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15 de março de 2012

A NOVA ECONOMIA PARAPSICOLÓGICA

Já aqui falamos da “Economia Política Alquímica”, cuja pretensão consistiu e consiste em transformar o programa de agressão da “troika” num programa de estabilidade e desenvolvimento. Agora na TV pululam pregadores propagando uma espécie de “Economia Parapsicologica”. O que era domínio de gente pouco credível – videntes, adivinhos, bruxos – tem antena aberta em todos os canais.
Em 2010 segundo a Eurostat a pobreza e exclusão social (1) atingia em Portugal 25,3% da população. O desemprego oficial era no final desse ano de 10,8% sendo em janeiro de 2012, 14,8%;  segundo dados do INE entre o 1º trimestre de 2011 e janeiro de 2012 o desemprego aumentou de 12,4% para 14,8%. Aquele indicador portanto ter-se-á agravado radicalmente. Como resolver este crescente e gravíssimo problema já que em 2011 os apoios sociais foram reduzidos de 574 milhões de euros?
Ora, os srs. comentadores e outros convidados têm receitas simples: tudo se passa no domínio da psicologia. Deve-se ser criativo, flexível, aceitar a mobilidade! Aliás aceite-se tudo… E dão-se bons conselhos: que cada um aprenda a elaborar o seu curriculum e saiba gerir informação. Ah! E adapte-se, adapte-se…a tudo!
Sim, adapte-se a uma sociedade decadente, aceite a mobilidade mesmo com ordenado abaixo do limiar de pobreza, tendo de se deslocar da sua residência (e pagar a estada!). Que importam também as questões familiares a estas boas almas?
Mas, e se mesmo assim as pessoas continuarem no desemprego? O que é importante é que cada um pense que o problema é dos próprios desempregados, nunca do sistema em que se vive – ou vegeta. Continua-se assim a iludir incautos e voltar contra os pobres e desempregados, culpabilizando-os, as pessoas mais afastadas da esfera produtiva.
É espantoso que os senhores professores desta nova “economia parapsicológica” não entendam – ou tenham esquecido - que o emprego é uma variável complexa que depende do investimento, do crescimento económico, da repartição do rendimento, do desenvolvimento regional, da intensidade tecnológica, da estrutura produtiva. E, é evidente, de um plano que procure coordenar e maximizar estas variáveis do ponto de vista social.   Sem isto, o esforço individual apenas será fonte de maior frustração.
Mas não há dúvida que os adoradores do deus “mercados”, e do dinheirinho que corre por detrás, mantêm a sua fé: é que com menos apoios sociais e entregando os cuidados de saúde ao sector privado – ou aos santinhos da devoção de cada um – a mortalidade tem tendência a aumentar, como é de norma nos países sujeitos a estes processos, e o Estado sempre irá poupar no rendimento social de inserção (média de 90€ por mês), no “complemento solidário” (média 104,6€ por mês) (2), etc.
Dizem-nos então ao estilo do frei Tomás, que para “dar confiança aos mercados todos temos de fazer sacrifícios”. Mas todos, quem? É que de facto, as prioridades são para pagar as rendas das PPP, dos demais monopólios e dos seus lucros “excessivos” e juros inadmissivelmente especulativos  Dizia Keynes que no longo prazo o mercado resolveria os problemas económicos, acrescentando, porém no longo prazo estamos todos mortos.
Por agora, aqui estamos numa sociedade decadente que se refugia em domínios ínvios da psicologia para tergiversar sobre problemas sociais. Uma sociedade que não vai a caminho do abismo: caminha no abismo.

1 - O Eurostat define o indicador AROPE como a percentagem da população que vive pelo menos numa destas condições: 1) em risco de pobreza, significando abaixo do limiar de pobreza, 2) numa situação de privação material, 3) vivendo numa família com baixa intensidade laboral (trabalho a tempo parcial)
2 – Dados de um estudo da Fundação Francisco Manuel dos Santos

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