No debate entre Jerónimo de Sousa e António
Costa, o líder do PS afirmou que quase 92% dos
350 mil empregos criados entre 2015 e 2019 foi
feito com vínculo estável, sem termo. E voltou a repetir noutras intervenções .
Infelizmente tal afirmação está errada e muito longe da realidade
Como chegou a estes números e porque razão esta afirmação está errada.
António Costa( ou alguém do seu gabinete) utilizou os dados do Quadro QP8, anexo aos inquéritos trimestrais
ao emprego do 2º trimestre de 2015 e do 2º trimestre de 2019. Este quadro dá-nos a
informação da distribuição da população empregada por conta de outrem, em cada
trimestre, de acordo com o tipo de contrato de trabalho (sem termo, com termo e outras
situações).
As contas de António Costa são simples, isto é, se no 2º trimestre de 2015 eram 3 723,4
mil os portugueses com contrato de trabalho e no 2º trimestre de 2019 são 4 085,3
milhares, existem no 2º trimestre de 2019, mais 361,9 mil contratos de trabalho. Se do
acréscimo do total do nº de contratos de trabalhos, 331,9 mil são contratos sem termo e
33,4 mil são contratos com termo, António Costa logo conclui que, 92% dos empregos
criados, são empregos efectivos, empregos sem termo e só 8,0% são empregos
precários.
Porque é que este raciocínio está errado?
Está errado, porque os valores deste quadro retratam a situação existente nos diferentes
trimestres dos anos e António Costa confunde o saldo do nº de postos de trabalho e o
seu vínculo contratual, entre o 2º trimestre de 2015 e o 2º trimestre de 2019, com a
evolução dos novos contratos de trabalho efectuados neste período de 4 anos. Em
muitas situações para um mesmo posto de trabalho criado, foram vários os
contratos de trabalho efectuados ao longo destes 4 anos ou 16 trimestres e, isso não
é reflectido no quadro.
O quadro reflecte apenas o vínculo contratual da população empregada num e noutro
trimestre e, de um trimestre para o outro, houve postos de trabalho criados e
trabalhadores contratados, houve postos de trabalho extintos e trabalhadores que
perderam o emprego, houve postos de trabalho que viram um trabalhador sair e outro
ocupar o seu lugar, houve postos de trabalho em que o trabalhador permaneceu no seu
lugar e o contrato de trabalho foi prolongado.
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Os dados do Fundo de Compensação do Trabalho obtidos a partir das declarações dos
empregadores à Segurança Social e referentes ao nº de postos de trabalho criados entre
Setembro de 2015 e 31 de Dezembro de 2018 não deixa dúvidas, neste período foram
celebrados 838 043 novos contratos de trabalho (não considerando os contratos
ultra precários de muito curta duração) e destes a apenas 396 840 foi garantido um
vínculo efectivo.
Para mais de 441 mil novos contratos celebrados neste período (53% do total), a
integração no mercado de trabalho veio associada a baixos salários, insegurança e
instabilidade.
Um outro quadro do inquérito trimestral ao emprego, o quadro da população
empregada por antiguidade no emprego (QT7), permite perceber melhor como o nº
de trabalhadores com vínculo precário aumentou consideravelmente ao longo da actual
legislatura.
Este quadro distribui a população empregada em cada trimestre por antiguidade nesse
emprego, sendo que os escalões temporais considerados, variam entre (até 6 meses, 7 a
11 meses, 1 a 4 anos, 5 a 9 anos, 10 a 14 anos, 15 a 19 anos e 20 ou mais anos). Como é
obvio, findo o período temporal que medeia entre os vários escalões, nomeadamente o
de seis meses, quanto maior for a relação entre o nº de trabalhadores num determinado
escalão temporal e o acréscimo do nº de trabalhadores do escalão seguinte, mais
efectivo é o contrato de trabalho dos trabalhadores que estão nessa situação. Da mesma
forma quando concluído o tempo que medeia entre um escalão temporal e o escalão
seguinte, verificamos que o nº de trabalhadores que acedeu ao escalão seguinte foi
muito baixo, então concluímos que muitos trabalhadores viram cessar o seu vínculo
laboral e foram para o desemprego e mais tarde voltarão a engrossar de novo o 1º
escalão.
