Já lá vai o tempo em que dissidentes dos países socialistas eram recebidos como heróis. Milan Kundera foi um deles, entre tantos outros do rock à pintura dita moderna, etc. Kundera quando o seu humor e sentido crítico se aplicou aos países ocidentais passou a ser considerado “superficial” e a sua “sátira forçada”. Caiu no esquecimento tal como à generalidade dos demais. Soljenítsin, escapa este destino, pios foi adversário da descolonização e admirador de Pinochet, bem acompanhado pela sra. Thatcher, o Papa de então e claro os EUA.
Alexander Zinoviev, filósofo e escritor, dissidente soviético foi um dos acarinhados no ocidente, onde viveu desde 1978. Em junho de 1999, dava uma entrevista de que salientamos alguns passos. (1) As suas palavras merecem ser recordadas pela atualidade.
“Deixei uma potência respeitada, forte, até temida, e encontrei um país derrotado, em ruínas. O que eu disse aconteceu: a queda do comunismo transformou-se na queda da Rússia. A Rússia e o comunismo eram a mesma coisa.”
“A catástrofe russa foi intencionada e planeada no Ocidente. Digo isto porque já fui um iniciado. Li documentos, participei de estudos que, a pretexto de lutar contra uma ideologia, preparavam a morte da Rússia. E tornou-se-me insuportável, a ponto de não poder mais viver no campo daqueles que estão a destruinr o meu país e o meu povo.”
“Não se trata de patriotismo. Recebi uma educação internacionalista e continuo fiel a ela. Os infortúnios atuais do meu povo são tais que não posso continuar a contemplá-los de longe. A brutalidade da globalização destaca coisas inaceitáveis.”
“Ao contrário da crença popular, o comunismo soviético não entrou em colapso por razões internas. Sua queda é a maior vitória da história ocidental! Uma vitória colossal que, repito, permite o estabelecimento do poder planetário. Mas o fim do comunismo também marcou o fim da democracia. O nosso tempo não é apenas pós-comunista, é também pós-democrático. Hoje testemunhamos o estabelecimento do totalitarismo democrático ou, se preferir, da democracia totalitária.”
“O Ocidente também estava sob a influência da URSS, principalmente por meio de seus próprios partidos comunistas. Hoje vivemos num mundo dominado por uma única força, por uma única ideologia, por um único partido globalista. Os países ocidentais são, dominantes, mas também dominados, à medida que vão perdendo gradualmente a sua soberania a favor do que chamo de uma supra sociedade planetária, composta de empresas e organizações não empresariais, cujas áreas de influência se estendem para além das nações. Os países ocidentais estão sujeitos, como os outros, ao controlo dessas estruturas supranacionais.”
“Os países ocidentais experimentaram uma verdadeira democracia durante a era da Guerra Fria. Os partidos políticos tinham diferenças ideológicas reais e programas políticos diferentes. As organizações jornalísticas também tinham diferenças marcantes. Tudo isso influenciou a vida das pessoas, contribuiu para o seu bem-estar. Está tudo acabado. A existência de partidos políticos é puramente formal. Suas diferenças estão ficando mais confusas a cada dia. A guerra dos Balcãs foi tudo menos democrática. No entanto, foi liderada por socialistas.
“O totalitarismo financeiro subjugou os poderes políticos. O totalitarismo financeiro é frio. Ele não conhece piedade nem sentimentos. O totalitarismo democrático e a ditadura financeira combinam a brutalidade militar omnipotente e o estrangulamento financeiro planetário. Todas as revoluções receberam apoio do exterior. Isso agora é impossível, devido à ausência de países soberanos. Além disso, a classe trabalhadora foi substituída na base da escala social pela classe dos desempregados. O que os desempregados querem? Um trabalho. Eles estão, portanto, ao contrário da classe trabalhadora do passado, numa posição fraca.”
“No campo ideológico, a ideia importa menos do que os mecanismos de sua difusão. No entanto, o poder dos media ocidentais é, por exemplo, incomparavelmente maior do que o enorme poder do Vaticano no seu auge. E não é tudo: o cinema, a literatura, a filosofia, todos os meios de influência e difusão da cultura em sentido amplo vão todos na mesma direção.”
“Embora os políticos e generais da NATO devam ser julgados por violar todas as leis existentes, a esmagadora maioria dos cidadãos ocidentais acredita que a guerra contra a Sérvia foi justa e boa. A ideologia ocidental combina e converge ideias de acordo com as necessidades. Um deles é que os valores e modo de vida ocidentais são superiores aos outros. Enquanto para a maioria das pessoas no planeta esses valores são mortais.”
“Tente convencer os americanos de que a Rússia está morrendo disso. Eles continuarão a afirmar que os valores ocidentais são universais, aplicando assim um dos princípios fundamentais do dogmatismo ideológico. Um cientista que quisesse estudar os mecanismos do totalitarismo democrático enfrentaria as maiores dificuldades. Fariam dele um pária. Por outro lado, aqueles cujo trabalho atende à ideologia dominante estão submersos em dotações, os editores e os media competem por eles. Eu o observei como pesquisador e professor em universidades.” (continua)
1 – Texto completo em: http://www.toupie.org/Textes/Zinoviev_2.htm
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