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28 de abril de 2020

Para a comunicação social dominante

Chomsky: «O único país que demonstrou um internacionalismo genuíno foi Cuba»

O Granma Internacional publica excertos da entrevista concedida pelo linguista, filósofo, politicologista e ativista dos E.U,  Noam Chomsky
Para o filósofo e linguista Noam Chomsky, a primeira grande lição da pandemia atual é que estamos perante «outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo», que no caso dos Estados Unidos é agravada pela natureza dos «conselheiros sociopatas que manipulam o governo», liderado por Donald Trump.
De seu lar em Tucson, Arizona, e longe do seu gabinete, no Instituto Tecnológico de Massachusetts (MIT), a partir do qual mudou para sempre o âmbito da linguística, Chomsky examina, em uma entrevista com a agência Efe, as consequências de um vírus que está deixando bem claro que os governos estão sendo «o problema e não a solução».
Quais lições positivas podemos tirar desta pandemia?
«A primeira lição é que estamos perante outra falha em massa e colossal da versão neoliberal do capitalismo. Caso não aprendermos isso, a próxima vez que acontecer algo semelhante vai ser pior. É óbvio depois do que aconteceu após a epidemia da SARS, em 2003. Os cientistas sabiam que viriam outras pandemias, provavelmente da variedade do coronavírus. Teria sido possível se preparar naquele momento e abordá-la, tal como se faz com a gripe. Mas não foi feito».

«As companhias farmacêuticas tinham recursos e são muito ricas, mas não o fazem porque os mercados dizem que não há lucro em se preparar para uma catástrofe que está ao virar da rua. E depois vem o martelo neoliberal. Os governos não podem fazer nada. Estão sendo o problema e não a solução».
«Os Estados Unidos são uma catástrofe, pelo jogo que estão fazendo em Washington. Sabem como culpar todo o mundo, exceto eles próprios, apesar de serem os responsáveis. Agora somos o epicentro, em um país que é tão disfuncional, que nem sequer é capaz de fornecer informação sobre a infecção à Organização Mundial da Saúde (OMS)».
O que o senhor opina da gestão da administração Trump?
«A maneira em que isto se desenvolveu é surrealista. Em fevereiro, a pandemia estava fazendo estragos, todo o mundo reconhecia isso nos Estados Unidos. Justamente em fevereiro, Trump apresentou uns orçamentos que seria bom examinar de perto. Cortes no Centro de Prevenção e Controle de Doenças e em outros setores relacionados com a saúde. Fez cortes em meio de uma pandemia e incrementou o financiamento às indústrias de energia fóssil, a despesa militar, o famoso muro...»
«Tudo isso diz a respeito da natureza dos bufões sociopáticos que manipulam o governo e que o país está sofrendo. Agora procuram desesperadamente culpar alguém. Fazem cair as culpas na China, na Organização Mundial da Saúde (OMS)... e o que fizeram com a OMS é realmente criminoso».
«Deixar de financiá-la? O que significa isso? A OMS trabalha no mundo todo, principalmente nos países pobres, com temas relacionados com a diarreia, a maternidade... Então, o que estão dizendo? “Epa, vamos matar um monte de pessoas no sul, porque talvez isso nos ajude com as nossas perspectivas eleitorais”. Esse é um mundo de sociopáticos».
Trump começou negando a crise, disse, inclusive, que era uma mentira dos democratas... Esta pode ser a primeira vez que Trump é vencido pelos fatos?
«É preciso conceder a Trump um mérito... É provavelmente o homem mais inseguro de si mesmo que tenha existido alguma vez. É capaz de sustentar um cartaz que diga “eu os amo, porque sou o seu salvador, confiem em mim, porque trabalho dia e noite para vocês” e com a outra mão espetar-lhes uma faca nas costas. É assim como interage com os seus votantes, que o adoram, independentemente do que possa fazer. E recebe ajuda através de um fenômeno da mídia, conformado pela Fox News, Rush Limbaugh, Breitbart... que são os únicos órgãos da mídia que os republicanos acompanham».
««Se Trump diz um dia “é apenas uma gripe, esqueçam-na”, eles dirão que sim, que é uma gripe e que é preciso esquecê-la. E no dia seguinte disser que é uma pandemia terrível e que ele foi o primeiro a perceber isso, eles vão gritar em uníssono e dirão que é a melhor pessoa da história».
«Ao mesmo tempo, Trump assiste à Fox News todas as manhãs e determina o que se supõe que tem que dizer. É um fenômeno espantoso. Rupert Murdoch, Limbaug e os sociopáticos da Casa Branca estão levando o país à destruição».
Esta pandemia poderia mudar a maneira em que nos estamos relacionando com a natureza?
«Isso depende das pessoas jovens. Depende da forma em que a população mundial reaja. Isso nos poderia levar a estados altamente autoritários e repressivos que espalhem o manual neoliberal, inclusive mais do que agora. Lembrem: a classe capitalista não abre mão. Pede mais financiamento para os combustíveis fósseis, destrói as regulamentações que oferecem alguma proteção...».
«Em meio da pandemia nos EUA foram eliminando algumas normas que restringem a emissão de mercúrio e outros poluentes... Isso significa matar mais crianças estadunidenses, destruir o meio ambiente. Não param. E se não há forças que se oponham, esse é o mundo que vai ficar para nós».
Como vai ficar o mapa de poder em termos geopolíticos depois da pandemia?
«O que está acontecendo em nível internacional é bastante chocante. Tem isso que chamam de União Europeia. Escutamos a palavra «união». Epa, olhem a Alemanha, que está gerindo a crise muito bem... Na Itália a crise é aguda... Está recebendo ajuda da Alemanha? Por fortuna, está recebendo ajuda de uma ”superpotência” como Cuba, que está mandando médicos. Ou da China, que envia material e ajuda. Mas não recebe assistência dos países ricos da União Europeia. Isso quer dizer algo...»
«O único país que demonstrou um internacionalismo genuíno foi Cuba, que sempre esteve sob a estrangulação econômica por parte dos EUA e que devido a um milagre conseguiu sobreviver, para continuar demonstrando ao mundo o que é o internacionalismo. Mas isso a gente não o pode dizer nos EUA porque o que tem que fazer é culpar Cuba de violações dos direitos humanos. De fato, as piores violações dos direitos humanos estão acontecendo no sudeste de Cuba, em um local chamado Guantánamo, que os Estados Unidos ocuparam pela força e que se negam a devolver».
«Uma pessoa educada e obediente se supõe que tem que culpar a China, invocar o “perigo amarelo” e dizer que os chineses vêm destruir-nos e nós somos maravilhosos».
«Há um apelo ao internacionalismo progressista com a coligação que começou Bernie Sanders nos Estados Unidos ou Varoufakis na Europa. Contém elementos progressistas para contestar o movimento reacionário forjado a partir da Casa Branca (...) da mão de estados brutais do Oriente Médio; Israel (...) ou com pessoas como Orban ou Salvini, cujo desfrute na vida é garantir que aquelas pessoas que fogem desesperadamente da África se afoguem no Mediterrâneo».
«Colocas todo esse “reacionarismo” internacional em um lado e a pergunta que surge é... serão contestados? E somente vejo alguma esperança naquilo que foi construído por Bernie Sanders».
O que o senhor acha que vai acontecer com a globalização, tal como a conhecemos?
«Não tem nada de mau a globalização. É bom ir de viagem à Espanha, por exemplo. A pergunta é a forma de globalização. A que se desenvolveu foi sob o neoliberalismo. É a que foi desenhada. Enriqueceu os mais ricos e existe um enorme poder nas mãos dos monopólios e as corporações. Também conduziu a uma forma muito frágil de economia, baseada em um modelo de negócio da eficiência, fazendo as coisas ao menor custo possível. Esse raciocínio inclui, por exemplo, que os hospitais ao tenham certas coisas, porque não são eficientes, por exemplo (...)».
O senhor acha que, após a pandemia, os Estados Unidos estarão mais perto de um sistema de saúde universal e gratuito?
«É muito interessante ver essa discussão. Os programas de Sanders, por exemplo, saúde universal, taxas universitárias gratuitas... São criticados em todo o espectro ideológico. As críticas mais interessantes vêm da esquerda. Os colunistas mais liberais do The New York Times, CNN e eles todos... dizem que são boas ideias, mas não para os estadunidenses».
«A saúde universal está em todos os lados. Na Europa toda, de uma forma ou de outra. Em países pobres, como o Brasil, México... E a educação universitária gratuita? Em todos lados... Finlândia, Alemanha, México... em todos lados. Portanto, o que dizem os críticos na esquerda é que os Estados Unidos é uma sociedade tão atrasada que não pode se colocar à altura do restante do mundo. E fala bem claro da natureza, da cultura e da sociedade.»

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