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31 de maio de 2024

O "brilhante futuro" do liberalismo e o afundamento do hegemónico

Elina Valtonen, Ministra dos Negócios Estrangeiros da Finlândia foi entrevistada na RTP. Para ela, enquanto a hegemonia dos EUA se afunda, o futuro para a democracia liberal é muitíssimo brilhante. Tal nível de alienação, não admira vindo de alguém de um país em que o fim da ocupação nazi passou a ser tratado como "a invasão russa em 1944".
Henry Johnston, especialista norte-americano em finanças, num seu texto A morte dos impérios permite esclarecer (no resumo que se apresenta) os disparates que o liberalismo (do cinzento ao cor-de-rosa) espalha sem contraditório.

Dizia-se que a financeirização, ia abrir caminho para uma melhor alocação de capital e uma economia mais dinâmica. Hoje está amplamente comprovado o seu falhanço. Apesar disto no fundamental nada querem mudar. É possível culpar as elites cínicas e sedentas de poder, mas uma revisão da história revela que o abandono da expansão, da produção e do comércio em favor do crédito e da especulação acelerou o declínio dos impérios no passado.

O economista político italiano Giovanni Arrighi (1937-2009), considerado um marxista, estudou a evolução dos sistemas capitalistas desde o Renascimento e mostrou como fases de expansão financeira e colapso estão subjacentes a reconfigurações geopolíticas mais amplas. O ciclo de ascensão e queda de cada hegemonia termina numa crise de financeirização.

Ele definiu hegemonia como "o poder de um Estado exercer funções de liderança e governança sobre um sistema de Estados soberanos", uma dominação geopolítica, mas também uma espécie de liderança intelectual e moral. A chave do poder do hegemónico é a capacidade de transformar seus interesses nacionais em interesses internacionais.

Os observadores da hegemonia dos EUA reconhecerão a transformação do sistema mundial, de acordo com os interesses americanos, numa "ordem baseada em regras" com fortes conotações ideológicas confundindo interesses nacionais e internacionais.

O período de ascensão é baseado na expansão do comércio e da produção. Mas essa fase acaba quando se torna mais difícil reinvestir o capital de forma lucrativa numa maior expansão. A concorrência que se intensifica, as despesas administrativas e militares cada vez maiores também contribuem para isso.

A crise económica sinaliza a transição da acumulação através da expansão material para a acumulação através da expansão financeira - intermediação financeira e especulação. Uma parcela cada vez maior é retirada do comércio e da produção para o enriquecimento da elite financeira e comercial num contexto de declínio geral dos salários reais.

A década de 1970 foi de crise para os Estados Unidos, com um dólar enfraquecido e perda de competitividade da indústria. Então recorreram à financeirização, permitindo atrair enormes quantidades de capital e avançar para um modelo endividamento crescente da economia e do Estado em relação ao resto do mundo.

A financeirização permitiu aos EUA reforçarem o seu poder económico e político no mundo, com o dólar como moeda de reserva global, dado ilusão de prosperidade e um otimismo ilimitado sobre o êxito do neoliberalismo, aliado ao desaparecimento da União Soviética.

Contudo, as placas tectónicas do declínio continuaram a mover-se, com os Estados Unidos a tornarem-se cada vez mais dependentes do financiamento externo e menor atividade económica real. A financeirização apenas atrasou o inevitável: desde o final da década de 1990, várias crises sucederam-se até que explodiu em 2008. Desde então os desequilíbrios no sistema financeiro só aumentaram. Os Estados Unidos conseguiram prolongar a sua hegemonia, graças a truques financeiros - inflando uma bolha após outra e coerção total.

Trata-se de um claro sinal de que estamos perante uma crise hegemónica. A cegueira levou os grupos dominantes no passado a confundirem a '“queda” com uma nova “primavera” do seu poder: o fim acabou por vir mais cedo e de forma mais catastrófica. Uma cegueira semelhante é evidente hoje.

Arrighi identificou a China como o sucessor lógico da hegemonia americana, considerando que os Estados Unidos levaram a lógica capitalista aos seus limites e que os ciclos sistémicos de acumulação eram um fenómeno inerente ao capitalismo e não se aplicava a períodos pré-capitalistas ou formações não capitalistas. Para Arrighi e a China era uma sociedade de mercado resolutamente não capitalista.

Os Estados Unidos, acreditam, "ter capacidade para converter a sua hegemonia em declínio, em domínio explorador". Se o sistema eventualmente entrar em colapso, "será principalmente devido à resistência dos Estados Unidos ao ajuste e à acomodação. A sua adaptação ao crescente poder económico do Leste Asiático é uma condição essencial para uma transição não catastrófica para uma nova ordem mundial."

Ao confundir economia financeirizada com uma economia vigorosa, isso só vai acelerar o fim. No final de seu ciclo de dominação, cada hegemonia, persegue seu "interesse nacional sem se preocupar com problemas que exigem soluções ao nível do sistema". Não há descrição mais relevante da situação atual.

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