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1 de junho de 2011

ECONOMIA POLÍTICA ALQUÍMICA
Tendo ouvido uma entrevista com um ex-presidente da CIP e recebido um panfleto de propaganda do PSD o que de repente me ocorreu foi: Voltámos ao tempo da alquimia!
Antes da ciência moderna ter sido estruturada muitos esforços foram desenvolvidos na procura da “pedra filosofal” que produziria a transformação de metais “vis” (!) como o ferro ou o chumbo em metais “nobres” como o ouro ou ainda a procura do “movimento perpétuo”. A descoberta das leis da química e da termodinâmica puseram fim a estas inúteis tentativas.
Nada se compara mais aos alquimistas ou aos pesquisadores do movimento perpétuo que certos respeitáveis (alguns nem tanto…) cavalheiros que nos enchem com as suas análises, propostas e conjuntos de medidas que pretensamente salvariam o país, já que pelos mesmos processos se vem afundando há décadas.
Dizer que com a agenda política do memorando da troika - que prevê desemprego, recessão, redução das prestações sociais - se consegue relançar o crescimento e o emprego, protecção social, inclusão e solidariedade, apenas mudando de pessoas e métodos, só tem similar na alquimia que aliás era um misto de magia negra, alguns conhecimentos mais empíricos que científicos e escroqueria, como ficou documentado nos relatos de Giacomo Casanova sobre o tema.
Em ambos os casos, na economia política e na alquimia, há ao lado de pessoas sinceramente convencidas da realidade das suas superstições, vigaristas que se aproveitaram e aproveitam da credulidade e ambição dos incautos. A ciência acabou com as ilusões alquímicas: não se tratava de aperfeiçoar os métodos ou de pessoas mais capazes, a impossibilidade não era de ordem prática ou técnica, era de ordem teórica. Repare-se contudo que a química como ciência ficou a dever contribuições à alquimia, porém isso não tornava os esforços dos alquimistas mais válidos ou eficazes: os seus objectivos estavam errados, eram impossíveis de atingir.
Também no caso das políticas neoliberais vemos por vezes pessoas competentes nas suas áreas, com ideias que podemos considerar válidas em termos específicos. Não se trata porém da competência das pessoas ou de aperfeiçoar métodos: os seus objectivos estão errados prática e teoricamente. Porque é então impossível nestas condições conseguir ultrapassar a crise e alcançar o desenvolvimento económico e social? O texto que se segue responde a estas questões de forma muito simples e consistente. (1)
“O BCE torna os governos europeus incapazes de financiar as suas despesas. A introdução do euro em 1999 explicitamente proibiu o BCE ou qualquer banco central nacional de financiar os défices governamentais. Isto significa que nenhuma nação tem um banco central capaz de fazer aquilo para o que nos EUA ou Reino Unido foram criados: fornecer moeda para o crédito dos bancos nacionais”.
“A política está a ser financeirizada enquanto a economia está sendo privatizada. A estratégia financeira consistiu em remover o planeamento económico pelos representantes democraticamente eleitos, centralizando-o nas mãos dos gestores financeiros. Aquilo que Benito Mussolini chamou “corporativismo” nos anos 20 do século passado (para lhe dar um nome suave) está agora ser alcançado pelos grandes bancos europeus e instituições financeiras – ironicamente (mas suponho que inevitavelmente) sob o eufemismo de “economia do mercado livre”.
“A contradição interna (tal como os Marxistas diriam) é que a massa existente de dívida tem de crescer à medida que os juros são pagos e são reinvestidos para obterem mais juros (…) O problema é que pagar juros desvia os rendimentos do movimento cíclico entre produção e consumo. Assim há um excesso de produção no mercado e os negócios afundam-se com o sector financeiro a reclamar ser a principal força económica”.
“À medida que os activos financeiros crescem apoiados pela criação de crédito nos teclados dos computadores dos bancos comerciais, as comissões ilegítimas sobre a economia real aumentam”.
