Verdade histórica
Apontamentos sobre a II Guerra Mundial
Jorge Cadima
A História da II Guerra Mundial (II GM) é alvo de falsificação permanente. A revista do Expresso (7.6.19) fala do desembarque na Normandia (6 Junho, 1944) como «a maior operação aeronaval de todos os tempos e o prelúdio da derrota nazi». Mas como escreve Adam Tooze, Professor de História Económica nas Universidades de Cambridge e Yale: «o ataque lançado pela Wehrmacht [ contra a URSS] em 22 de Junho de 1941 foi a maior operação militar única de que há registo histórico. Uma força não inferior a 3 050 000 homens participou na assalto […]. Nunca, nem antes nem depois, se travou batalha com tanta ferocidade, por tantos homens, numa frente de batalha tão extensa» (1). Apresentar o Dia D como ‘prelúdio da derrota nazi’ significa apagar da História três anos (!) de batalhas decisivas. É fake History. A propaganda anticomunista dá nisto.
Os propagandistas enfrentam um problema: a realidade. Em Junho de 1944 já a URSS libertara quase todo o seu território e, com os movimentos de resistência popular armada em inúmeros países (e o papel decisivo dos comunistas), preparava-se para libertar Berlim (Maio, 1945).
Já em Agosto de 1941, Goebbels escrevia no seu diário: «O Führer está intimamente muito irritado por se ter deixado enganar sobre o potencial bélico dos bolcheviques. […] Trata-se duma grave crise […]. Em comparação, as campanhas conduzidas até aqui eram meros passeios». E em Setembro: «Avaliámos de forma totalmente errada o potencial dos bolcheviques» (2). Os nazis foram pela primeira vez travados às portas de Moscovo. Para o historiador Jacques Pauwels, foi o momento de viragem: «a Batalha de Moscovo […] e em especial o começo da contra-ofensiva do Exército Vermelho em 5 de Dezembro de 1941, assinalou o fim da estratégia até então extremamente bem sucedida de blitzkrieg, ou ‘guerra-relâmpago’. E desta forma, condenou a Alemanha Nazi a perder a guerra» (3).
A brutal dominação nazi-fascista estendia-se, em 1942, a quase toda a Europa. Nesse ano «o exército soviético combatia contra 98% do exército alemão operacional – 178 divisões concentradas na frente leste – enquanto que os britânicos combatiam contra 4 no Norte de África» (4). Os EUA ainda estavam longe de entrar em guerra na Europa. Em 1943 travaram-se batalhas decisivas. Diz Tooze: «A batalha de Estalinegrado é o feito militar e político mais importante da [II GM…]. Entre 17 Julho 1942 e 2 Fevereiro 1943, os exércitos do bloco fascista perderam cerca dum quarto das forças que operavam na frente soviético-alemã» (5). No Verão é a batalha de Kursk, «uma das mais grandiosas da [II GM…]. O exército fascista alemão sofreu uma derrota de que já não foi capaz de se recompor…]. A iniciativa estratégica ficou até ao final nas mãos [...] da URSS» (6). Faltava quase um ano para o Dia D. Em Janeiro de 1944, após quase dois anos e meio, o Exército Vermelho rompeu o cerco à segunda cidade da URSS. O sacrifício inenarrável de Leninegrado custou mais vidas soviéticas do que o total de baixas dos EUA e Reino Unido em todos os teatros de guerra da II GM (7). Nos «três anos entre Junho 1941 e Maio 1944, a taxa média de baixas da Wehrmacht na Frente Leste foi de quase 60 000 mortos por mês. Nos últimos doze meses da guerra a sangria atingiu proporções realmente extraordinárias» (8). O Exército Vermelho foi responsável por 90% dos soldados alemães mortos na II GM (9).
Tooze sintetiza a verdade histórica: «É inquestionável que foi na Frente Leste que o 3.º Reich sangrado até à morte, e foi o Exército Vermelho o maior responsável pela destruição da Wehrmacht» (10).
Compadrio com o fascismo
As causas de fundo da II GM residem na natureza agressiva do capitalismo. Poucos anos antes, as grandes potências imperialistas combateram-se na I Guerra Mundial, disputando mercados, matérias-primas e colónias e tentando vergar, pelo militarismo, a classe operária dos seus países (11). Mas a chacina teve resultados inesperados. A guerra termina com os povos em revolta. Em 1917 houve duas revoluções na Rússia czarista, levando os bolcheviques ao poder e lançando a primeira experiência histórica de construção do socialismo. A Alemanha foi obrigada ao Armistício pela revolta dos seus marinheiros, soldados e operários, em Novembro de 1918. No Reino Unido, a efervescência revolucionária leva o PM liberal Lloyd George a encarar, em 1919, bombardear cidades operárias em revolta, como Glasgow, Liverpool e Manchester (12). As potências capitalistas vencedoras aproveitam a derrota alemã para se apossar das suas colónias e parte do seu território europeu. O Tratado de Versalhes (1919) impôs-lhe pesadas compensações de guerra, conducentes à hiperinflação dos anos 20 e arruinando a pequena e média burguesia alemã.
Quando em 1929 eclode a grande crise do capitalismo, era generalizada a sensação de um sistema em derrocada, ao qual o impetuoso crescimento económico da URSS socialista nos anos 30 fazia evidente contraponto. Logo no primeiro Plano Quinquenal (1928-32) a produção industrial soviética cresceu 22% ao ano, valores ainda hoje sem paralelo.
Este contexto explica a conivência de boa parte das classes dominantes europeias com o ascenso do fascismo, no qual viam um ‘salvador’. Em 1927, Churchill declarou em Itália, após encontrar-se com Mussolini, que «se fosse italiano, estou seguro de que teria estado ao vosso lado, de alma e coração, do princípio até ao fim, na vossa luta triunfante contra as paixões e apetites animalescos do Leninismo» (13). O Governador do Banco de Inglaterra, Norman Montagu, dizia em 1934, em Nova Iorque: «Hitler e Schacht [o seu homólogo alemão] são na Alemanha bastiões da civilização. São os únicos amigos que temos naquele país. Defendem o nosso tipo de ordem social contra o comunismo» (14). Uma mensagem bem acolhida pelo grande capital dos EUA (15).