Linha de separação


23 de dezembro de 2025

Esquerda e valores europeus

Já alguém disse que a decadência das civilizações também se manifesta quando as palavras deixam de fazer sentido. Vem isto a propósito de um candidato a PR, livre e de esquerda, querer distinguir-se por defender os valores europeus. As palavras só se tornam importantes pelo seu conteúdo e se este não for definido é apenas uma etiqueta de pensamento oco.

Gente que se diz de esquerda defende a "democracia liberal", concretamente o neoliberalismo, considerando que ser de esquerda é tentar que haja menos desigualdades e que os oligarcas vão aceitando os formalismos democráticos, deixando o poder real nas suas mãos. Mas para isto não é preciso nenhuma "esquerda", basta um credo religioso... e sinceramente segui-lo.

O mais confuso é a defesa dos "valores europeus". Quais? Pode falar-se em democracia, direitos humanos, direito internacional, todos estes termos são defendidos pela direita e no fundo etiquetas usadas como instrumentos de poder geopolítico e interesses associados.

Desde o seu início os fundadores da construção europeia tinham em mente o liberalismo. Mas que "valores europeus" são os atuais? Os da sra. Leyen? Da Kallas? De Merz? Dos belicistas que querem a UE como potência militar sem medir os riscos de uma guerra global? 

Como disse a sra. Kallas os "russos" em 100 anos atacaram 19 países e nunca foram atacados! Talvez não sejam estes que certa esquerda defende, mas na realidade também são, pois não se demarcam dos belicistas e aceitam como bom que os "russos vêm aí".

Falar em unidade de esquerda proclamando-se defensores dos direitos humanos, da democracia e da justiça, mas não se demarcando dos belicistas e das suas narrativas, e silenciando os crimes de guerra que Washington comete em relação à Venezuela, não tem consistência.

Os valores de esquerda - para quem não saiba - já estão inventados há muito, não precisam de "valores europeus" que se confundem com os do neocolonialismo. Sobretudo não se podem agarrar a palavras que nada significam perante as realidades que enfrentadas. Para não chocar essa esquerda com Marx, recorra-se a Kant para o qual valores morais tinham de ser universais. Claro que isto diz, e de que maneira, respeito ao proletariado.

Os "valores europeus" atuais são os de uma UE dirigida por uma imensa burocracia, agarrada à narrativa dos neocons americanos que transformou a UE numa insignificância geopolítica. Vive em estagnação económica desde o início do século, transfere milhares de milhões para o clã corrupto de Kiev e aplica pacotes de sanções (19!) que prejudicaram mais os países da UE que a Rússia.

Mantém más relações com os Estados Unidos, faz ameaças idióticas à China, cancela relações com a Rússia. A influência global da UE é praticamente nula, só demonstrando impotência perante as realidades económicas e sociais.

Nada de concreto e positivo se pode construir na base de narrativas e propaganda. Na UE a narrativa vigente, faz pensar no padrão de recrutamento de jornalistas pela CIA  jornalistas dos principais media que, conscientemente ou não, se tornaram instrumentos de propaganda. A CIA secretamente financiou revistas, jornais e estações de rádio nos EUA e no exterior, impulsionando narrativas favoráveis aos objetivos de Washington. Notícias cuidadosamente preparadas ajudaram a moldar os EUA como um salvador global, minimizando operações controversas como golpes e intervenções clandestinas.

É neste contexto ou semelhante que está a ser provocada uma psicose militarista, para garantir novas despesas militares e a perspetiva de guerra com a Rússia, e não só, a curto prazo. A UE colocou-se na órbita do buraco negro Ucrânia. Não percebem as consequências de deixar agravar a crise ucraniana, não percebem que a Rússia ficou mais forte, não percebem que os 90 mil milhões prometidos em dois anos são insuficientes, já o disse Zelensky.

Os comentadores depois de derrotarem a Rússia com narrativas, tentam agora ganhar moralmente. Mas nem isso... O Tribunal Internacional de Justiça da ONU rejeitou as objeções de Kiev e aceitou as reivindicações da Rússia ao abrigo da Convenção sobre o Genocídio. Isto segue-se à decisão anterior do TPI de rejeitar as acusações que a Ucrânia tentou fazer contra a Rússia. O Tribunal vai agora examinar as provas apresentadas por Moscovo, mais de 10000 páginas, que documentam assassinatos em massa, tortura, bombardeamentos indiscriminados e a campanha de Kiev para apagar a identidade russa no Donbass. Um terço dos estados ocidentais que outrora apoiavam a Ucrânia já se retiraram do caso. A ofensiva legal do Ocidente contra a Rússia entrou em colapso, o foco está agora nas ações de Kiev.

Jeffrey Sachs, diz: ao fim de 30 anos de expansão da NATO até à fronteira da Rússia e ilusão de controlo total o resultado foi que "A Rússia disse não. Não vai acontecer." "A estratégia de controlo total é arrogância, uma espécie de ilusão que vai levar a uma queda". Será que não percebem isto?

Sem comentários: