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19 de abril de 2012

IDEOLOGIA E RINOCERONTES

Na ditadura salazarista, criticar o governo, defender outras políticas ou mesmo o integral cumprimento da Constituição, era acusado de “fazer política”. Eles, os fascistas, não faziam “política”, guiavam-se pelos “superiores interesses da nação”, consubstanciados aliás na defesa dos monopólios, latifúndios e no colonialismo. Por outras palavras, só eles tinham autorização para “fazer política”, o resto era “subversão”.
Vem isto a propósito de na SIC – Notícias a propósito do livro “Dicionário da Crise e Alternativas” em que M. Carvalho da Silva é (salvo erro) co-autor, o sr. M. Crespo considerar que o seu texto era “ideológico”, como se por esse facto se tornasse criticável, não isento e de conter “retórica”.
É pena que os srs. apresentadores que escutam com sorriso embevecido e fingidas perplexidades as diatribes dos habituais defensores do neoliberalismo e das políticas “troikanas”, não lhes coloquem a mesma questão.
Os srs. ministros, secretários de Estado, gente da bancada governamental à falta de respostas passaram a usar o não-argumento da “ideologia” para defender o indefensável. A única ideologia legitimada parece ser a que a “troika” admite.
Tudo isto faz-nos recordar a peça de Eugéne Ionesco “O rinoceronte” que constitui uma metáfora da ascensão do fascismo nos anos 30. Quando os homens começaram a transformar-se em rinocerontes foram olhados criticamente e com repúdio, porém, pouco a pouco, mais e mais se foram transfigurando. O que antes se achava horroroso passou a ser louvável e finalmente os que permaneciam humanos e lutavam pelo humanismo eram marginalizados e ostracizados, mais tarde perseguidos.
Também muitos dos que se indignavam com o “horror económico” (do livro de Heléne Forrestier) e com a “economia de casino” hoje apoiam as políticas da “troika”.
Atenção, os rinocerontes invadiram o espaço da comunicação. No ambiente ideológico em que estamos a viver ressoam os seus sons e correrias!

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