Linha de separação


20 de janeiro de 2018

Populismo

Brincar com o fogo


Quem não quer ser lobo não lhe veste a pele. O acumulado saber popular da expressão encontra prova na vivência que nos envolve. Deixemos-nos de rodeios. O que se assistiu em torno do financiamento dos Partidos é mais um afloramento de uma perturbante corrente com que se quer impregnar o País: o populismo, enquanto expressão mais vendável de uma dimensão de pensar e de agir antidemocrática que, não tendo coragem de se assumir com os objectivos que transporta, semeia os ingredientes para fazer germinar a desorientação e o desencanto, desvalorizar a acção política organizada ou difamar o próprio sistema partidário. Não se aflorarão neste texto raízes históricas do populismo e do originário pendor liberal de há quase século e meio. Enfrentemos-lo como hoje se assume.
Sejamos claros. A incomodidade que tal provoque vale bem pelo que carrega de prevenção. Tanto mais que, ao invés do que se diz e se vê, o País não está a salvo do populismo. Não há inocentes neste regar de pasto populista. Não são desculpáveis exercícios de dissimulação: os imprudentes que o reproduzem sem pensar; os que o animam e estimulam sabendo ao que andam; os que buscam nele o apoio aos seus projectos porque, pela razão dos seus propósitos, acolhimento não encontrariam – todos, têm o seu quinhão neste perigoso lodaçal à beira do qual se passeiam. Importa pouco como o fazem: se no exercício da actividade partidária; se pela produção de escritos ou crónicas; se a partir de estruturas que, vendendo “transparência”, são tão opacas quanto o que escondem sobre os reais objectivos que justificam a sua existência. E sobretudo não vale a pena o esforço de disfarce. Não é por se vestir um pijama às riscas que se passa por zebra. 
Não se perca de vista o que o populismo transporta enquanto corrente política, os elementos de que se nutre ou os pressupostos que o norteiam. No populismo mora o que há de mais reprovável para quem se mova por valores e princípios. O seu sucesso é indissociável da exploração de sentimentos primários, do avivamento do preconceito de diversa natureza, do apelo ao irracional e à rejeição da reflexão própria. O populismo amalgama o espaço de cada um no rolo compressor da onda geral da opinião formatada, desincentiva o escrutínio dos factos, soterra na crista do que difunde o que a inteligência, se mobilizada, refutaria e recusaria. Lê-se Eça e o que denunciava sobre o que nos «arrasta para aquela fatalidade que quer que os pequenos espíritos vão irresistivelmente para tudo o que luz e para o que soa (...)» e aí encontramos os ingredientes em que se cozinha o populismo.

Sem comentários: