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27 de junho de 2012

Bem avisámos. Assim não íamos lá!


No passado dia 26 de Abril, após ser conhecida a execução orçamental do 1º trimestre do ano, tive oportunidade de na Assembleia da República questionar directamente o Sr. Ministro das Finanças. Transcrevo de seguida parte das questões que então lhe coloquei:

"Não posso deixar de começar esta minha intervenção Sr. Ministro das Finanças sem lhe perguntar já. Diga-nos Sr. Ministro que medidas se prepara para aprovar em Julho quando a execução orçamental do 1º semestre mostrar o completo fracasso que foi a execução orçamental do 1º semestre?
Para nós a execução Orçamental do Estado no 1º trimestre de 2012, divulgada na passada sexta-feira reflecte já, os efeitos da profunda recessão em que o nosso país está mergulhado. O Governo e os partidos do Governo consideram que não e que só lá mais para a frente (talvez no final do 1º semestre) será possível fazer essa análise. Quem terá razão?
Do nosso ponto de vista a informação disponível no final deste 1º trimestre permite já afirmar que esta política que tem vindo a ser seguida conduzir-nos-á a uma profunda recessão e consequentemente não nos levará à redução do défice orçamental pretendida, podendo mesmo no limite agravá-lo. Não porque a despesa do Estado não caia, mas antes porque a esperada subida da receita fiscal não se irá verificar, dado o impacto negativo da recessão sobre a receita fiscal arrecada.
A prova daquilo que afirmamos aparece bem reflectida na evolução registada na receita fiscal total e dos princípios impostos directos e indirectos (IRS, IRC, IVA e ISP) arrecadada no 1º trimestre do corrente ano, comparativamente com igual período do ano passado e não só, fizemos essa comparação para os últimos 5 anos."
Em resposta o Sr. Ministro das Finanças respondeu-me que a execução orçamental decorria dentro do previsto e que não havia motivos para preocupação.
Agora conhecida a execução orçamental dos primeiros cinco meses verifica-se que:  

