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24 de setembro de 2019
Ricardo Cabral
Taxas de juro de curto prazo
nos EUA a 10%?
Na terça-feira, 17 de Setembro, ataxa de juro de curto prazo de
referência para a políticamonetária dos EUA (Effective
Federal Funds Rate ou EFFR), i.e., a taxa de juro a que os bancos
emprestam fundos e notas da Reserva Federal de um dia para o
seguinte (“overnight”) subiu acima do intervalo deÆnido pela
Reserva Federal, tendo a taxa de juro paraalguns empréstimos interbancários atingido10%.
Ora o comité de política monetária daReserva Federal determinou a 1 de Agosto
que a mediana dessa taxa para empréstimos nterbancários overnight deveria estar
sempre compreendida entre 2% e 2,25% (intervalo revisto, na passada quinta-feira, 19
de Setembro, para entre 1,75% e 2%). No entanto, o valor da taxa mediana chegou a
2,3% no dia 17, um desvio de 0,05 pontos percentuais aparentemente insigniÆcante.
Contudo, essa estatística revela que mais de metade do volume de empréstimos de
fundos da Reserva Federal ocorreu a taxas de juro acima do limite máximo de 2,25%. Além
disso, 1% do volume de empréstimos ocorreu a taxas de juro iguais ou superiores a 4%.
É como se o mercado interbancário dos EUA tivesse desobedecido à Reserva Federal,
algo que não tem precedentes desde 2007-2009 (durante a crise Ænanceira
internacional). A Reserva Federal viu-se forçada a intervir nos dias que se seguiram,
cedendo liquidez através de operações de mercado aberto temporárias.
A segunda série (EFFRH) foi descontinuada pela Reserva Federal a partirde 2016.
O aumento das taxas de juro de curto prazo é surpreendente considerando que o
sistema bancário dos EUA, no seu todo, ainda detém 1,4 biliões de dólares de excesso
de liquidez em resultado dos programas de expansão quantitativa empreendidos entre
2008 e 2014 pela Reserva Federal.
O excesso de dólares acumula-se em alguns bancos — os grandes bancos
americanos como JPMorgan Chase,
Citigroup, Bank of America e Wells Fargo e
em alguns bancos estrangeiros —, mas faltará
liquidez em parte do sistema bancário
americano, possivelmente em algumas Æliais
americanas de bancos estrangeiros, e a
outros actores nos mercados Ænanceiros. A
subida nas taxas de juro de mercado indicia
que os grandes bancos americanos e,
possivelmente, também bancos estrangeiros
com excesso de reservas preferiram não
emprestar o suÆciente aos bancos com falta
de dólares, mesmo recebendo garantias
(colateral), levando a uma subida abrupta
das taxas de juro overnight.
A Reserva Federal aparentemente
desconhece a razão para o sucedido porque
o mercado para empréstimos de reservas da
Reserva Federal (Federal Funds market) é
descentralizado, com os bancos a
negociarem entre si esses empréstimos
de reservas, sem intervenção da
Reserva Feder Algo similar
ocorreu na zona euro no passado. Na sequência da crise
do euro de 2010-2012, o excesso de reservas
acumulou-se nos bancos dos Estados-membros credores,
nomeadamente a
Alemanha. O mercado interbancário da
zona euro deixou de funcionar, com a
banca dos Estados-membros
periféricos a ter de recorrer a liquidez
do eurossistema e a iquidez de
emergência do respectivo banco central.
O BCE passou a queixar-se da
fragmentação dos mercados bancários e do
problema que daí adviria para a transmissão
da política monetária em toda a zona Euro.
Foi esse um dos fundamentos para
alterações no formato dos instrumentos de
política monetária do BCE, e, em especial,
para o programa de expansão quantitativa.
Nada de muito grave, mas...
A subida da taxa de juro máxima para os
empréstimos overnight não é em si muito
grave.
A Reserva Federal pode responder
injectando temporariamente mais liquidez
no sistema bancário, como aliás foi feito na
zona euro pelo BCE em resposta à crise do
euro. De facto, na zona euro, as operações
regulares do eurossistema de
reÆnanciamento semanais passaram a ceder
toda a liquidez solicitada pelos bancos à taxa
de juro de referência.
A Reserva Federal pode também baixar a
taxa de juro dos depósitos dos bancos na
Reserva Federal para os incentivar a
emprestar fundos, ou iniciar novo programa
de expansão quantitativa para aumentar o
excesso de reservas no sistema bancário no
seu todo.
Contudo, esta subida da taxa de juro
sugere que existem bancos e outros
intermediários Ænanceiros com grande falta
de liquidez e, por outro lado, que existem
actores no mercado interbancário dos EUA
que têm capacidade para contrariar as
decisões do comité de política monetária da
Reserva Federal dos EUA.
Tal ocorre porque o excesso de reservas
estará concentrado nesses (poucos) bancos,
nomeadamente: bancos americanos muito
grandes, “too-big-too-fail”, que beneÆciam
de uma garantia implícita do Governo dos
EUA; e alguns bancos estrangeiros. Mas esses
poucos bancos, nacionais e estrangeiros, têm
tanto poder no mercado interbancário que
conseguem inÇuenciar as taxas de juro nesse
mercado, mesmo que de forma involuntária,
condicionando a política monetária da
Reserva Federal.
Na Alemanha: falta de arrojo no
combate à recessão e “amendoins” para
o ambiente
Na Alemanha, discutia-se o que fazer em
resposta à crise climática e à provável
entrada em recessão. Alguns analistas
tinham a expectativa, como aqui se referiu,
que a Alemanha face a esses desaÆos
alterasse a regra-travão da dívida deÆnida
na Constituição do país, alteração que, por
sua vez, obrigaria a modiÆcar as regras
orçamentais europeias.
Angela Merkel, porém, reaÆrmou o
compromisso do seu Governo com saldos
orçamentais equilibrados ou positivos
(“schwarze Null” ou “zero preto”),
defraudando essas expectativas.
Para o combate às alterações climáticas é
deÆnido um pequeno pacote de 54 mil
milhões de euros até 2023 (100 mil milhões
de euros até 2030), segundo o ministro das
Finanças, Olaf Sholz. Numa economia com
um PIB de 3,3 biliões de euros, tal pacote
representa cerca de 0,5% do PIB por ano ...
ou seja, “amendoins”.
Acresce que o Governo alemão não deixa
cair a regra-travão da dívida para poder
realizar essa pequena despesa adicional.
Com efeito, o programa — 16 mil milhões de
euros por ano — será Ænanciado com novas
receitas, nomeadamente as provenientes do
aumento de taxas sobre combustíveis e num
“mecanismo de mercado” baseado no
comércio das licenças de emissões de CO2.
“A política é o que é possível”, referiu Angela
Merkel.
Olaf Scholz também acenou com 50 mil
milhões de euros de despesa pública, caso a
Alemanha entre em recessão económica,
presume-se, respeitando também a regra
travão.
O Governo alemão de coligação entre SPD
e CDU/CSU optou pelo caminho mais fácil.
Um pacote ambiental sem aumento de
receitas obrigaria a alterar a Constituição da
Alemanha, deixando cair a regra-travão da
dívida.
Estas regras terão de ser alteradas um dia,
espera-se, mais cedo que tarde. Angela
Merkel perdeu a oportunidade para deixar
esse legado.Público 23
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