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20 de fevereiro de 2020

O Perigo Amarelo & académicos de grande honestidade intelectual

Agostinho Lopes

O PERIGO AMARELO .

«A China está a enfrentar uma crise sem precedentes. Temos de reconhecer que o número relativamente baixo de casos detetados fora da China resulta dos esforços intensos que o Governo chinês está a realizar para conter a emergência e proteger outros países». «Há outros exemplos da determinação da China em responder, desde a partilha rápida da sequenciação do genoma do vírus com a OMS e o mundo ao convite para uma equipa de especialistas internacionais liderada pela OMS, ir até à China e apoiar parceiros locais». Declarações do porta-voz da Organização Mundial de Saúde ao Expresso, Expresso Diário, 05FEV20.


Só lhes falta falarem do «perigo amarelo»! A propósito do coronavírus desencadeou-se nos media uma inacreditável campanha contra o Estado chinês e o Partido Comunista da China. A vesguice ideológica provocada pelas lentes grossas do anticomunismo tudo permite e tudo vale para levar a água ao moinho da pura propaganda anti-chinesa, quando não xenófoba. Vendo quem escreve, custa a acreditar no que se lê.     
Dois pontos de partida e de bom senso na abordagem do tema.
A opinião da OMS. Para lá do que acima se transcreve são inúmeras outras declarações dos seus responsáveis e especialistas, a começar pelo seu Director-geral. O que também se diz nos seus relatórios.
E as declarações do principal responsável do Estado chinês, reconhecendo problemas, falhas e fraquezas na resposta ao coronavírus, a necessidade de mudanças profundas no sistema de resposta a emergências de saúde pública e de revisão e mesmo nova legislação na prevenção de doenças infecciosas, na biosegurança, na protecção da vida selvagem. A tomada de medidas relativamente a responsáveis políticos e administrativos.
Mas nada satisfaz os «críticos» do vírus. Ou por porem em causa a credibilidade da própria OMS, assim a modos de substituir opiniões de órgãos especializados, de composição multinacional da ONU pelas fake news das redes sociais. Ou por pretensamente corresponderem a bodes expiatórios do regime chinês. Sabe-se o que pretendem indiciar e o que desejariam. 
Atente-se nesta breve amostra.
Um jornalista, sob o sugestivo título «O vírus e os malefícios do comunismo» (1), ao jeito da fábula «se não foste tu, foi o teu pai», resolve juntar ao coronavírus o historial de todas as desgraças sucedidas ao povo chinês, desde as pestes de 1588 e 1642, e vem por aí fora até à gripe espanhola de 1917!  No rol vem a invasão manchu em 1644 e o «Grande Salto em Frente», mas esqueceu-se das duas guerras do ópio do imperialismo inglês ou da invasão japonesa. Mas não esquece a SARS (2002/2003), o leite adulterado com melamina e calcule-se, a peste suína africana! Benza-o deus! A que acrescenta a falta de «vistoria sanitária» nas feiras camponesas e a «concentração e coabitação de comunidades humanas com explorações pecuárias». Coitado do Barradas que nunca saiu de Lisboa! 
Depois uma professora de economia na Nova SBE (2) que sob o título «Xi Jinping: era uma vez um autocrata que deu uma mãozinha ao vírus», resolveu teorizar, ou não fosse ela uma catedrática, sobre catástrofes e regimes políticos: tal regime, tal catástrofe. Assim mesmo! Cita mesmo um estudo para demonstrar que as catástrofes naturais «causam menos vítimas em democracias»! Notável. Foi pena que à semelhança do anterior plumitivo, não desse uma volta histórica e geográfica pelo mundo, para demonstrar a sua tese com as experiências vividas pelos povos. Estava certamente a lembrar-se de como os EUA reduziram os estragos com o Katrina. Ou de como o seu sistema de saúde (?) responde às 37 000 mortes que, em média e por ano, desde 2010, surgem associadas a surtos de gripe. Ou do desastre sem fim do Haiti! E também, em contraposição, de como Cuba tem de facto reduzido as consequências humanas de acidentes climatéricos, tufões, ciclones, face aos seus vizinhos da América Central. Ou dos recentes incêndios florestais na Califórnia e na Austrália ou, muito mais próximo, de como Portugal respondeu nos incêndios florestais de 2017.   
Segue-se mais um académico, docente no Mestrado de Estudos Chineses da Universidade de Aveiro «Li Wenliang, o Inimigo do Povo» (3), que se admite saber bem do que está a falar, em que depois da referência do apoio popular ao regime, pois «Num país de onde milhões de pessoas saíram da pobreza mais extrema, todo os argumentos críticos ao sistema chocam com estas estatísticas» e «a implacável luta contra a corrupção» e o reconhecimento de que «É importante que se diga que nenhum país no mundo teria uma capacidade de resposta nas mesmas condições», quase que abençoa o coronavírus porque «pode conduzir a uma crise do sistema»! Mais um professor que também precisa de andar, desta vez muito pouco,  para constatar o estado da fiscalização sanitária nas feiras agrícolas da sua região!  
E a lista podia continuar, mas acaba com mais um professor universitário «O vírus da ditadura» (4), para quem as medidas tomadas pelo Governo Chinês «parecem exageradas: muito mais gente é infectada e morre com gripes comuns sem que ninguém se lembre de coisas do género». E de como não podemos confiar na «opaca e autoritária burocracia mundial de instituições como a Organização Mundial de Saúde», «Neste momento, simplesmente não sabemos se estamos perante uma ameaça séria mas no fundo, negligenciável ou à beira de uma pandemia global cuja grande expansão ainda está para vir, podendo afectar todos os países do mundo: algo como a gripe espanhola de há um século»! Notável síntese. Infelizmente, vamos ter que esperar por um daqueles painéis de especialistas da CMTV (a Joana Amaral Dias, o Rui Pereira, o André Ventura e o Moita Flores) para resolvermos a disjuntiva.
1.João Carlos Barradas, Jornal de Negócios, 28JAN20.
2.Suzana Peralta, Público, 14FEV20.
3.Jorge Tavares da Silva, Público, 14FEV20.
4.Luciano Amaral, Correio da Manhã, 17FEV20.   

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