoais e do relativismo dos padrões que os determinam.
As certezas são escassas e outras. O interesse do comendador Berardo pela arte tem sido narrado das mais diversas maneiras, algumas bastante fantasiosas. A mais curiosa talvez seja a relatada por Maria João Seixas num programa da Antena 2, em que fazia a defesa da necessidade da colecção Berardo ficar sediada em território nacional. Contou a jornalista cultural que num jantar em que participou com o comendador, na continuidade de uma inauguração de uma exposição temática da colecção, que Berardo explicara que tendo decidido preencher uns vazios das paredes lá de casa, incumbiu a mulher de o fazer, o que ela fez recorrendo a reproduções, o que muito o indignou. Não querem lá ver, então um homem de tantos cabedais ia ter nas paredes reproduções? Não senhor, venham de lá os originais. E assim começou a colecção, estorieta que muito enlevou os presentes e a João Seixas, alumbrados com a simplicidade e as ingenuidade do comendador, rapidamente corrigidas com o contributo de muito bons, na sua opinião, conselheiros.
Esta história de encantar deve ser substituída por uma outra que se ficciona a partir de factos reais e em que não se acredita nem em simplicidades nem em ingenuidades do comendador: Estava a Cinderela Berardo ocupadíssima a lavar o cupão, tarefa em que era reconhecidamente exímia, usando as máquinas de lavar da corretora Pedro Caldeira, marca que estava na berra nos idos anos 90, quando a fada Capelo, que também trabalhava nos milagres que saiam das chaminés da dita corretora, apareceu à atarefadíssima Cinderela para a avisar que a madrasta e as meias-irmãs estavam a furar as canalizações por onde circulavam alegremente os milhões reluzentes de limpeza. O cofre iria transformar-se definitivamente em abóbora e os escudos em pevides. A alarmadíssima Cinderela fugiu a sete pés da lavandaria Caldeira e aconselhada pela Fada Capelo começou a comprar obras de arte. Um deslumbramento. Mais coloridos, com formatos mais diversos, até em relevo o que fazia parecer cinzentos os papéis das acções. Eram muito mais divertidos e, sobretudo, estavam sempre a valer mais e livres de impostos. Quando transbordaram das casas onde eram guardados foram parar a Sintra a um museu que a autarquia arranjou para ter um Museu de Arte Contemporânea que agora parece ir deixar de ter. Eram um acervo de obras dominado pela arte pop e minimalista. Orientador, a Fada Capelo que também tinha saído espavorida da lavandaria Pedro Caldeira com os bolsos recheados por suados trabalhos em engenharias financeiras que transformavam geneticamente gatos em lebres, como o nosso primeiro em vigor na época, publicamente alertou, produzindo grande pânico.
E a colecção crescia, crescia até que em Outubro de 1999, Francisco Capelo com grande estrondo abandonou a colecção e o Comendador avisando o mundo que a colecção poderia “ vir a ser alvo de eventual dispersão e destruição” porque Berardo tinha a “lógica perversa de sempre mais dinheiro” e blalala seguem-se outros senhores a orientarem o benemérito na compra de mais obras de arte.

Um mimo de espertalhice 

Uma circunstância tinha sofrido alteração de vulto. Quando se compraram as primeiras obras para a colecção Berardo o mercado internacional de arte estava deprimido. Comprava-se a preços baixos que rapidamente se valorizavam. Agora a música era outra, saia mais caro e valorizava-se mais lentamente. O Comendador habituado a especular no mercado bolsista e conhecido por realizar grossas mais valias, a essas variações estava habituado. Mas Berardo também é sobejamente conhecido por cortar com os negócios que não lhe estão a render o dinheiro que ele previa, mesmo que o investimento tenha sido muito grande. A tal lógica perversa, no dizer de Capelo. É essa lógica e as alterações entretanto havidas no mercado da arte que deve explicar o afã do comendador nas negociações que empreendeu com o Governo, entrando como um tanque pelos corredores do poder, arremetendo com uma variedade de golpes, altos, baixos e médios, manobrando 5.as colunas, tudo para instalar a sua colecção em lugar onde adquirisse uma visibilidade que nunca tinha tido o que, na sua perspectiva, deve permitir forçar a rentabilização do investimento feito que deveria andar abaixo das suas previsões. Subsidiariamente o Comendador, homem fino e avisado, percebeu que a colecção de arte lhe tinha dado uma corte e um estatuto para-intelectual a uma velocidade interessante, colocando-o entre as pessoas mais importantes do mundo da arte e isto só por ter dinheiro fresco para ir às compras, o que muito o deve divertir, sem distrair o olho da coluna das mais valias. Quanto às obras que comprou é claro que não sabe o que são, interessar-lhe-á? Veja-se a resposta que deu a Ana Sousa Dias, no programa Por Outro Lado, quando inquirido sobre as que mais prezava: “ Todas. É como os filhos, você prefere algum dos seus filhos?” São uns 4000 filhos! É obra amá-los a todos por igual…Um mimo de espertalhice que não responde a nada e responde a tudo. Com este panorama a ministra da Cultura ainda sonhava com uma qualquer doação? Proposta saloia, proclamou alto e bom som o Comendador, sentado em cima dos seus milhões.

Manuel Augusto Araújo 

A colecção Be

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