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5 de dezembro de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO –38.1 – MERCADOS I

O Sr. Ministro da Finanças justifica a insanidade que constitui o atual OE, com: “ganhar a confiança dos mercados”. O mercado ou “os mercados” são assim transformados numa espécie de entidade sobrenatural à qual nos devemos submeter. Do ponto de vista teórico, há nisto algo de irracionalidade medieval.
Os mercados são estúpidos, irracionais, egoístas e imprevisíveis? São. Os mercados são necessários? São. A competitividade avalia-se no mercado? Sim. Podemos entregar a política económica e social às orientações e à confiança que os mercados definem? Nunca. Em que ficamos?
De facto, há diferentes formas de “mercado” com características muito diferentes: o mercado do mono e oligopolista e o mercado das MPME.
O mercado é uma realidade. Desde que exista compra e venda de bens ou serviços, há o que podemos chamar actividade mercantil. Mercado livre é aquele em que os preços podem reagir livremente à oferta e à procura. Aquilo a que se chama o mercado livre torna-se justamente no seu contrário, se não houver outros princípios que o regulem em função dos objectivos de toda a sociedade, isto é sociais.
Já Adam Smith escrevia em “O Sentimento Moral que “onde não houver enquadramento moral, sensibilidade, ética, o mercado acabará por dominar todos os outros sectores e por fim devora-se a ele próprio”. É justamente o que ocorre.
Certo comentador dizia feliz da vida – lá saberia porquê – que os políticos estão a fazer o que os mercados indicam. Os mercados estão a obrigar os políticos a tomar decisões em vez de ser o contrário! – referia deliciado e contente perante os garrotes de austeridade, desemprego e pobreza que “os mercados” impõem.
Na realidade, o mercado não é uma entidade abstracta, a “economia de mercado” funciona em função dos interesses dos que detêm e controlam o poder económico, encobrindo-se com a metáfora do “mercado”: “O mercado é uma organização social. Os resultados do mercado reflectem a conduta dos participantes humanos no mercado” (1) Por outras palavras o mercado não funciona sob nenhuma mão invisível, mas de acordo com as relações de produção existentes na sociedade. “O mercado foi transformado de uma abstracção numa forma de vida e converteu-se em actor em lugar dos seres humanos que nele operavam “.Há que compreender que a regulação regula a conduta humana, não o mercado. Há que compreender que o problema da regulação é ser realizada por seres humanos defeituosos. Há exemplos intermináveis de reguladores – por certo governos inteiros – que são dominados pelos interesses privados que supostamente deviam regular”(1)
Sob a capa ou a ilusão do mercado livre, livre de regulação acrescente-se, dá-se origem aos grandes grupos oligopolistas que acabam por iludir essa mesma concorrência e controlar factores de produção determinantes para toda a economia (energia, comunicações, crédito, etc.).
Além disto há uma questão não incorporada na teoria: a corrupção, a fraude. E no entanto são o derivado da lógica capitalista do máximo interesse individual.
Como não existe nem mercado nem concorrência perfeita é ilusório esperar que a eficiência seja obtida pelo livre jogo do mercado. A concorrência é imperfeita na medida que os agentes económicos disponham de diferentes poder de mercado (caso dos mono e oligopólios, carteis, etc.).
Querer explicar os mecanismos económicos pelo mercado é esconder o real funcionamento da economia, e o que está por detrás dos mercados como se fossem uma entidade independente da estrutura social, um absoluto a que tudo se deve subordinar.
Quando as ciências não tinham suficientes conhecimentos para explicar os fenómenos eram introduzidos conceitos relativamente abstractos e contraditórios, como o “flogisto” (explicava a chama) ou o “éter” (explicava a propagação de ondas no vazio), ou os “humores” na medicina, os “espíritos” na alquimia, etc.
As explicações que remetem para os “mercados” não vão muito mais longe: são a linguagem da crendice. Então o que provoca as crises? Por que existe desemprego? Por que não há investimento? Para tudo isto: o mercado! Mas não perguntem quem controla os mercados, quem define as regras e porquê. Estas questões não são postas.
O mercado aparece como um postulado que não se questiona e sobre o qual se constrói a economia política do sistema: a maximização do lucro, independentemente dos custos sociais.
A eficiência económica baseada na maximização do lucro exige que nenhum dos intervenientes disponha de maior poder de mercado que os demais, ou seja, o designado “mercado perfeito”. Não sendo assim, a orientação dada pelos preços de mercado não será eficiente, muito pelo contrário, estaremos a afastar-nos da eficiência económica quer ao nível de cada país quer ao nível global.
Mas mercado perfeito em relação a quê? Restringindo direitos sociais? Dominado por oligopólios? Perante a pobreza, as crises sociais e ambientais que avassalam o mundo serve-se o “pão da mentira” e vai-se parafraseando a rainha santa: em vez de “são rosas senhor” dizem-nos “é o mercado senhores”.
Dizem que os problemas sociais serão resolvidos de forma eficiente pelo mercado, nunca com a interferência do Estado e que o mercado é como o ácido que corrói as rendas e os monopólios.
Falso. O que vemos, muito pelo contrário, é que com o álibi do mercado aumenta o poder dos oligopólios e da finança especuladora à qual tudo se subordina, reduzem-se salários, eliminam-se apoios sociais. O Estado é efectivamente a única entidade que pode – sublinhamos que pode – contabilizar custos sociais. Todas as outras entidades só podem contabilizar custos privados. E o resto, sim, são mitos e processos de alienação.

1 - Paul Craig Roberts fue editor del Wall Street Journal y secretario adjunto del Tesoro en el gobierno de Ronald Reagan. Su último libro, How the Economy Was Lost, ha sido publicado recientemente por CounterPunch/AK Press. Se le puede contactar en: paulcraigroberts@yahoo.com. Fuente: http://www.counterpunch.org/roberts07152010.html (citado de www.rebelion.org)

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