Por este rio abaixo . Jorge Cordeiro
Salvaguardado que seja o respeito pelo direito de cada um às suas escolhas e descontadas as acusações e outras fraternas frechadas com que os contentores à liderança do PSD se mimosearam, as chamadas “directas” – designação certamente inspirada num dos vários golpes inerentes a um combate de boxe – tiveram, como tudo o que começa por infindável que pareça, o seu epílogo. Rui Rio ganhou. É verdade que Rio e Santana são duas faces da mesma moeda e que a agenda reaccionária de cada um, ainda que tendo capa de tom diferente, tem tantas folhas quanto a do outro. Mas, atendendo ao que na actual conjuntura cada um estava em condições de assegurar com maior eficácia, aqui se tem prova, mesmo para os mais agnósticos, que deus não dorme, neste caso o capital não se distrai e não só não se engana como, por mais tortas que sejam as linhas, o que quer ver escrito sai direito. Vê-se pelo que aí aparece escrito e só se pode concluir que têm homem para, passado este período de desorientação, verem de novo o norte à coisa. É grande a esperança de verem traduzida no rumo perdido e agora acalentadamente redescoberto, o que a letra da canção pressagiava « para onde vais rio que eu canto, nova luz te alumia ».
Ainda a coisa vai no adro e já se percebe o que nos espera. São já muitos os rios de tinta despendidos para apresentar o novo líder do PSD como o homem providencial. Os mais destemidos neste repintar de um edifício enegrecido pelo passado recente, apresentam Rio como «um político não convencional» (vá lá, sempre admitem que é político), alegadamente de uma «honestidade à prova de qualquer contradição» ao invés dos restantes, alguém que num «país descrente dos políticos pode fazer toda a diferença». Mandará a prudência que os autores de tão laudatória descrição curricular, perante o que se lhe viu à frente da edilidade portuense lá acrescentem que «o Rio de hoje não é o de há 20 anos». Não se contestará a afirmação ainda que a muita água que entretanto correu Douro abaixo, desagua sempre na foz das concepções políticas que, da subversão do regime por via do desmantelamento do sistema político à férrea amarração aos dogmas de uma política determinada pelas imposições da UE, deixam antever. O filme é conhecido. O que agora se repete é a operação de cosmética de transformação do velho em novo, para mostrar um PSD diferente, livre da canga de Passos por via de um aparente corte com o passado, com o “conta quilómetros” a zero, esperançosos que assim se veja no arrastado calhambeque um novíssimo topo de gama. Por premonição, ou não, um articulista afirmava em abono de Rui Rio que ali está alguém a quem «compraria um carro em segunda mão». Negócio fechado: junta-se a vontade do comprador ao material disponível para venda! Pouco relevará, para as razões que interessam, a análise à disputa agora concluída. Ainda que se pudesse registar que, para lá do regresso ao baú de casos antigos para recriminação recíproca, se deve anotar a esquizofrenia que terá levado cada um dos opositores a, ao mesmo tempo que fugiam de Passos como o diabo foge da cruz, enaltecer-lhe o bem à nação feito pelo seu governo.
Porque o último nem sempre é o menos importante retenha-se o que importa, ou seja o papel que os centros de dominação económica e política esperam de Rio: constituir um primeiro passo para um entendimento ao centro capaz de libertar o PS do que designam de refém da “esquerda”, estendo-lhe a mão por via de uma declarada abertura à negociação.
Como alguém escreveu há dias a grande escolha de Rio seria a de aliar-se ao PS ou deixar governar a “esquerda”. Arredada que seja a inexactidão de conceitos e realidade política escondida sob conceitos falsos e como os de “governação de esquerda” ou “esquerdas”, o que importa reter, saudando a clareza de alguns, são os propósitos políticos subjacentes. Rio encaixa na estratégia dos que, inconformados com a perda ainda que parcial do seu domínio, anseiam recuperar integralmente a sua agenda de exploração e liquidação de direitos.
O repetido sublinhar que se vai fazendo sobre conhecidas convergências em domínios vários entre PS e PSD e até anunciadas sintonia entre António Costa e Rui Rio não são por si novidade. Sabe-se que o PS partilha com PSD e CDS de ideias estruturantes que são a base da política de direita. A actual fase da vida política nacional, e as circunstâncias que a moldaram, obrigaram, é verdade, a um posicionamento novo e diverso do PS. Mas não anulou as profundas divergências que tem em matérias essenciais designadamente com o PCP nem transformou o PS num partido com uma política de esquerda. Confirma-se, o que por si já não carecia de confirmação, quanto à agenda do PSD. O tempo dirá qual a palavra que o PS terá, não só para corresponder a Rio e ao que em si transporta, mas sobretudo para clarificar se se quer afastar das opções que, em política interna e externa, identificam essa convergência que alguns pretendem ver integralmente reposta em 2019.
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