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31 de outubro de 2020

Queriam a cartilha da direita - imposição

 É UMA NEGOCIAÇÃO, UMA NEGOCIAÇÃO, UMA NEGOCIAÇÃO…

Agostinho Lopes.

Num quadro parlamentar de maioria relativa e governo minoritário o debate do Orçamento de Estado é uma negociação, como aliás sucede desde 2015! E mesmo numa situação de uma maioria absoluta de suporte a um governo maioritário também deveria ser. Só não é para quem confunde as funções governamentais com o papel da Assembleia da República em matéria orçamental. Como, infelizmente, foi o comportamento de sucessivos governos do PSD e PS! A existência da pandemia e dos problemas económicos e sociais consequentes, e envolventes do debate orçamental, não acrescenta nada, antes pelo contrário, reforça a necessidade da busca de consenso tão longe quanto possível, nem que seja apenas para a aprovação de medidas isoladas. Diriam alguns, coisas do senso comum ou de bom senso!

Ora parece que tal não é assim entendido por um rancho numeroso de comentadores mediáticos. E é difícil escolher/perceber o que é pura chicana política, indigência jornalística, ou enquistados preconceitos partidários e ideológicos.

Teme-se não se conseguir reproduzir e resumir de forma viva, expressiva, a «riqueza» semântica que tão vivamente e expressivamente vai sendo publicada por alguns, uma, duas e mais vezes, repetindo-se, aliás, uns aos outros, sobre as negociações partidárias em curso. Algumas, parcas, amostras: «barganha orçamental»,  «líderes da chicana», «Quando acabar o recreio, avisem», «bisca lambida», «jogo de taberna», «uma espécie de brincadeira vergonhosa», «jogos infantis» (HM), «a esquerda da nossa classe política – entretém-se há meses com um filme, visto e revisto, ensaiado e repetido até à náusea», «Os meninos brincam à volta da fogueira, enquanto os velhos morrem nos lares, a epidemia cresce todos os dias e multiplicam-se os alertas sobre a situação no SNS» (MST), «Dançar ao Orçamento à beira do abismo» «a actual novela em torno do Orçamento», «O tempo que se está a perder a negociar um Orçamento», «se a barganha política é como estamos a ver, com avanços e recuos, amuos e traições?» (JMT), «A discórdia orçamental» «A discórdia que por aí vai, os ralhos que se ouvem, os insultos trocados fazem parte da tradicional forma como estes partidos tratam o dinheiro dos outros» (!!!) «A encenação foi, uma vez mais, um meio para quantificar o montante do tributo que o PS vai ter de pagar à esquerda.», «Orçamento: a grande encenação», «Está em cena desde agosto a peça “Agarrem-me ou Abro Uma Crise Política”» (LM), «dificultismos da “geringonça”» «taticismo pré-geringonça» «esse dramatismo pode ser mau teatro»  (RT), «Estamos, parece, em plena comédia» «Num dia há crise política e dramalhão, no dia seguinte vai ficar tudo bem e somos amigos e patriotas», «O sentido de Estado é inexistente, mas uma coisa aquela gente sabe, farejar a fraqueza.», «Costa não devia ter cedido como uma dama lacrimosa ao PCP e ao BE e agora é vítima de ambos.» (CFA). «“Mundo muito mal feito, sr. Afonso da Maia”» Muito mal feito certamente para ter destes comentadores e jornalistas! Alguns revivem, num revivalismo saudoso, o outro lado da bancada de antanho, o verbalismo oco e palavroso dos tempos em que eram radicais pequenos-burgueses de fachada socialista (e já nesses tempos tinham a cobertura empenhada do Expresso do sr. Pinto Balsemão, como agora na sua entrevista dos 50 anos mais uma vez veio a lume). Mas todos, à semelhança da inaudita confissão de um dos sapientes comentadores, «O OE (…) é o que pode ser» (HM), consideram que deve ser assinado de cruz! Mas o que conhecem de facto do OE/2021 apresentado pelo Governo PS? Das suas insuficiências e deficiências e carências? O que sabem das contrapropostas concretas apresentadas pelos partidos de esquerda? O que adivinharam das negociações feitas? Onde estão as suas análises sobre as propostas e as contrapropostas? Ou vão falando de cor, na base dos comentários alheios e boatos que aparecem nos jornais, multiplicando pareceres e inventando atoardas? Quem faz as encenações, o teatro, o drama, e sobretudo a comédia, ou melhor, a farsa? Depois da invenção de um OE de «esquerda», «social», e logo não podia ser chumbado pela esquerda, a tese de que qualquer que seja o conteúdo do OE ele tem que ser aprovado! E pela esquerda, mesmo que esta o considere de direita! A inteligência do comentário é avassaladora! Aparentemente a nata do comentariado nacional não quer saber se o OE/2021 responde ou não aos problemas que o país vive e vai enfrentar no próximo ano. A sua única preocupação é a forma como decorrem as negociações (com mais rigor, a forma como os media as traduzem) dos partidos de esquerda com o Governo PS para introduzir as alterações e os acrescentos que julgam necessários para responder à situação. Aliás não se percebe se o conteúdo não interessa porque não assestaram as baterias sobre os partidos de direita, que do PSD ao Chega anunciaram um voto final e definitivo contra!

Batam palmas ao Camilo Lourenço que pelo menos assume: «Qual a herança de António Costa em cinco anos de governo? O regresso a uma espécie de PREC2 (não devia ser PREC.2???), (até nacionalizações já fez...) repescado dos anos anos 70, imposto por Bloco e PCP. São cedências à cartilha socialista-comunista que se pensava ter sido extirpada nos anos 90» (valha-nos Deus!). Ou a Daniel Bessa, que muito para lá do FMI e de Victor Gaspar, está preocupadíssimo: «O défice público está de regresso, e apenas em 2020 e 2021, fazendo fé nas contas e nas projecções do Governo, o Estado Português terá dois défices que, somados, rondarão os €27 mil milhões, aumentando no mesmo montante a dívida pública». (Benza-o Deus!) Isto é, devíamos continuar no défice zero de Centeno... pobre pandemia, nem o FMI te salva!   

Mas há uma coisa admirável, todos os caminhos vão dar a Roma, salvo seja, a Rio! Nada como realmente, o PSD deve sacudir-se e aprovar o OE. Nada de barganha. Deite para trás das costas o que o Costa disse, e dê o sim. É da ordem natural das coisas... Costa «devia ter pensado duas vezes e analisado a história da democracia portuguesa desde 1974. Ao repelir o PSD como interlocutor deu a este a vantagem imensa de o poupar para poder ser poder no futuro, e afastou o único partido, o social-democrata, que poderia ter ajudado o PS nesta aflição.» (CFA) Cai o pano.


Glossário: HM  (Henrique Monteiro); CFA (Clara Ferreira Alves); LM (Luís Marques; MST (Miguel Sousa Tavares); JMT (João Miguel Tavares; RT (Rui Tavares).   


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