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15 de março de 2016

Bazuca arma de infantaria ou tiro de pólvora seca ?


BCE – resultados da reunião de 10 de Março de 2016
1.     O Conselho de governadores do Banco Central Europeu na sua reunião do passado dia 10 de Março tomou um conjunto de decisões que vale a pena enunciar:
1.1.  A principal taxa de juro de refinanciamento do Banco Central, aplicada quando os Bancos da zona euro recorrem ao crédito do BCE através das suas operações de financiamento, foi reduzida de 0,5% para 0,0%, novo mínimo histórico;
1.2.  A taxa de juro que se aplica à facilidade permanente de cedência de liquidez é reduzida de 0,3% para 0,25%;
1.3.  A taxa de juro de depósitos do BCE, cobrada aos Bancos pelas reservas que têm paradas no Banco Central, passa de -0,3% para -0,4%. Como está em valores negativos, significa que os Bancos neste caso pagam ao BCE para ter lá estes depósitos;
1.4.  As compras de títulos da dívida pública e privada que o BCE tem vindo a fazer passam de 60 mil milhões euros/mês para 80 mil milhões euros/mês. São mais 240 mil milhões de euros/ano que o BCE vai imprimir;
1.5.  O BCE vai passar a adquirir também títulos de dívida de empresas não financeiras com rating acima de “lixo”, o que aumenta o espaço de manobra para encontrar activos que garantam compras mensais de 80 mil milhões de euros;
1.6.  O BCE irá realizar quatro empréstimos de longo prazo (a 4 anos) a partir de Junho às instituições financeiras da zona euro. A taxa normal será a de refinanciamento, que é actualmente de 0,0%. No entanto, as taxas de juro ainda podem ir mais abaixo, até ao valor da taxa de depósito (que é de -0,4%), nos casos em que os bancos emprestem uma parte significativa do dinheiro a empresas e famílias.
2.     Este conjunto de medidas por parte do BCE pretende ser a resposta das autoridades monetárias europeias a um longo período que se arrasta desde 2008 de muito fraco crescimento na União Europeia, pouco mais de 1% em média anual, e de um crescimento dos preços muito próximo de 0,0%, o que faz pairar o risco de deflacção, quando o mandato do BCE estabelece como objectivo um crescimento médio da inflação de 2% ao ano no espaço europeu.
3.     O seu impacto em cada um dos países da União Europeia não vai ser certamente o mesmo. Países em que as famílias e as empresas se encontram mais endividadas e o sistema bancário se encontra em maiores dificuldades pouco beneficiarão com este pacote de medidas do BCE, é este o caso do nosso país.
4.     Se é verdade que com esta intervenção do BCE, de reforço da compra da dívida pública, a pressão sobre os juros da dívida pública portuguesa irá diminuir podendo o serviço da dívida aliviar um pouco, também é verdade que ao nível das empresas e das famílias o impacto será muito diminuto.
5.     De acordo com as regras do BCE, o banco central europeu pode deter 1/3 dos títulos elegíveis da dívida pública de cada país. No caso português os títulos da divida que o BCE pode comprar são os títulos com um prazo entre 2 e 30 anos e com taxa fixa. O que na prática se restringe às obrigações do tesouro emitidas pelo nosso país, ficando de fora o total da dívida detida pela Troika e a dívida de curto prazo. Estão pois em causa 1/3 de 107 mil milhões de euros de obrigações já emitidas, ou seja, 35,5 mil milhões de euros. Como neste momento o BCE, de acordo com os dados disponíveis no final de 2015 detém cerca de 26 mil milhões de euros de obrigações do tesouro português, restam cerca de 10 mil milhões de euros que poderão ser adquiridos até Março de 2017.
6.     As famílias portuguesas com estas medidas do BCE continuarão a beneficiar de baixas taxas de juro nos empréstimos em vigor já que a Euribor a três, seis, nove e doze meses é agora negativa, mas continuarão a ter dificuldade em aceder a novo crédito bancário dado o seu elevado nível de endividamento (80% do PIB no final de 2015) e a exigência de garantias bancárias de que a esmagadora maioria dos bancos não pode abdicar.
7.     As empresas portuguesas, também elas fortemente endividadas (145% do PIB no final de 2015) tal como as famílias, dificilmente reúnem condições para poderem beneficiar deste forte reforço de liquidez que o BCE agora disponibiliza. Por um lado apenas 3 empresas têm rating acima de “lixo”: a EDP, a REN e a BRISA e por isso só elas poderão beneficiar da possível compra de ativos por parte do BCE e por outro a banca nacional tem hoje um rácio de crédito concedido em incumprimento que representa quase um quarto do crédito concedido, o que a obriga a constituir um volume de provisões para incumprimento que lhe absorve grande parte do capital. Por esta mesma razão a concessão de crédito às empresas é hoje objecto de uma análise muito rigorosa e são exigidas cada vez mais garantias reais para a sua concessão.
8.     Os bons clientes empresariais são poucos e são disputados mais do que nunca entre os principais bancos com vantagem para os maiores bancos, caso do Santander Totta, que tem capital disponível e tem um muito menor peso da carteira de crédito à habitação, com baixas taxas de juro e de muito longo prazo. Dada a actual estrutura da carteira de crédito dos maiores bancos nacionais a não serem tomadas medidas adicionais que apoiem a concessão de crédito pela maioria dos bancos e falo concretamente de um grande reforço por parte do Estado da garantia de crédito mútuo acompanhada de muito perto pelo IAPMEI, este grande reforço de liquidez apenas irá beneficiar o Santander Totta, menos sufocado com crédito mal parado e empréstimos de baixa rentabilidade e por isso mesmo, com capital disponível para poder emprestar a empresas e famílias, reforçando assim cada vez mais a sua presença no mercado financeiro nacional. Esta é pois mais uma forma de se reforçar a união bancária criando-se condições para que os maiores bancos cimentem as suas posições atraindo as melhores empresas, enquanto os outros bancos atolados em crédito mal parado e com baixas rentabilidades têm cada vez mais dificuldade em sobreviver. 
9.     Por fim uma última nota para referir que um estudo recente feito pelo IAPMEI mostra que em cerca de 2500 PME´s Leader, 1500 não são solventes e como tal não vão conseguir pagar os empréstimos que têm e a curto prazo irão à falência. Para estas e outras PME o que é fundamental é o reforço de capitais próprios e não de mais capitais alheios (empréstimos) que não irão conseguir pagar por falta de solvabilidade.
15 de Março de 2016

José Alberto Lourenço (CAE)    

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