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7 de abril de 2025

A ilusão do capitalismo industrial

 O neoliberalismo acabou, a globalização neoliberal acabou. O toque de finados foi dado por Trump, o sistema padecia duma doença incurável, o ambiente criado pelos BRICS e outros tornavam a sua existência insustentável.

Desde o início autores marxistas e não marxistas, mas próximos pelo pensamento, mostraram, tanto teoricamente como pelas evidências, o falhanço do neoliberalismo: crises, desigualdades, aumento da exploração. Como desde logo foi alertado o neoliberalismo representava uma regressão civilizacional - o ascenso das extremas-direitas é uma consequência direta.

Com o eufemismo de "democracia liberal" da direita à social-democracia, incluindo partidos ditos socialistas, trabalhistas, "livres", etc., todos alinharam no esquema tentando quando muito minorar os efeitos nas camadas trabalhadoras. Já Engels tinha tratado deste tema.

O país capitalista líder, os EUA, afundou-se em défices comerciais, numa dívida de números da astronomia e no capital fictício que o liberalismo considera "valor". Abandonar a globalização neoliberal, pretender instaurar o capitalismo industrial deve ser visto como uma emergência. O problema é que continua a ser capitalismo com todas as suas contradições. Foram estas contradições que levaram um dito keynesianismo (que não o era designadamente no comércio externo e dívidas) sendo substituído pelo neoliberalismo nos anos 1980.

Os erros e ilusões vão persistir porque liberais ou social-democratas não entendem como o sistema atual realmente funciona. A questão não é sobre tarifas, é sobre monopólios, parasitismo financeiro e imperialismo. Porém agora já não dispõem do resto do mundo para explorar.

Michel Hudson, um dos maiores economistas atuais (nem um livro seu está traduzido em Portugal, nem um seu texto é referido nos grandes media) definiu o sistema atual como o sistema FIRE (finanças, seguros, imobiliário). A primeira condição para a industrialização seria ultrapassar este sistema, em que o lucro é prioritariamente realizado no sector FIRE, isto é, a rendibilidade industrial sobrepondo-se à financeira, colocando esta ao seu serviço. O que só seria possível se a criação de moeda e crédito for função do Estado e da sua soberania.

Claro que as tarifas alfandegárias são um instrumento legítimo e soberano. Pelo contrário, sanções estabelecidas fora do sistema da ONU são ilegais, de acordo com a sua Carta. Ora um regime tarifário universal sobre as importações dos EUA, não é uma estratégia económica. É uma última ação em pânico pelo Império. Os EUA não podem competir então tentam superar as suas vulnerabilidades com tarifas. A base industrial dos Estados Unidos foi desmantelada décadas, mas não têm um plano industrial nacional. As elites estão em pânico porque o dólar está perdendo a supremacia, pelos BRICS e outros. O Sul Global não segue o roteiro da globalização imperialista. A reindustrialização de um país, requer um planeamento estratégico de longo prazo que nenhum império em declínio pode executar. Realocação de indústrias é uma tarefa complexa de longa duração com investimentos massivos de capital público e privado, formação de mão de obra, infraestruturas, reestruturação das cadeias de fornecimentos. - (Geopolítica ao vivo – Telegram 03/04).

Como afirma Catlin Jonhstone, o liberalismo vive num universo alternativo imaginário no qual as potências ocidentais cuidam de seus próprios negócios, os líderes assistem passivamente à violência e à destruição que se desenrola pelo mundo enquanto defendem a paz e a diplomacia nos seus pódios.

A globalização promoveu a desindustrialização, aumentando a taxa de lucro através da exploração de mão de obra barata nos países em desenvolvimento, o uso da força e a chantagem do dólar como moeda de reserva internacional. Os países líderes do ocidente, em primeiro lugar os EUA, seriam o polo para o qual convergiria a riqueza gerada globalmente.

Esse tempo passou. Os EUA não são mais o maior parceiro comercial da maioria dos países. A China vem ocupando esse lugar. Quanto aos EUA, o resultado será inflação em casa e perda de competitividade da sua indústria remanescente nos mercados globais.

O que Trump quer fazer nem sequer se baseia no keynesianismo, pretende reduzir impostos sobre as grandes fortunas para fomentar o investimento, recusa o planeamento estatal (exceto para a esfera militar) mantém a “economia de mercado” como capaz de fomentar a industrialização e o equilíbrio económico. No fundo, quer ressuscitar o capitalismo industrial, deixando praticamente intocável o sector FIRE, esperando que este invista na indústria. Então onde fica a maximização do lucro do capitalismo?

Na UE a desorientação é total, a incompetência que lidera a UE, não tem capacidade para entender o que se passa nem tem soluções, permanece agarrada aos mitos de um mundo que terminou.

A alternativa não é entre capitalismo industrial e capitalismo financeiro. É entre capitalismo e socialismo, ou melhor, transição para o socialismo - também o afirma Hudson. A questão que se colocaria a todas as forças progressistas é sempre (como há mais de um século): “Que fazer”.



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