“A ideia de pagar dívidas independentemente dos custos sociais é suportada por modelos matemáticos tão complexos como os usados pelos físicos que projectam reactores nucleares. Mas têm um defeito básico suficiente simples para um estudante de matemática compreender”. (…) “Apenas ignorando a capacidade de pagar pela criação de excedente económico acima dos níveis de défice se pode acreditar que a alavancagem da dívida pode produzir suficientes ganhos para pagar aos bancos, fundos e instituições financeiras que reciclam os seus juros em novos empréstimos”.
“Era suposto a engenharia financeira conduzir a sociedade pós industrial que faria dinheiro a partir de dinheiro (ou antes de crédito) por via do aumento do preço das propriedades imobiliárias, acções e títulos. Poderá parecer mais fácil do que ter lucros a partir de investimentos para produzir bens e serviços para o mercado porque os bancos podem acelerar a inflação dos preços dos activos apenas pela criação de crédito electronicamente nos seus computadores”.
“Esta substituição do ciclo D-M-D’ (usando capital para produzir bens e serviços vendidos com certo lucro) por D-D’ (comprar propriedades, activos já no mercado ou acções e títulos já emitidos) esperando que um banco central inflacione os seus preços ao baixar as taxas de juro e isentando a riqueza de tal forma que grandes investidores possam aumentar a sua procura de propriedades e produtos financeiros”. “O problema é que crédito é dívida e dívida tem de ser paga – com juro. E quando a economia paga juros menos rendimento existe para gastar em bens e serviços. Assim os mercados afundam-se, vendas declinam, os lucros caem, e não há disponibilidades de caixa para pagar juros e dividendos. O desemprego sobe, rendas caem, os detentores de hipotecas tornam-se insolventes. Quando os activos caem as dívidas permanecem. A bolha financeira torna-se um pesadelo e os políticos assumem nos Orçamentos de Estado as dívidas privadas dos bancos (muitas vezes fraudulentas)”.
“Os países da zona euro estão bloqueados no euro resta-lhes apenas a desvalorização interna: abaixamento de salários como alternativa ao reescalonamento do pagamento aos credores do topo da pirâmide económica europeia”.
“Salvar o euro” é o eufemismo para os governos salvarem a classe financeira – e com isso uma dívida dinâmica que se está aproximando do seu fim, independentemente do que eles façam. O objectivo é preservar o valor das euro - dívidas à Alemanha, Holanda, França e instituições financeiras (a que se juntaram fundos predadores). O preço será pago pelos trabalhadores e pela indústria”.
“Os governos perderam a maior parte da sua autoridade. Precisamente, a propriedade pública está a ser retalhada e vendida aos credores; a política económica está a ser tirada das mãos dos representantes democraticamente eleitos e colocada nas mãos do BCE,CE e FMI”. “Ajudar a Grécia a permanecer solvente” significa na prática evitar taxar a riqueza (os mais ricos não estão a pagar impostos) reduzir salários e obrigar os trabalhadores a pagar mais impostos enquanto o governo (isto é, os “contribuintes", leia-se trabalhadores) vende propriedades e empresas para salvar bancos estrangeiros e possuidores de títulos ao mesmo tempo que corta nos gastos sociais, nos subsídios à indústria e nos investimentos em infraestruturas”.
“Suponho que toda esta realidade é necessária para que as pessoas compreendam as dinâmicas que estão em jogo e que tornam estas tentativas de pagamento de dívidas inúteis. Os credores sabem que o que está em jogo. Tudo o que fazem é tirar tanto quanto puderem pagando a si próprios generosos bónus que não lhes serão retirados por procuradores públicos, e correrem para os seus centros bancários em off-shores”.

1 – Traduzimos partes de um artigo do prof. Michael Hudson de 27.maio.2011 no site http://www.counterpunch.org./Michael Hudson is a former Wall Street economist. A Distinguished Research Professor at University of Missouri, Kansas City (UMKC), he is the author of many books, including Super Imperialism: The Economic Strategy of American Empire (new ed., Pluto Press, 2002) and Trade, Development and Foreign Debt: A History of Theories of Polarization v. Convergence in the World Economy. He can be reached via his website, mh@michael-hudson.com This article is an excerpt from Prof. Hudson’s work in progress, “Debts that Can’t be Paid, Won’t Be,” to be published later this year”.

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