Sabe-se que em Portugal nas escolas há crianças com fome;
que nas universidades alunos não dispõem sequer do suficiente para pagar as
suas refeições nas cantinas. Srs. comentadores, sem contraditório, dizem que os
alunos não querem pagar propinas, mas vão para o Bairro Alto “beber copos”.
Seria bom que mostrassem o estudo em que baseiam estas afirmações. Mas não é só
em Portugal que a fome alastra.
Diversas instituições de apoio a crianças noticiaram
recentemente como a fome alastra no Reino Unido, sendo particularmente grave
nas escolas de certas áreas. Segundo a ONG Trussell Trust,
organização associada aos bancos alimentares, verifica-se nos
últimos meses se assiste a um enorme aumento da procura de assistência
alimentar: «O que temos visto indica-nos que há muitos milhares de pessoas que
sofrem de fome neste país, pessoas que têm de fazer escolhas difíceis entre
combustível, aquecimento, transporte e comida». «Esta pressão recai
fundamentalmente nas mães e nas crianças».
Refira-se que dados de 2011 referiam que em Nova
Iorque existem 1,4 milhões famintos, revela a Coligação Contra a Fome daquela
cidade. Segundo a organização, entre estas cerca de 40 por cento são crianças.
Neste sentido, vale a pena recordar por um
lado o que dizem os políticos da “economia de mercado” e por outro como se
assiste a retrocessos de muitas décadas graças a esta “eficiência” – para um 1% de
oligarcas à custa dos demais 99%. Mas eis um pouco da história desta tragédia.
(1)
Em 1906 foi introduzido na Grã-bretanha o apoio alimentar às crianças
pobres nas escolas públicas. Isto devia-se, aliás, tal como outras medidas
anteriormente tomadas, à preocupação com a condição física dos trabalhadores e com a capacidade de recrutamento militar necessário à manutenção
das conquistas coloniais. Em 1944 estas refeições escolares foram tornadas
obrigatórias sendo servidas grátis ou ao preço de custo. Estas refeições
estavam sujeitas a critérios nutricionais oficialmente definidos desde 1906.
Em 1980 a D. Thatcher promulga um Ato Educacional que
termina com os requisitos de critérios nutricionais e obriga as autoridades a
abrirem o fornecimento de refeições ao sector privado pelo "Compulsory
Competitive Tendering”, devendo o serviço ser retirado das autoridades locais e
concedido à empresa que apresentasse a melhor proposta de preço. Isto é,
transformou-se um serviço público educacional e nutricional numa operação comercial.
O corte nas despesas levou a que desde logo meio
milhão de crianças perdessem o direito a refeições gratuitas. Posteriormente,
em 1986 este número aumentou com novo diploma sobre a Segurança Social, deixando
muito mais crianças de serem elegíveis para refeições gratuitas.
Estas alterações trouxeram novas oportunidades de
mercado para empresas privadas que instalaram serviços de cafetaria e máquinas
automáticas. As considerações mercantis sobrepuseram-se às sociais e
educacionais, pois os aspetos nutricionais deixaram de constituir uma parte da
educação das crianças e jovens. Cerca de metade das escolas tinham em meados
dos anos 2000 serviços total ou parcialmente privados.
A privatização do serviço levou a que considerações
sobre o lucro se sobrepuseram às da saúde, cortando custos nos ingredientes, privilegiando
comida embalada e processada com elevado teor de gorduras, açúcar e sal e pobre
em vegetais e frutos frescos.
Apesar dos cortes nos salários e direitos dos
trabalhadores e nos ingredientes, os custos aumentaram 30% entre 1995 e 2001,
quando pela inflação deveriam ser apenas 19% maiores. O que não será apenas atribuível a aumento de lucros,
mas aos custos de gestão, distribuição, processamento e embalagem das
refeições. As autoridades locais que tinham perdido já a anterior capacidade de
servir refeições passaram a gastar muito mais do que o previsível.
Pela mesma razão que em 1906 o governo foi obrigado a
tomar medidas para proteger as crianças – a ganância capitalista o Department
of Health alertou - aliás sem consequências - para “o baixo nível da dieta” e a “pobre qualidade dos
produtos contendo resíduos de pesticidas, e uma dieta dominada por alimentos
processados baratos e itens de “fast food”, com excesso de gordura, sal ou
açúcar refinado e precariamente baixos nos nutrientes essenciais”. Análises às
refeições servidas mostraram que as crianças recebiam, mais 40% de sal que o
recomendado, 28% mais de gordura, 20% mais de açúcar, mas apenas 80% do ferro
necessário.” Assim em 2003 28% das
crianças tinham excesso de peso e 14% podiam ser consideradas obesas.
O estudo salientava ainda a relação entre a nutrição e
o comportamento e a saúde mental, tal como hiperactividade e autismo. As
crianças seriam assim particularmente sensíveis às consequências dos aditivos,
falta de ferro e zinco, químicos usados na agricultura.
Na prática, a cultura dos custos quantificáveis
próprios da privatização do serviço predominou acima de outras considerações, conduzindo
à deterioração das refeições, e abrindo a porta a que um pequeno número de
transnacionais ganhasse uma crescente quantidade de contratos.
Trabalhadores de longos anos como funcionários de
serviços públicos foram despedidos sendo depois em certos casos admitidos em
condições de precariedade e salários mínimos.
Como conclusão, a fome aumenta, mas a obesidade o o
diabetes também. Eis o admirável mindo novo dos srs. V. Gaspar, P. Coelho e não
só – de todos os “troikanos”.
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