Agostinho Lopes
A abertura de concurso para a construção do Memorial às Vítimas dos Incêndios Florestais de 2017 foi publicada no Diário da República. Com um valor de 1,8 milhões de euros, deverá ser construído na chamada estrada da morte, no local onde morreram muitas pessoas do incêndio de Pedrogão. Seria de pensar que associado ao Memorial ficasse também o início das políticas florestais necessárias para impedir tragédias como as desse fatídico ano! Um sinal forte, marcado na pedra, de que estavam em curso ou concretizadas todas as medidas necessárias ao ordenamento e gestão florestal, de prevenção e defesa da floresta nacional, de recuperação e consolidação das áreas então ardidas, das habitações destruídas, que estavam pagas as indemnizações devidas. Infelizmente, não é o que se pode constatar no terreno e na leitura dos preciosos relatórios do Observatório Técnico Independente (OTI). Muito pouco mudou, ou está em andamento com ritmo adequado. Os atrasos são muitos. E os falsos caminhos da propaganda continuam a enganar e a substituir os projectos e as obras necessárias. As ameaças e coimas sobre os agricultores, a propósito da limpeza de extremas conflituantes com habitações e perímetros urbanos, passaram a fazer parte do folclore nacional nesta altura do ano. Fogo de artifício para esconder o que não avança em questões cruciais. A gestão dos meios públicos necessários para a intervenção necessária, incluindo meios financeiros e recursos humanos, continua à míngua das decisões do Ministério das Finanças, zeloso servidor do défice e da dívida na poupança orçamental.
Qualquer que seja a vertente da política florestal que olhemos não é difícil verificar os atrasos, o faz que faz, as insuficiências e a impotência para ultrapassar as políticas que conduziram a floresta portuguesa ao desastre. Basta a meteorologia reduzir a área ardida para que se faça o que sempre fizeram: louvar as decisões governamentais que deixam tudo ou quase tudo na mesma. Infelizmente a ocupação de páginas e páginas do Diário da República com Resoluções do Conselho de Ministros e planos e programas e portarias e despachos não tem qualquer correspondência com a obra no terreno.
Impiedosos com os pequenos proprietários florestais, louvam o trabalho a meio pau da REN, EDP e IP, que não concretizam sequer os planos que anunciam. Coimas para uns, enquanto o Estado se atrasa ano após ano na construção de toda a Rede Primária de Faixas de Gestão de Combustíveis da sua responsabilidade. Continua por concretizar a meta das 500 equipas de sapadores florestais, apesar de acordo com suporte orçamental. Idem na reconstituição do Corpo de Guardas Florestais e no reforço e renovação dos efectivos do ICNF. Não se cumprem minimamente as metas que fixaram na aplicação do «fogo controlado» na limpeza de áreas críticas. Apesar do clamor unânime, em 2017, da necessidade da qualificação e requalificação dos agentes florestais, tudo permanece no papel dos Relatórios, inclusive dos então produzidos. Do cadastro, descoberta a fórmula milagrosa e fraudulenta do «cadastro simplificado», não falam… ou antes, fazem de conta que está em elaboração. Como paradigma da recuperação das áreas ardidas, nada como olhar para o Pinhal de Leiria, uma das consequências criminosas das políticas de décadas do PS, PSD e CDS: tudo permanece na paz do senhor, à espera da «regeneração natural»… E enquanto os eucaliptos inçam as áreas então ardidas, o Governo avança na reforma da PAC, iniciando um caminho que vai reduzir os apoios directos aos agricultores do Norte e Centro para os aumentar à grande propriedade do Alentejo e Ribatejo. Ou seja, incentiva a continuidade do abandono de explorações, da redução da ocupação agrícola e pecuária de solos, do despovoamento e desertificação. A principal causa estrutural de incêndios passados. Tudo em nome da convergência interna (?!) dos apoios e da cumplicidade com a brutal divergência externa dos mesmos no espaço da UE!
Não vale a pena pôr mais na carta senão começamos a chorar. Até perante a «cegueira» total da comunicação social dominante que, passando a vida a soltar os cães, não vê a realidade que lhe passa diante dos olhos e até a atropela!
Um dia destes a tragédia vai regressar. Não se esqueçam de tocar os sinos a rebate e chamar os bombeiros.
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