A leitura do quadro QT7 mostra claramente esta realidade, muitos trabalhadores
com vínculo laboral até 6 meses não vêem o seu contrato renovado, em média nos
últimos anos essa situação atinge cerca de 54% destes trabalhadores. Estes
trabalhadores caiem no desemprego e muitas vezes em seguida voltam a efectuar novo
contrato de curta duração.
A elevação do nível actual de precariedade no trabalho é ainda visível com um outro
dado deste QT7, o nº de trabalhadores cujo vínculo é mais antigo (mais de 5 anos),
baixou de 67,8 %, para 62,3%, enquanto esse mesmo peso dos trabalhadores com
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vínculos mais curtos, que correspondem em muitos casos a vínculos precários subiu de
32,2 para 38,1%.
È verdade que o maior peso dos trabalhadores com vínculos mais curtos se deve em
muito à criação de milhares de postos de trabalho nos últimos 4 anos, mas o facto de
estar a cair o peso e o nº dos trabalhadores que declaram que estão no mesmo emprego
há mais de 5 anos e menos de 9 anos - são menos 108 900 os trabalhadores neste
escalão em relação ao 2º trimestre de 2015 - é mais um claro indicador da preocupante
subida dos níveis de precariedade no emprego.
Grande parte do desemprego tem vindo a ser alimentado com trabalhadores que
têm contratos de trabalho efectivo (sem termo) e grande parte do emprego criado é
alimentado por trabalhadores com contratos de curta duração/precários/contratos
com termo.
Os níveis de precariedade no mercado de trabalho não param de crescer e são hoje
muito maiores.
Se assim não fosse, muitos dos trabalhadores que se encontravam no escalão 1 a 4 anos
ao longo da actual legislatura estariam agora a integrar o escalão 5 a 9 anos no mesmo
emprego. Ora o que aconteceu foi que na actual legislatura se reduziu o nº de
trabalhadores que permaneceram no mesmo emprego nos escalões entre 5 a 9 anos,
entre 10 a 14 anos e entre 15 a 20 anos e foi enorme a rotatividade dos trabalhadores
com vínculos de trabalho até 4 anos.
O quadro QT7 mostra-nos ainda que o nº de trabalhadores que permanecerem no
mesmo emprego até um ano é desde o 3º trimestre de 2017, superior ao daqueles que
permaneceram no mesmo emprego no escalão 5 a 9 anos, no escalão 10 a 14 anos e no
escalão 15 a 20 anos.
Estes dados divulgados pelo INE sobre a evolução da antiguidade no emprego,
juntamente com a informação recolhida do Fundo de Compensação do Trabalho
desmentem totalmente as afirmações do primeiro-ministro, sobre a elevada percentagem
dos novos contratos efectivos e uma vez mais lembram a justeza da nossa luta, bem
expressa na afirmação de que: “ a um posto de trabalho permanente tem de
corresponder um contrato de trabalho efectivo”.
Fez bem Jerónimo de Sousa ao lembrar a António Costa, que também Mário Soares em
1976 quando aprovou a criação dos contratos a prazo, defendeu a sua criação dizendo
que estes seriam apenas permitidos em situações excepcionais e particularmente em
trabalho sazonal.
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Hoje à sombra dessa mesma legislação, provavelmente mais de 1/3 dos contratos de
trabalho não são efectivos e, as alterações à legislação laboral que o PS com apoio do
PSD e CDS acabou de aprovar, irão fazer aumentar ainda mais a precariedade no
trabalho. Por este caminho não tardará muito em que a regra será o contracto de trabalho
precário e a excepção o contracto trabalho efectivo.
Setembro de 2019
José Alberto Lourenço
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