1.      A receita efectiva do Estado caiu nos 1ºs cinco meses de 2012 comparativamente com igual período de 2011 (-2,3%), enquanto a despesa efectiva subiu no mesmo período 2,0%.
2.      O saldo global do Estado se agravou nos 1ºs cinco meses do ano comparativamente com igual período de 2011 de -2 105,9 milhões de euros para -2 715,9 milhões de euros, um agravamento de 610 milhões de euros nos 1ºs cinco meses do ano.
3.      Estes resultados reflectem já os efeitos da profunda recessão em que o nosso país está mergulhado sobre a receita fiscal arrecadada e põem em causa a redução do défice orçamental.
4.      A informação disponível no final destes 1ºs cinco meses do ano confirma que esta política que tem vindo a ser seguida conduzir-nos-á a uma profunda recessão e consequentemente não nos levará à redução do défice orçamental pretendida, mas antes agrava-lo-á. Não porque a despesa do Estado não caia mas antes porque a esperada subida da receita fiscal não se irá verificar, dado o impacto negativo da recessão sobre a receita fiscal arrecada. Tal como sempre temos afirmado o efeito da queda da actividade económica sobre o volume da receita fiscal arrecadada acaba por ser bem superior à receita fiscal que se esperaria arrecadar com o agravamento da carga fiscal sobre as famílias e as empresas. Estamos perante aquilo a que os economistas chamam de exaustão fiscal, isto é, a carga fiscal sobre as famílias e as micro, pequenas e médias empresas é tal que, qualquer aumento da carga fiscal em vez de provocar uma subida da receita fiscal tem um efeito contrário porque a recessão económica leva a que as famílias e empresas consumam menos e faz com que a evasão fiscal atinja níveis muito mais elevados.
5.      Repare-se nos cinco meses de 2012 a receita fiscal arrecadada foi inferior à de 2011 em cerca de 480 milhões de euros (-3.5%). Em 2007, há cinco anis atrás, arrecadaram-se nos 1ºs cinco meses do ano mais 1 735 milhões de euros de receita fiscal do que este ano. Por outro lado, de acordo com o Orçamento Rectificativo de Estado aprovado em meados de Abril, a receita fiscal deveria aumentar este ano 2,6% (+893 milhões de euros) e em vez disso diminuiu nos 1ºs cinco meses do ano -3,5% (-480 milhões de euros). Ou seja para que a receita fiscal aumente os tais 893 milhões de euros em 2012 ela terá que aumentar nos próximos oito meses 1373 milhões de euros.  
6.      Repare-se que dos 4 principais impostos, respectivamente IVA, IRS, ISP e IRC, só o IRS aumentou a receita arrecada nos 1ºs cinco meses de 2012, mais cerca de 366 milhões de euros pagos pelos trabalhadores apesar do aumento do desemprego, enquanto os restantes caíram. O IRC menos 335 milhões de euros arrecadados (-15,5%), O ISP menos 81 milhões de euros (-8,4%), devido à queda no consumo de gasolina e gasóleo resultantes da forte quebra da actividade económica e o IVA menos 165 milhões de euros (-2,8%).
7.      Repare-se também que o Governo aposta tudo no acréscimo das receitas provenientes da cobrança do IVA, por isso mesmo passou um considerável nº de bens e serviços da taxa reduzida de 6% para 23% e de 13% para 23%. O governo pretende em 2012 arrecadar mais 1508 milhões de euros de receitas de IVA, mais 11,6% em relação a 2011, mas aquilo que se verifica é que nos 1ºs cinco meses as receitas de IVA caíram 165 milhões de euros, (-2,8%).
8.      Se nos primeiros meses o Governo, quando o questionávamos sobre os sinais já visíveis de um mau comportamento da receita fiscal, dizia que ainda não era visível na evolução das receitas fiscais o impacto das medidas orçamentais aprovadas com o OE para 2012. Com a divulgação da execução orçamental do mês de Maio esse argumento desapareceu e foi o próprio Governo que tendo tomado conhecimento antecipado do desastre que foi a execução orçamental nos 1ºs cinco meses do ano, se antecipou à sua divulgação e veio dizer que com estes resultados a redução do défice corre sérios riscos.
9.      Os dados da execução orçamental permitem-nos desde já afirmar que a política que tem vindo a ser seguida vai conduzir-nos a uma recessão cada vez mais profunda. A situação é de tal forma grave que nos 1ºs cinco meses do ano o único imposto cuja receita aumentou apesar do aumento exponencial do desemprego foi o IRS. E mesmo este melhor resultado deveu-se quase exclusivamente a um montante muito inferior de reembolsos efectuado em sede de IRS nos 1ºs cinco meses do ano comparativamente com igual período de 2011. Esse montante de reembolsos baixou neste período em 289 milhões de euros. Não é possível saber hoje se esse menor montante de reembolsos até Maio é já o resultado de todas as medidas aprovadas pelo Governo PS com o orçamento de Estado para 2011 e que levaram à redução das deduções das despesas de educação, saúde e habitação ou se estamos apenas fundamentalmente perante um atraso deliberado desses reembolsos, que os próximos meses irão clarificar. Por outro lado do lado da despesa efectiva do Estado, esta sobe fundamentalmente porque as despesas com juros dispararam 80,1% já que as despesas com pessoal caíram 7,2% e as despesas com aquisição de bens e serviços caíram 7,1%.
10.  Uma nota ainda para referir o forte agravamento que do lado da despesa se verifica no Orçamento da Segurança Social. Apesar de todos os cortes verificados no subsídio de desemprego e de centenas de milhares de trabalhadores desempregados continuarem sem receber subsídio de desemprego a que deveriam ter direito, a subida que se tem vindo a verificar no nº de desempregados no início deste ano tem sido tal que a Segurança Social viu aumentar a despesa com este subsídio em 200 milhões de euros (+23%) nos 1ºs cinco meses do ano.
11.      Por fim uma nota para referir que vários cálculos que posteriormente à divulgação da execução orçamental foram apresentados por alguns economistas apontam para que a este ritmo o agravamento do défice orçamental em relação a 2011 possa ultrapassar os 2 mil milhões de euros (1,2% do PIB) no final de 2012, ou seja o défice orçamental ser de cerca de 5,5%, 1 ponto percentual acima da meta que nos foi imposta pelo Pacto de Agressão.
12.Há muito que  todos percebemos que a assinatura do Pacto de Agressão entre a Troika (FMI/BCE/CE) e os partidos que têm prosseguido uma política de direita em Portugal (PS/PSD/CDS) e a fixação nesse Pacto da redução do défice orçamental como objectivo principal das políticas macroeconómicas, constituiu o argumento de que o governo de direita neoliberal (PSD/CDS) se tem socorrido para atacar, o código laboral (facilitando os despedimentos e reduzindo as indemnizações por despedimento, pagando menos pelas horas de trabalho extraordinário, pagando menos de subsídio de desemprego, reduzindo o nº de dias de férias e feriados, etc.) e os direitos sociais conquistados pelos trabalhadores e pelo povo português com o 25 de Abril.
13. Suprema hipocrisia, desculpam-se com um acordo que assinaram com a Troika e de que só assim teremos o financiamento externo de que dependemos, para atingirem um objectivo que há 37 anos presseguem e que nunca tiveram a coragem de assumir perante os trabalhadores e o povo - destruir todas as grandes conquistas sociais que a revolução de Abril de 74 trouxe ao povo português.
14. Nada disto deveria no entanto surpreender os portugueses, afinal não foram estes mesmos partidos que após a revolução tiveram a lata de colocar nos seus programas o socialismo como o objectivo máximo a atingir, porque só assim podiam nessa altura enganar o povo. É caso para dizer que há medida que os anos passam e a contra revolução avança, vai-lhes caíndo a máscara e mostram o seu verdadeiro rosto.

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