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2 de março de 2022

Sanções, mas contra quem

 Jorge Fonseca de Almeida. DN

 A entrada das tropas russas na Ucrânia desencadeou uma onda de sanções da Europa e da América do Norte contra a Rússia. No entanto, as sanções parecem abater-se sobre as populações europeias levantando a legítima questão se as sanções visam a Rússia ou a Alemanha e a União Europeia.

A travagem do gasoduto ligando a Rússia à Alemanha, o denominado, North Stream 2, afeta tanto a Rússia quanto a Alemanha, ficando esta última sem o abastecimento abundante a preços moderados e tendo como principal alternativa o gás americano a preços bem mais elevados. Uma enorme perda de competitividade para as empresas alemãs.

A expulsão da Rússia do sistema Swift, sistema praticamente monopolista nas transações financeiras internacionais, assinala o fim deste sistema europeu, uma vez que os países que negoceiam com a Rússia terão de passar a utilizar outro sistema alternativo - existem dois outros muito mais pequenos. Provavelmente o chinês irá começar a expandir-se. A perda de negócio do Swift vai cifrar-se em largos biliões de euros. Note-se que o desconetar a Rússia do Swift se está a desconetar os bancos europeus das suas próprias filiais na Rússia - e algumas são operações relevantes para esses bancos.

Nos dois casos os americanos tinham um contencioso com a União Europeia. No primeiro os EUA opunham-se ao North Stream 2 na medida em que querem que a Europa lhes compre o gás de forma a financiar a expansão americana na Ásia. No segundo o litígio adveio da instalação em 2006 pelos americanos de um sistema de espionagem no Swift que foi banido pela União Europeia.

Outras sanções parecem também atingir duramente a Alemanha e a União Europeia, nomeadamente a importação de certos bens e a exportação de outros. Naturalmente esses mercados tenderão a ser preenchidos pelos países que não alinham nas sanções, nomeadamente chineses, indianos e sul-americanos, com prejuízo para a Europa.

Neste sentido as sanções americanas parecem dirigir-se tanto à Rússia como à União Europeia. Parecem ser desenhada para matar dois coelhos com uma cajadada só.

É já certo que a inflação vai acelerar, que os juros mais cedo ou tarde, terão de subir, que a recessão se vai instalar e que a oportunidade aberta com a bazuca se vai perder. Muitos políticos se referiram a esta oportunidade como a "última" para retirar Portugal do declínio que se instalou no país.

A Ucrânia, infelizmente, é o país que mais vai sofrer, devastada pela guerra e pela destruição vai agora, com a compra de material de guerra endividar-se ainda mais aos países ocidentais. Se os Russos lhe impuserem indemnizações de guerra a divida será substancialmente agravada. No final estará duplamente vergada pela guerra e pela dívida.

Portugal será um dos países da União Europeia que mais sofrerá com as consequências das sanções. A inflação e a subida dos juros, que foi momentaneamente adiada mas que é inevitável, vão levar a uma nova onda de austeridade. A subida dos preços dos combustíveis por seu lado tenderá a agravar a competitividade da economia nacional. Alguns analistas, preveem para um futuro próximo falhas significativas no abastecimento elétrico às empresas e às populações. E o ajuste competitivo, como sempre em Portugal, não será feito pelo salto tecnológico, para o qual faltam capital e qualificações, mas pela descida dos salários reais e pelo empobrecimento da população.

As sanções que todos exigem e festejam seremos nós a pagá-las com língua de pau. É bom recordar o célebre poeta inglês que perguntava por quem os sinos dobram. E respondia dobram por ti. É este o caso das sanções decretadas pelos Estados Unidos.

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