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16 de junho de 2011

O PEQUENO DICIONÁRIO CRÍTICO – 21.2 – ECONOMIA DE SUCESSO II – AS 3 CRISES

Consta que estando Constantinopla cercada pelos otomanos, se discutia nos seus fóruns qual seria o sexo dos anjos. O termo ficou e é aplicável às discussões nos areópagos sejam dos G7, dos 8 ou dos 20, seja nas gongóricas reuniões do Conselho Europeu, face às 3 gravíssimas crises que o mundo tem de enfrentar e resolver: a crise económica e financeira, a crise social, a crise ecológica.
Nenhuma das medidas que permitiriam resolver estas situações é compatível no quadro do desenvolvimento capitalista que impõe os lucros monopolistas, o processo rentista e especulador, a livre circulação de capitais e impede a intervenção do Estado na esfera produtiva e o planeamento económico democrático.
O esgotamento dos recursos naturais imporá alterações drásticas no modo de vida e no funcionamento das sociedades. Trata-se do fim da era da energia barata (peak oil); do esgotamento dos recursos naturais como a água, as florestas, os solos férteis, a pesca, que afectará milhares de milhões de pessoas. Mil milhões de seres humanos numa centena de países estão já ameaçados pela desertificação. A biodiversidade declina rapidamente; calcula-se que 24 000 milhões de toneladas de solo fértil são perdidos todos os anos pela erosão. Muitos minerais fundamentais atingem o ponto de esgotamento, implicado a sua extração cada vez maior dificuldade e maiores custos. Para tudo isto o sistema capitalista não tem soluções: devido às leis do seu funcionamento, ignorando custos e benefícios sociais, funcionando em função do lucro privado, precisamente em sentido contrário do que seria desejável e necessário.
A incompreensão do que são custos e benefícios sociais e, por consequência também ambientais está bem expressa pela afirmação de um dos homens mais ricos de Portugal, que se congratulava por ser possível – nos seus supermercados – colocar pescado fresco do Chile em 36 horas ou frutos tropicais em 9 horas, transportados de avião. Para ele e quem pensa como ele a economia de sucesso é isto, que represente desemprego na pesca e na agricultura nacionais, défices da Balança Comercial e consequente endividamento do país que tão superlativamente criticam, não parece ser relevante. E serão ainda menos, os custos ambientais de tal “eficiência”.
“É um dogma do capitalismo “laissz-faire” (leia-se neoliberalismo) que os lucros medem o ganho que a sociedade obtém de um investimento. A aceitação deste ponto de vista parece permitir aos capitalistas reclamarem o aplauso da sociedade à medida que enchem os bolsos. Assim não pode ser negado como intolerável hipocrisia a teoria de que os lucros medem o ganho social e não apenas o ganho privado (…) Os lucros são um mecanismo quase essencial de sinalização para guiar as decisões de investimento – mas podem ou não ser um bom mecanismo. Será bom se de forma aproximada a despesa medir os custos sociais e as receitas os benefícios sociais”. (I.M. Little e J.A Mirless – Project Appraisal and Planning for Developing Countries, Heinemann Educational Books, Londres 1977 p.18). (1)
A questão é na sua essência simples. Não há solução para estas crises no sistema capitalista. As propostas apresentadas – imposições – são confessadamente apenas para resolver os problemas financeiros da banca. São propostas que pretendem resolver os problemas com as medidas que lhes deram origem. Fazer as mesmas coisas à espera de resultados diferentes configura um quadro de insanidade mental (um mundo dirigido por loucos…) caso não se tratasse de puro dogmatismo para uns, de oportunismo para outros, de ganância sobretudo para os que controlam estes. Vemos títeres criticarem aquilo que efectivamente defendem e praticam, enunciarem promessas de reformas e fazerem apelos à ética, palavras vazias de conteúdos concretos com que se tenta iludir incautos.
Será então o sistema imune à ética e às reformas no sentido de resolver as suas 3 crises? Sim, porque o problema não reside em razões práticas, mas teóricas. O sistema teria de deixar de ser aquilo que a sua natureza implica. Foi por isso que o keinesianismo (ver temas 6 e 7) teve de ser abandonado.
Parece pela evidência dos factos que a questão de reforma ou revolução está ultrapassada. O sistema mostrou ser irreformável, muito pelo contrário, o que se designa por reformas são tão-somente retrocessos civilizacionais de décadas, largas décadas em muitos casos, cuja tendência é a generalização do trabalho sem ou com um mínimo de direitos: trabalho smiescravo. O mito social – democrata de criar mais riqueza para melhor a distribuir, sem ter em conta as relações de produção, cai pela base com a livre circulação de capitais, o domínio dos paraísos fiscais e dos critérios de especulação financeira
A “economia de sucesso” ao longo das últimas décadas consistiu basicamente na espoliação das riquezas nacionais de cada país em benefício de uma camada de bilionários e multimilionários e no empobrecimento geral. Esta “economia de sucesso” mostrou-se incapaz de avaliar a realidade, de prever o futuro próximo e apontar adequadas medidas além de mais austeridade. “A austeridade leva ao desastre” (Joseph Stiglitz). Sim, para a população trabalhadora e para os países dominados, mas de sucesso para a finança.
Ao encarar retrospectivamente essa crença no decurso das audiências no Congresso no passado Outono, Alan Greenspan disse : “Deparei-me com um erro”. O congressista Henry Waxman pressionou-o, dizendo: “Por outras palavras: você descobriu que a sua visão do mundo, a sua ideologia, não era correcta, não funcionava”. “Exactamente, precisamente”, disse Greenspan. Estas palavras deveriam ser motivo de reflexão, mas não só: é necessário que se pense também na razão pela qual não são abordadas nas discussões, nas análises, no ensino.
A adopção desta filosofia económica defeituosa tornou inevitável que tivéssemos chegado ao ponto em que nos encontramos actualmente Na realidade, esta “economia de sucesso” não é apenas um erro, é um logro, é uma tragédia. E sendo assim, é necessário encontrar outras formas de avaliar o sucesso que não se expressem exclusivamente no lucros privados, mas sim prioritariamente nos benefícios sociais.
1- O prof. Little foi vice-presidente da OCDE; o prof. Mirrless, de Oxford, dedicou-se à investigação do desenvolvimento económico em países menos desenvolvidos. As ideias que estes autores apresentam, tal como outros em publicações da ONU e mesmo do Banco Mundial, são hoje totalmente escamoteadas pelo totalitarismo financeiro vigente.
A seguir – Iniciativa

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