Se
bem me lembro da história dos últimos dois séculos, a «coisa»
terá começado com o revisionismo de Kautsky e Bernstein. Este
último terá ficado algo famoso pela sua tese de que «o importante
mesmo era o movimento»... Entretanto não especificava bem
claramente qual era a direcção do caminho a seguir, pois que aquilo
que para ele parecia ser mesmo importante era «ir andando»... A
este respeito, suspeito que o poeta andaluz António Machado não
devia apreciar muito a proximidade verbal com as estrofes do seu
famoso poema «Caminhante,
são teus rastos o caminho, e nada mais; caminhante, não há
caminho, faz-se caminho ao andar».
Durante
umas décadas, a seguir à Revolução de Outubro, a
social-democracia europeia parecia querer seguir uma via alternativa
para se chegar ao Socialismo, meta histórica almejada por todos os
progresistas. No que diz respeito ao mundo de língua inglesa, o
contributo de Keynes veio dar algum fôlego ou alento às correntes
social-democratas, através das suas ligações às sociedades
fabianas da Grã-Bretanha e dos Estados Unidos. Sendo que as
sociedades fabianas se propunham chegar ao socialismo por via de um
atrito e desgaste (moral e físico) planeado, do sistema capitalista1
e foi assim que o período dos «trinta gloriosos» anos da
reconstrução do pós-segunda guerra mundial, viu emergir muitas das
ideias keynesianas da construção de um Estado de Bem Estar Social.
Os
herdeiros políticos de Kautsky e Bernstein pareciam «dar-se por
satisfeitos» e continuavam a fazer a sua «caminhada» (o
«movimento», sempre o «movimento»...) sem, pelos vistos, terem
uma noção exacta de para onde é que queriam caminhar.
Pareciam assim limitar-se a «administrar o capitalismo» melhor –
julgavam eles – do que os próprios capitalistas.
Mas
muitos destes – os donos efectivos do Capital – conhecem
naturalmente muito melhor do que os «sociais-democratas» qual a
lógica de funcionamento do sistema capitalista. E deram-se conta de
que a dinâmica histórica não iria deter-se numa «gestão
humana, mais justa e racional»
do sistema. A dinâmica histórica, com uma permanente evolução
sistémica (mais tecnologia, menos tempo de trabalho, mais tempo
livre para pensar...) poderia acabar por conduzir a uma maior
consciencialização das massas trabalhadoras – entretanto cada vez
mais qualificadas («teconologia «oblige»...). Tudo isso um pouco
por todo o mundo mas a começar principalmente nos países «mais
avançados». Ao mesmo tempo que conduziria – inevitavelmente – a
uma continuada desvalorização do Capital e a um esgotamento
progressivo da fonte de «valor acrescido»: menos trabalho humano
vivo.
Dir-se-ia aqui, com ironia quanto baste, que alguns dos donos
do Capital poderiam ter sido leitores e estudiosos atentos do «Das
Kapital» de Karl
Marx...
Ainda
que de uma forma algo enviesada, o primeiro dos grandes (ou melhor, o mais
ilustre...) dos continuadores de Kautsky e Bernstein – enquanto «soi
disant»
social-democratas – terá sido J.M.Keynes. Este recuperou o
problema fundamental da Economia Política clássica: o problema da
procura efectiva; quem é que consome o produto excedente que não
seja aplicado em novos investimentos. Foi também a altura da
«criação destrutiva» de Schumpeter e da classe do lazer de
Thorstein Veblen. Na realidade nem esta classe do lazer, nem a tal
«criação destrutiva» foram suficientes para absorver (ou
eliminar...) os excedentes das crises de sobreprodução. Para isso,
e para resolver o problema do desemprego sistémico daí resultante
foram necessárias duas guerras mundiais. Há quem lhes chame a
«guerra dos trinta anos do século XX».
Ao
longo das décadas de meados do século XX – entre os anos Trinta e
os anos Setenta, mais coisa menos coisa – apareceram alguns
contributos interessantes tentando «salvar o que pudesse ser salvo»
de alguns desvios e devaneios da social-democracia. Desde o
«conformismo» de Schumpeter perante aquilo que ele considerava a
inevitabilidade do socialismo por via do crescimento das grandes
corporações empresariais e respectivas burocracias planificadoras
do desenvolvimento capitalista, até ao «Novo Estado Industrial»
(com a sua tecnoestrutura) de J.K. Galbraith, passando pelas
múltiplas revisões e revisitações da obra de Marx (procurando
«ajustá-la às "novas realidades"»...) houve de tudo um
pouco.
E
no meio da confusão social-democrata e reformista das «terceira
vias», Hayek e a Sociedade do Monte Pélérin foram lenta e
paulatinamente lançando as bases sólidas de um ataque coeso e firme
a tudo quanto «cheirasse» a socialismo. Mesmo que se tratasse
apenas de vagos odores «socialo-democratas». Nasceu assim o
famigerado neoliberalismo e a sua consolidação como sistema único
de pensar a economia.
A
chamada «social-democracia» e os seus partidos representativos
«adormeceram na forma», «meteram o socialismo na gaveta, cederam
alegremente ao canto da sereia de um «capitalismo para todos» e os
resultados dessa experiência social numa espécie de laboratório
planetário, longa já de mais de três décadas, estão hoje bem à
vista de quem tenha olhos para ver...
Nunca
foi tão urgente estudar (e compreender mesmo) a lógica detalhada em
«Das Kapital».
1Lembro
que o nome «Sociedade Fabiana» fora escolhido em honra ao general
romano Quinto Fábio Maximo que tinha contribuído para a derrota
final do general cartaginês Hanibal, justamente pelo uso
sistemático da estratégia do desgaste e de guerrilha permanente,
em vez de batalhas de confrontação directa. Por outro lado, alguns
dos fabianos mais conhecidos – Bernard Shaw é o caso mais
saliente – não deixaram de admirar o «socialismo» de Mussolini
e de Hitler... É o que pode acontecer – e acontece naturalmente -
quando às «boas intenções» de «justiça social
anti-capitalista» não se junta uma sólida base teórica sobre os
fundamentos do sistema capitalista.
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