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27 de abril de 2012

AS MARAVILHAS DO NEOLIBERALISMO: A FOME ALASTRA


Sabe-se que em Portugal nas escolas há crianças com fome; que nas universidades alunos não dispõem sequer do suficiente para pagar as suas refeições nas cantinas. Srs. comentadores, sem contraditório, dizem que os alunos não querem pagar propinas, mas vão para o Bairro Alto “beber copos”. Seria bom que mostrassem o estudo em que baseiam estas afirmações. Mas não é só em Portugal que a fome alastra.
Diversas instituições de apoio a crianças noticiaram recentemente como a fome alastra no Reino Unido, sendo particularmente grave nas escolas de certas áreas. Segundo a ONG Trussell Trust, organização associada aos bancos alimentares, verifica-se nos últimos meses se assiste a um enorme aumento da procura de assistência alimentar: «O que temos visto indica-nos que há muitos milhares de pessoas que sofrem de fome neste país, pessoas que têm de fazer escolhas difíceis entre combustível, aquecimento, transporte e comida». «Esta pressão recai fundamentalmente nas mães e nas crianças».
Refira-se que dados de 2011 referiam que em Nova Iorque existem 1,4 milhões famintos, revela a Coligação Contra a Fome daquela cidade. Segundo a organização, entre estas cerca de 40 por cento são crianças.
Neste sentido, vale a pena recordar por um lado o que dizem os políticos da “economia de mercado” e por outro como se assiste a retrocessos de muitas décadas graças a esta “eficiência” – para um 1% de oligarcas à custa dos demais 99%. Mas eis um pouco da história desta tragédia. (1)
Em 1906 foi introduzido na Grã-bretanha o apoio alimentar às crianças pobres nas escolas públicas. Isto devia-se, aliás, tal como outras medidas anteriormente tomadas, à preocupação com a condição física dos trabalhadores e com a capacidade de recrutamento militar necessário à manutenção das conquistas coloniais. Em 1944 estas refeições escolares foram tornadas obrigatórias sendo servidas grátis ou ao preço de custo. Estas refeições estavam sujeitas a critérios nutricionais oficialmente definidos desde 1906.
Em 1980 a D. Thatcher promulga um Ato Educacional que termina com os requisitos de critérios nutricionais e obriga as autoridades a abrirem o fornecimento de refeições ao sector privado pelo "Compulsory Competitive Tendering”, devendo o serviço ser retirado das autoridades locais e concedido à empresa que apresentasse a melhor proposta de preço. Isto é, transformou-se um serviço público educacional  e nutricional numa operação comercial.
O corte nas despesas levou a que desde logo meio milhão de crianças perdessem o direito a refeições gratuitas. Posteriormente, em 1986 este número aumentou com novo diploma sobre a Segurança Social, deixando muito mais crianças de serem elegíveis para refeições gratuitas.
Estas alterações trouxeram novas oportunidades de mercado para empresas privadas que instalaram serviços de cafetaria e máquinas automáticas. As considerações mercantis sobrepuseram-se às sociais e educacionais, pois os aspetos nutricionais deixaram de constituir uma parte da educação das crianças e jovens. Cerca de metade das escolas tinham em meados dos anos 2000 serviços total ou parcialmente privados.
A privatização do serviço levou a que considerações sobre o lucro se sobrepuseram às da saúde, cortando custos nos ingredientes, privilegiando comida embalada e processada com elevado teor de gorduras, açúcar e sal e pobre em vegetais e frutos frescos.
Apesar dos cortes nos salários e direitos dos trabalhadores e nos ingredientes, os custos aumentaram 30% entre 1995 e 2001, quando pela inflação deveriam ser apenas 19% maiores. O que não será apenas atribuível a aumento de lucros, mas aos custos de gestão, distribuição, processamento e embalagem das refeições. As autoridades locais que tinham perdido já a anterior capacidade de servir refeições passaram a gastar muito mais do que o previsível.
Pela mesma razão que em 1906 o governo foi obrigado a tomar medidas para proteger as crianças – a ganância capitalista o Department of Health alertou - aliás sem consequências - para “o baixo nível da dieta” e a “pobre qualidade dos produtos contendo resíduos de pesticidas, e uma dieta dominada por alimentos processados baratos e itens de “fast food”, com excesso de gordura, sal ou açúcar refinado e precariamente baixos nos nutrientes essenciais”. Análises às refeições servidas mostraram que as crianças recebiam, mais 40% de sal que o recomendado, 28% mais de gordura, 20% mais de açúcar, mas apenas 80% do ferro necessário.” Assim em 2003 28% das crianças tinham excesso de peso e 14% podiam ser consideradas obesas.
O estudo salientava ainda a relação entre a nutrição e o comportamento e a saúde mental, tal como hiperactividade e autismo. As crianças seriam assim particularmente sensíveis às consequências dos aditivos, falta de ferro e zinco, químicos usados na agricultura.
Na prática, a cultura dos custos quantificáveis próprios da privatização do serviço predominou acima de outras considerações, conduzindo à deterioração das refeições, e abrindo a porta a que um pequeno número de transnacionais ganhasse uma crescente quantidade de contratos.
Trabalhadores de longos anos como funcionários de serviços públicos foram despedidos sendo depois em certos casos admitidos em condições de precariedade e salários mínimos.
Como conclusão, a fome aumenta, mas a obesidade o o diabetes também. Eis o admirável mindo novo dos srs. V. Gaspar, P. Coelho e não só – de todos os “troikanos”.

1 - www.corporatewatch.org - SCHOOL MEALS -  September 2005)

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